Pedro Nuno Santos, da ideologia à realidade

Tanto os cidadãos quanto os mercados possuem motivos legítimos para desconfiar das promessas de Pedro Nuno Santos como candidato a primeiro-ministro.

O futuro do país estará em jogo nas eleições legislativas antecipadas de 10 de março de 2024, precipitadas pelas suspeitas de corrupção ou, pelo menos, tráfico de influências de vários membros dos governos socialistas, atendendo aos últimos desenvolvimentos conhecidos.

Como já referi, a instabilidade política estava já à espreita a partir do momento em que o Governo, com maioria absoluta, se revelou incapaz de resolver os problemas dos portugueses em áreas tão básicas e fundamentais como a Saúde, a Habitação, a Educação, a Economia ou a própria Justiça, cuja lentidão ironicamente se poderá voltar agora contra quem não quis reformar e dotar de meios suficientes esse setor.

Confirma-se, como era expectável, que Pedro Nuno Santos (PNS) será o candidato a primeiro-ministro do PS. O PS optou, assim, pelo candidato que representa a ala mais à esquerda do partido, bastando, para o efeito, recordar várias das suas intervenções e ações ao longo dos anos para o perceber.

Importa, por isso, analisar o seu perfil e propostas conhecidas, nomeadamente na área económica, aquela em que tenho maior conhecimento e que tão maltratada foi pelos vários governos socialistas neste milénio, empurrando o país cada vez mais para a cauda da União Europeia (UE) em nível de vida.

As perspetivas de um eventual governo socialista liderado por PNS são de ‘mais do mesmo’ para pior, ou seja, a continuação das políticas dos últimos governos PS, mas ainda mais à esquerda, com uma provável reedição da ‘geringonça’ de esquerda que nos conduziu até à situação de instabilidade – política, mas também social – que hoje vivemos.

As perspetivas de um eventual governo socialista liderado por PNS são de ‘mais do mesmo’ para pior, ou seja, a continuação das políticas dos últimos governos PS, mas ainda mais à esquerda, com uma provável reedição da ‘geringonça’ de esquerda que nos conduziu até à situação de instabilidade – política, mas também social – que hoje vivemos.

Começo pelo discurso de anúncio de candidatura de PNS, depois volto a fita do tempo atrás para outra tomada de posição emblemática, e regresso ao presente com mais propostas que apresentou.

As frases seguintes do discurso de PNS são elucidativas do seu posicionamento.

É verdade que ainda há muito por fazer, e que são muitos os problemas que afligem as famílias portuguesas, mas seria errado e injusto esquecer o legado que é deixado ao país pelos governos liderados por António Costa”. E qual é esse legado de António Costa que tanto orgulha PNS? “António Costa foi o líder que derrubou os muros erguidos entre o PS e os outros partidos da esquerda parlamentar, foi ele quem teve a iniciativa de desfazer o bloqueio que colocava o PS em desvantagem face a uma direita que se conseguia entender para governar”.

O primeiro grande legado de António Costa segundo PNS foi, portanto, a ‘geringonça’ de esquerda – terminando a tradição da política portuguesa de que o Partido que formava governo era o mais votado – que assumidamente admite reeditar. Trata-se da solução que continua a apoiar, implicando o restabelecimento de relações do PS com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista, cortadas por António Costa para forçar as eleições antecipadas que conduziram à desejada maioria absoluta, ironicamente instável e desbaratada como todos assistimos.

Prosseguiu afirmando que “António Costa foi o líder que perante a catástrofe que se abateu em Portugal, aquando dos incêndios de 2017, liderou uma importante reforma do território, das florestas e da proteção civil que produziu resultados importantes nos anos seguintes”.

Alguém sabe quais foram esses resultados importantes nos anos seguintes? Que eu saiba, a floresta continuou a arder durante o Verão e a desumanização do interior prosseguiu de forma cada vez mais acelerada a ponto de haver quem considere que o interior vive uma espécie de ‘Economia de Guerra’, felizmente sem ‘Guerra’ efetiva.

