Plataformas digitais: O outro lado da legislação

  • David Ferreira da Silva, Bruno Borges, Joaquín Vázquez e Francisco Vilaça
  • 6 Dezembro 2022

A singularidade das plataformas não pode ser ignorada. As múltiplas obrigações legais já aplicáveis às plataformas e a sua articulação com o Código do Trabalho não podem ser ignoradas.

Regular uma atividade é sempre um processo complexo, ainda para mais quando se trata de um sector que resulta das inovações que a transição digital trouxe às nossas sociedades, aos nossos negócios e aos nossos hábitos. Depois, é um processo que exige aprofundada reflexão pelos diferentes impactos que pode implicar.

As plataformas vieram dinamizar atividades económicas que já existiam, trazendo simplicidade, conveniência e conforto para todos quantos intervêm nesta cadeia de valor. São os restaurantes, os pequenos comércios, os empresários em nome individual, os estafetas, os motoristas. São empresas, micro, pequenas ou médias cuja atividade subsistiu durante a pandemia graças às plataformas e têm agora uma atividade consolidada que garante um rendimento regular acima da média. É este o contexto que tem de ser levado em conta quando falamos das alterações presentemente em curso ao Código do Trabalho. Na verdade, a proposta em causa não se esforça por entender a realidade que pretende regular, nem responde aos anseios e às necessidades dos diversos agentes que fazem parte deste ecossistema. Ora, as especificidades do modelo operacional não foram consideradas pelo Governo e, a avançar nos moldes que pretendem, a nova legislação colocará, na prática, em confronto utilizadores, estafetas, motoristas, empresas e plataformas quando as necessidades de uns e outros deviam estar tendencialmente alinhadas, como têm estado até aqui. A avançar nestes moldes, empurra-se para reguladores e tribunais a resolução de um problema que atualmente não existe, mas que estas propostas vão criar. É isso que se pretende?

Desde a entrada das plataformas de entrega ao domicílio em Portugal, em 2017, e até 2021, o pessoal ao serviço nos serviços de entrega ao domicílio mais do que triplicou. Entre 2018, quando a lei do TVDE entrou em vigor, e 2021, o pessoal ao serviço no transporte ocasional de passageiros em veículos ligeiros aumentou 40%, mesmo com dois anos de pandemia a afetar severamente o setor (dados do INE de outubro de 2022). Estes números demonstram inequivocamente, ainda que de forma limitada, o impacto económico e social positivo da tecnologia e da inovação que as plataformas digitais trouxeram a um sector que estava estagnado. Realçam, também, o custo potencial de uma reforma mal feita. Estas eram oportunidades de rendimento que pura e simplesmente não existiam, estes eram setores estagnados, não digitalizados, que não tinham ferramentas para responder às necessidades dos restaurantes, retalhistas, consumidores e cidades.

Aquilo que se quer é voltar ao período anterior à entrada das plataformas? Um tempo sem inovação, crescimento ou emprego nestes setores. Um tempo em que restaurantes e comerciantes não tinham capacidade para chegar aos seus clientes? Em que os clientes tinham de esperar horas ou dias para receber qualquer encomenda? Em que não existiam alternativas de transporte fiáveis, acessíveis e flexíveis para se chegar de forma simples e rápida onde se quisesse?

Acreditamos que ainda vamos a tempo de criar pontos de entendimento e de evitar consequências económicas e laborais irreversíveis.

A singularidade das plataformas não pode ser ignorada. As necessidades dos restaurantes, retalhistas, motoristas, estafetas e operadores não podem ser ignoradas. As necessidades dos consumidores, ainda menos. As múltiplas obrigações legais já aplicáveis às plataformas e a sua articulação com o Código do Trabalho não podem ser ignoradas.

Sabendo que esta discussão também está a acontecer na Europa, com negociações entre a Comissão e o Parlamento Europeu, porque há de Portugal se apressar? Será que pretendemos mais tarde voltar a legislar em sentido diferente daquele que agora se ambiciona implementar? Faltam poucos meses para a situação na Europa se clarificar e, depois, Portugal pode harmonizar a sua legislação com a dos restantes países europeus. Até lá, Portugal pode encontrar um compromisso.

Enquanto plataformas, defendemos a promoção do diálogo social como base para a melhoria das condições de trabalho de motoristas e estafetas, preservando os muitos aspetos positivos que foram conseguidos até aqui. Uns e outros não devem ser forçados a escolher entre proteção social e o acesso a oportunidades de trabalho. Uns e outros não devem ser forçados a escolher entre trabalhar onde, como e com quem querem e direitos que todos devem ter, independentemente da forma como decidem organizar a sua vida. Ora, é precisamente isto que a atual proposta de Agenda do Trabalho Digno implicará. As plataformas digitais a operar em Portugal acham que ainda outro caminho é possível.

  • David Ferreira da Silva
  • Diretor Geral Bolt
  • Bruno Borges
  • Diretor Geral Free Now
  • Joaquín Vázquez
  • Diretor Geral Glovo
  • Francisco Vilaça
  • Diretor Geral Uber

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