Por uma mobilidade elétrica de futuro: principais desafios

A mobilidade elétrica representa uma nova linguagem e uma nova dinâmica para os consumidores, que anseiam por uma rede de carregamento acessível, abrangente, digital, de simples utilização.

O setor da mobilidade elétrica tem conhecido, tanto em Portugal como no estrangeiro, relevantes desenvolvimentos, mostrando-se um mercado particularmente dinâmico e em acentuado crescimento. De acordo com dados disponibilizados pela Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis (ACEA), mesmo num contexto de pandemia, estima-se que, no ano de 2020, as vendas de veículos elétricos na Europa tenham duplicado.

Tal dinamismo não será certamente alheio ao facto de, ao longo dos últimos anos, os Estados, incluindo o Português, terem adotado pacotes de incentivos ao crescimento do mercado da mobilidade elétrica e, em paralelo, incorporado, no seio dos respetivos ordenamentos jurídicos, várias soluções que visam promover o desenvolvimento das redes de carregamento. Subsistem, contudo, designadamente em Portugal, desafios a ultrapassar, desejavelmente num futuro próximo, por forma a manter o nosso país na rota da inovação europeia em matéria de mobilidade elétrica, dinamizando o investimento privado no setor e potenciando a disseminação de mobilidade elétrica enquanto elemento chave da descarbonização.

No seio da União Europeia, encontram-se vários modelos de organização do mercado da mobilidade elétrica, mais ou menos descentralizados do ponto de vista da gestão de operações da(s) rede(s). O modelo adotado em Portugal é complexo e assenta na particularidade de, em regra, os pontos de carregamento estarem obrigatoriamente ligados à rede pública, de acesso universal, atribuindo-se a respetiva gestão e monitorização à Mobi.E, S.A., em regime de monopólio. Os pontos de carregamento são operados e mantidos por Operadores de Pontos de Carregamento (OPC) licenciados e a eletricidade para os carregamentos dos veículos elétricos é fornecida por Comercializadores de Eletricidade para a Mobilidade Elétrica (CEME) registados junto da DGEG.

A rede pública assenta, ainda, na existência de uma plataforma de roaming nacional à qual todos os agentes devem estar ligados (mono-rede nacional), permitindo-se que os Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE) possam efetuar operações de carregamento em qualquer ponto de carregamento público, independentemente do CEME contratualizado.

Esta rede pública nacional coexiste com pontos de carregamento de acesso privativo, não obrigatoriamente ligados à rede pública e que podem ser operados pelos detentores do local de instalação, os denominados Detentores de Pontos de Carregamento (DPC). Nesta sede, – e uma vez que não raras vezes se suscitam interpretações díspares por parte dos players do mercado – seria oportuna a clarificação legislativa do requisito legal relativo ao acesso privativo, afastando-se entendimentos restritivos e formalistas.

A conformidade de sistemas de mobilidade elétrica como o Português com as disposições de direito comunitário tem sido questionada, uma vez que a Diretiva 2014/94/EU, de 22 de outubro de 2014 prevê que todos os pontos de carregamento acessíveis ao público possibilitem carregamentos ad hoc (isto é, isolados e não inseridos numa relação contratual duradoura) para os UVE, devendo assegurar-se uma rede de mobilidade elétrica não discriminatória que inclua, por exemplo, diferentes condições de autenticação, utilização e pagamento. Com efeito, atualmente, por forma a aceder aos pontos de carregamento públicos também os UVE estrangeiros terão de celebrar contratos com CEME nacionais, independentemente dos contratos que já tenham eventualmente celebrado no seu país de origem.

Não se duvida de que a mobilidade elétrica em Portugal tem sido um setor em claro crescimento, destacando-se pela sua eficiência e bom grau de desenvolvimento do mercado. No entanto, a mobilidade elétrica representa uma nova linguagem e uma nova dinâmica para os consumidores, que anseiam por uma rede de carregamento acessível, abrangente, digital, de simples utilização e que seja mais flexível nos modelos de negócio permitidos. Assim, o sistema português enfrenta desafios de operacionalização, internacionalização, universalidade e concorrência, que devem ser ultrapassados, sob pena de perder competitividade e de viver desligado da rede europeia. O sistema de mobilidade elétrica em Portugal carece, assim, de um maior investimento em sede de digitalização (nomeadamente, através de apps ou outros sistemas), com vista a tornar a
autenticação dos UVE nos pontos de carregamento mais eficiente e prática e o tratamento de dados de consumo mais célere. Esta maior digitalização permitirá que o mercado evolua para soluções mais flexíveis do ponto de vista dos meios de pagamento disponíveis, permitindo-se aos UVE nacionais e internacionais carregamentos elétricos ad hoc de forma rápida e informal, sem que tenham de celebrar um contrato formal com o CEME em questão.

Ademais, será desejável que, em prol de um mercado mais concorrencial e capaz de prestar os melhores serviços a preços mais competitivos aos UVE, o paradigma do mercado possa evoluir para um esquema que potencie o crescimento e a dispersão geográfica das redes de carregamento, conjugando a rede de mobilidade elétrica (pública, universal e abrangente) com um maior desenvolvimento de redes privadas de mobilidade elétrica.

Também a internacionalização do sistema de mobilidade elétrica nacional representa uma necessidade fundamental do desenvolvimento do mercado nacional, através da implementação de sistemas de roaming adequados, designadamente o tão esperado e-roaming (roaming internacional), já anunciado pela Mobi.E, mas ainda não implementado em Portugal.

Finalmente, importará, ainda, ajustar as práticas das entidades reguladoras (e quiçá a própria regulação, simplificando-a e conferindo-lhe celeridade) à realidade da instalação dos pontos de carregamento, que pela sua relativa simplicidade técnica e rapidez ao nível da instalação, não é compatível com procedimentos regulatórios de licenciamento e certificação complexos e sobretudo demorados.

A superação destes desafios promoverá o desenvolvimento de modelos de negócio e soluções de carregamento e pagamento alternativas, mais flexíveis e digitais, que tornarão o nosso mercado ainda mais dinâmico, competitivo e atrativo, quer para os UVE, quer para os investidores.

  • Rui Vasconcelos Pinto
  • Associado da PLMJ nas áreas de Público, Projetos e Energia

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