Continuou considerando que “António Costa foi o líder que conduziu de forma exemplar o combate à crise pandémica que nos testou enquanto comunidade em 2020 e 2021. Mas estes anos não foram apenas anos de gestão de crises. Foram anos em que Portugal cresceu acima da média europeia, em que colocámos o país numa trajetória sustentada de redução da dívida pública e onde voltamos a colocar o emprego em níveis que já não tínhamos desde o início do milénio. À pergunta que alguns analistas fazem: «Qual foi o desígnio de António Costa?» (…) Usarei uma expressão do próprio para descrever o seu maior desígnio: «emprego, emprego e emprego». Foram mais de 600 mil empregos criados desde que o PS assumiu funções no final de 2015”.

A gestão da pandemia e outras crises é bastante discutível, por isso avaliarei sobretudo os resultados económicos. Nos dois últimos anos, sobretudo em 2022, a partir da Guerra na Ucrânia, Portugal tem crescido acima da média da UE, à boleia do turismo, impulsionado pela imagem de país bonito, seguro e longe do conflito na Ucrânia. Mesmo assim, analisando o período 2019-2022 para reduzir a volatilidade anual, marcado por duas crises (pandemia e Guerra) que motivaram baixos e altos no turismo, o desempenho foi apenas marginalmente superior à média da UE. Acresce que os dados mais recentes das contas nacionais, relativos ao terceiro trimestre de 2023, mostram que esse impulso está a terminar, tendo o turismo já contribuído para a queda trimestral de 0,2% do PIB nesse período.

Olhando para o crescimento económico num período mais alargado – em que deve ser analisado esse fenómeno –, o PIB de Portugal subiu apenas 0,9% ao ano entre 1999 e 2022, enquanto na UE cresceu 1,5% e os países de Leste tiveram taxas de crescimento na ordem de 4%, ultrapassando muitos deles o nosso país em nível de vida mesmo tendo entrado muito depois na União e recebido muito menos fundos europeus, que, portanto, aproveitaram muito melhor.

Olhando para o crescimento económico num período mais alargado – em que deve ser analisado esse fenómeno –, o PIB de Portugal subiu apenas 0,9% ao ano entre 1999 e 2022, enquanto na UE cresceu 1,5% e os países de Leste tiveram taxas de crescimento na ordem de 4%, ultrapassando muitos deles o nosso país em nível de vida mesmo tendo entrado muito depois na União e recebido muito menos fundos europeus, que, portanto, aproveitaram muito melhor.

Quanto ao emprego, será que o aumento do número de postos de trabalho pouco qualificados e de baixos salários, em particular no turismo – que, em Portugal, é um setor de baixa produtividade e no qual o país acentuou a sua especialização nos tempos mais recente –, é um sinal de progresso?

Ao mesmo tempo, porque a produtividade do País é baixa, os salários são-no também e os nossos jovens qualificados emigram para países com remunerações muito mais altas e cargas fiscais menos asfixiantes do que a nossa – o esforço fiscal de Portugal (a carga fiscal tendo em conta o nível de vida relativo enquanto medida da capacidade contributiva dos países) é um dos mais altos da UE, 17% acima da média em 2022. Será isto também um sinal de progresso?

Creio sinceramente que não, enquanto economista e cidadão preocupado com o futuro do país.

Quanto à redução do rácio da dívida pública nos últimos governos PS, foi conseguida primeiro com os baixos juros promovidos pelo BCE e a não execução de investimento público, e mais recentemente com o empolamento das receitas fiscais devido à alta inflação, tendo o governo socialista optado por não baixar a carga fiscal para aliviar o sofrimento das famílias, tendência que se mantém na Proposta de Orçamento de Estado de 2024, em que a carga fiscal vota a subir pois a redução anunciada do IRS é contrariada pelo aumento dos impostos indiretos.

Medidas significativas para estimular o crescimento económico – o que reduziria o rácio de dívida pública de forma virtuosa, pelo aumento do PIB –, nem vê-las nos orçamentos socialistas. ‘Contas certas’, mas longe de serem contas sustentáveis, como deveria ser.

