Os Velhos do Restelo 2.0

  • David Tomé
  • 7 Maio 2021

Senhores e senhoras agentes do mercado (empresas, bancos, governos, agências de rating, entre outros), adaptem-se e aproveitem o que esta mudança estrutural traz de bom.

“Mas um velho d’aspeito venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente”.

Relembro Camões sempre que oiço os velhos do Restelo ferozmente indignados quanto à adoção de políticas de sustentabilidade nas vertentes ambiental (E), social (S), ou de boas práticas de governança (G), conhecidos como critérios ESG. Estes afirmam que a consideração de tais fatores retira capacidade competitiva às empresas que é simplesmente uma moda e cujo tema vai do desinteressante ao maçador.

Falta de visão? Absolutamente.

Uma das últimas conversas que tive com um empresário português, saltou à vista o total desconhecimento e a falta de compreensão do conceito. Lamentava-se da imposição das marcas internacionais para a compra de matéria-prima a entidades certificadas/alinhadas com os fatores ESG. Este, como tantos outros, ainda não percebeu que trabalhando os “ESG value-drivers”, pode captar valor e reforçar a sua posição competitiva.

Por outro lado, temos toda uma geração de empresários e empreendedores bastante confortável com a pressão regulatória que combate a inércia existente e que consegue perceber o leque de oportunidades que os ventos de mudança trazem consigo.

No que me diz respeito (nomeadamente quanto ao terreno onde me movimento), fico particularmente agradado por ver as balizas ESG bem definidas, uma vez que o efeito preventivo limitará a tentação das práticas de greenwashing.

E nesse campo a Europa está a ser pioneira.

Os fundos de investimento foram recentemente impactados por um importante regulamento da Comissão, designado por SFDR (Sustainable Finance Disclosure Regulation), que estabelece regras musculadas sobre critérios de sustentabilidade, aplicável aos intervenientes no mercado. Basicamente tipifica o que é um fundo de investimento sustentável, exige aos gestores e advisors que divulguem informação sobre como integram os riscos ESG no processo e que sejam transparentes quanto aos impactos socioambientais decorrentes das suas escolhas de investimento. É de facto um grande passo em frente.

Mas atenção, isto ainda se vai tornar mais exigente. O serviço de aconselhamento e consultoria, cada vez mais presente nas entidades bancárias e sociedades gestoras de património, está a ser desafiado quanto às metodologias a implementar para apurar as preferências dos investidores ao nível da sustentabilidade. Conseguem imaginar a turbulência que isto está a provocar nos modelos? E as dores de cabeça dos velhos do Restelo?

Está tudo em revolução, verde e azul, com efeitos transversais a muitos setores que leva ao surgimento de todo um outro conjunto de iniciativas.

A “Task Force on Climate-related Financial Disclosures”, nada mais do que um projeto desenvolvido pelo Conselho de Estabilidade Financeira, debruçou-se sobre a temática das alterações climáticas tipificando os riscos a dois níveis, nomeadamente: de transição e físicos. Mas note-se, ela também se referiu-se ao “pote de ouro”, as oportunidades.

Toda a abordagem teórica da sustentabilidade que se vem fazendo está a passar para a prática.

O setor bancário que se prepare, já que se começa a edificar uma nova realidade, bem presente nas declarações do “Bank for International Settlements” (BIS) quando refere que as mudanças climáticas representam um novo paradigma para os bancos centrais, reguladores e supervisores. Os desafios estão ao nível da prática diária para indexar os spreads de financiamento ao perfil ESG da entidade devedora e ponderação dessas operações para determinar o nível de capital que a banca tem de constituir.

Os mercados financeiros são assim um alvo apelativo, pelo papel que desempenham na reorientação dos fluxos financeiros para todos aqueles que querem construir um “mundo novo”.

Por isso, senhores e senhoras agentes do mercado (empresas, bancos, governos, agências de rating, entre outros), adaptem-se e aproveitem o que esta mudança estrutural traz de bom. Cuidado com as controvérsias e impactos reputacionais negativos que podem advir das más práticas. Vejam o burburinho em torno dos trabalhadores imigrantes alentejanos e o possível boicote aos produtos agrícolas produzidos na região.

Um mau exemplo pode contaminar todo um setor. Conversem entre vocês, imponham-se regras, autorregulem-se já que o “Big Brother” anda por aí.

Cheguem-se à frente, pois são muito bem-vindos os novos “navegadores”.

  • David Tomé

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