Pedro Nuno Santos continuou, destacando ‘três preocupações centrais’: ‘salários dignos’, ‘a habitação’ e ‘valorizar o território’, ou seja, ‘desenvolver o interior e os territórios de baixa densidade’.

Quem viesse do estrangeiro e lesse este discurso devidamente traduzido, ficaria espantado ao saber que PNS esteve nos dois últimos governos socialistas, primeiro como secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, entre nov-15 e fev-19, e depois como ministro das Infraestruturas e da Habitação, entre fev-19 e jan-23.

Pedro Nuno Santos esteve quatro anos com a pasta da Habitação, a par com a das Infraestruturas, essencial para desenvolver o território, sendo, por isso, responsável pelos maus resultados nessas áreas, que agora se propõe resolver. Antes disso, como secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, teve conhecimento dessas e de outras áreas de governação – incluindo a economia, em que a ausência de medidas de estímulo à produtividade é que impede empresas e Estado de pagar “salários dignos” –, pelas quais é corresponsável.

Ou seja, PNS esteve quatro anos com a pasta da Habitação, a par com a das Infraestruturas, essencial para desenvolver o território, sendo, por isso, responsável pelos maus resultados nessas áreas, que agora se propõe resolver. Antes disso, como secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, teve conhecimento dessas e de outras áreas de governação – incluindo a economia, em que a ausência de medidas de estímulo à produtividade é que impede empresas e Estado de pagar “salários dignos” –, pelas quais é corresponsável.

Convém ainda olhar para o enquadramento e contexto em que o discurso ocorreu. A esse respeito, é de salientar a aproximação recente de PNS a Francisco Assis – o atual Presidente do Conselho Económico e Social e uma figura emblemática da ala mais centrista do PS –, que o acompanhou antes do discurso. Parece que PNS descobriu agora que as eleições se ganham ao centro, como se sabe da economia pública, procurando agradar sobretudo ao eleitor mediano.

É nesta altura que convém recuarmos a dez-11, durante o Programa de Ajustamento da Troika de credores (FMI, Comissão Europeia e BCE) que impediram a bancarrota do Estado português – após o pedido de ajuda do governo socialista liderado por José Sócrates.

Nessa altura, PNS, que era nessa altura vice-presidente do grupo parlamentar do PS, afirmou: “Estou-me marimbando para os bancos alemães que nos emprestaram dinheiro nas condições em que nos emprestaram. Estou marimbando-me que nos chamem irresponsáveis. Nós temos uma bomba atómica que podemos usar na cara dos alemães e dos franceses. Ou os senhores se põem finos ou nós não pagamos a dívida” e se o fizermos “as pernas dos banqueiros alemães até tremem”. A afirmação é ainda mais grave e irresponsável tendo em conta que PNS é formado em Economia, revelando uma posição ideológica sem qualquer alinhamento com a realidade.

A literatura económica mostra que não pagar a dívida pública, como propôs PNS, leva, em média, a um afastamento de quatro anos dos mercados de divida pública, o que terminaria o auxílio da Troika e impediria o Governo de pagar na totalidade as pensões e os salários dos funcionários públicos. Um estudo de Kuvshinov e Zimmermann (2019) estima que o impacto de um default é prolongado, variando entre uma perda média imediata no PIB de 2,7% e um pico de 3,7% após cinco anos – devido ao recuo do investimento e do comércio –, mas que pode atingir 9,5% se houver uma crise bancária.

É caso para perguntar se PNS não significa ainda ‘Pagar Não, Senhores’ e se a aproximação a Francisco Assis mais não é do que uma operação de ‘limpeza’ da sua imagem radical de 2011. Desconfio que PNS não terá mudado fundamentalmente e estamos perante um caso de ‘lobo em pele de cordeiro’ para parecer mais ao centro e disputar as eleições de março, o que mudará quando precisar do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista no pós-eleições.

Hoje, PNS parece arrependido dessas afirmações, mas fica para a história uma posição de manifesta irresponsabilidade enquanto vice-líder parlamentar, que teria tido graves consequências se, na altura, estivesse em funções governativas. Quem não é razoável nem responsável na oposição, também não é expectável que seja em funções executivas. As decisões de PNS enquanto governante, incluindo as que levaram à sua demissão – a que retorno abaixo –, apenas confirmam esta expectativa.

É caso para perguntar se PNS não significa ainda ‘Pagar Não, Senhores’ e se a aproximação a Francisco Assis mais não é do que uma operação de ‘limpeza’ da sua imagem radical de 2011. Desconfio que PNS não terá mudado fundamentalmente e estamos perante um caso de ‘lobo em pele de cordeiro’ para parecer mais ao centro e disputar as eleições de março, o que mudará quando precisar do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista no pós-eleições.

Na verdade, PNS parece ter o dom de ‘estragar tudo onde toca’. Para além do já referido, consta que coordenou as negociações para a elaboração da nova lei de bases da saúde em colaboração com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista, ficando, assim, sinalizado o início do fim indesejado do Serviço Nacional de Saúde. Terá participado na negociação do intitulado imposto Mortágua que ajudou a desencadear uma crise no mercado de arrendamento. Ajudou a direcionar 3,2 mil milhões de euros para a TAP e foi obrigado a um pedido público de desculpas por assinar um decreto à revelia de António Costa. Por fim, demitiu-se por aprovar indemnizações milionárias por WhatsApp. Estranhamente, foi eleito líder do PS, refletindo a realidade do partido que o conduziu ao cargo.

Perante este registo, parece pouco credível que PNS proponha, entre outras coisas, o ‘reforço’ do SNS, que ajudou a afundar, bem como o aumento da oferta pública de habitação, quando foi responsável direto pelo não cumprimento das promessas dos governos de António Costa na matéria. Quanto à TAP, foram tantas as mudanças de posição dos governos de António Costa, em que PNS participou (com a tutela da TAP) e com tanto orgulho, que a sua promessa de privatizar a companhia, mas mantendo a maioria do capital público, vale o mesmo que dizer outra coisa qualquer.

Pedro Nuno Santos pretende ainda um reforço do papel das empresas públicas na economia, a receita para o desastre face à injeção massiva de dinheiro na TAP, que o Estado nunca irá recuperar, e os prejuízos dessa e de outras empresas públicas que tutelou, sempre em prejuízo do contribuinte.

Nos impostos, PNS prefere reduzir o IVA em vez do IRS – é das poucas diferenças que se encontra face a António Costa, mas nem aqui parece acertar –, quando os manuais de Economia apontam que reduzir a tributação sobre os fatores produtivos (incluindo o trabalho) é quem melhor favorece a economia e as empresas, que supostamente PNS diz querer apoiar.

Nas finanças publicas, PNS quer manter a dita estratégia de ‘contas certas’ – mas não sustentáveis –, com ‘equilíbrio’, prometendo prosseguir a descida do rácio da divida pública, mas tendo em conta “outros objetivos e necessidades que o país enfrenta”, o que não deve fazer descansar os mercados após as declarações em 2011 de não pagar a dívida.

Por outro lado, ao assumir claramente a continuidade e a herança de António Costa, sem qualquer crítica, significa que PNS não se demarca dos inúmeros casos que fragilizaram o governo de maioria absoluta, em particular as suspeitas de corrupção e tráfico de influências que levaram à sua queda, ficando assim também colado a essa imagem. PNS não apresentou, que eu saiba, qualquer proposta de combate à corrupção.

Conclui-se, assim, que tanto os cidadãos quanto os mercados possuem motivos legítimos para desconfiar das promessas de PNS como candidato a Primeiro-ministro, considerando as suas posições e decisões tanto na oposição quanto nos governos liderados por António Costa.

  • Professor Catedrático da Faculdade de Economia do Porto, Sócio fundador do OBEGEF, e membro do Movimento Cultural da Terra de Miranda.

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