Portugal: De country club a country risk?

  • José Leitão
  • 10 Abril 2023

Portugal vai ter pela frente um trabalho excepcionalmente difícil de recredibilização como agente responsável num comércio global, capaz de honrar os seus compromissos.

No último ano, e como rastilho para a contestação que acabou por resultar na apresentação do polémico “Mais Habitação”, uma das críticas recorrentes aos esquemas de investimento estrangeiro em Portugal era a de que se estava a transformar o País numa espécie de country club do investimento: estrangeiros afluentes adquiriam, através do seu investimento no imobiliário, um membership num clube à beira-mar plantado, usufruíam de condições privilegiadas a nível fiscal e podiam gozar do nosso excelente clima, comida, mão-de-obra qualificada e outras vantagens. Foi atrás desta visão maniqueísta das coisas que o Governo criou um pacote de medidas que, mais do que habitação, promete criar uma nova indústria de litigância constitucional e administrativa.

Já muito se discorreu aqui sobre o que parecem ser gritantes problemas de constitucionalidade, legalidade e até de operacionalidade das propostas. Foquemo-nos hoje nos efeitos sistémicos e de longo prazo delas na reputação de Portugal não apenas como destino de investimento, mas como actor de boa fé no comércio internacional no geral.

A este respeito, e ao cabo de 20 anos de prática da advocacia, foram muitas as questões que recebi de Clientes sobre o chamado Country Risk, o conjunto de circunstâncias legais, regulatórias e de realidade legislativa que normalmente presidem a decisões de investimento de longo prazo. Estes vectores de decisão estão associados, inter alia, à efectiva medida em que investidores estrangeiros podem contar com o funcionamento real do Estado de Direito nas suas manifestações naturais de tutela da confiança, legalidade, proporcionalidade e boa-fé. Ninguém pode garantir a um potencial investidor que a lei que vigora no momento do investimento será sempre a mesma; mas, até recentemente, era possível afirmar que em Portugal a mudança de lei envolvia preocupações sérias de estabilidade, preservação dos negócios jurídicos pretéritos e vacatio legis. Hoje em dia, já não podemos afirmar que estas condições estabilizadoras da sociedade existem com o mesmo vigor.

Bem para além dos efeitos imediatos do afastamento dos investidores individuais de Portugal, vamos assistir a uma preocupação mais transversal do comércio internacional com o comportamento de Portugal. E vamos vê-la manifestar-se nos investimentos internacionais em grandes infra-estruturas. Em projectos plurianuais com capacidade para criarem emprego, revitalizarem o interior do país e colocarem Portugal na linha da frente do desenvolvimento tecnológico.

Pela parte que me toca, e quanto à jurisdição com a qual tenho relações profissionais mais constantes, Macau, noto que teremos este mês uma visita a Portugal do Chefe de Executivo da Região, uma visita com a importância dúplice da relação histórica entre Portugal e Macau e do valor totémico que Macau tem na relação de Portugal com a República Popular da China, um dos maiores – provavelmente o mais relevante – investidor internacional no País. É virtualmente impossível que não nos perguntem se Portugal continua a ser um porto de investimento seguro, e, sinceramente, uma resposta afirmativa nunca foi tão difícil.

Portugal vai ter pela frente um trabalho excepcionalmente difícil de recredibilização como agente responsável num comércio global, capaz de honrar os seus compromissos e não os fazer depender do sentimento popular dominante a cada momento. Vai ser uma tarefa difícil e uma em que partimos com este atraso, desnecessário e auto-infligido.

Contudo, a importância desta tarefa é imensa, para o País, para a sua economia e para o emprego, e irá necessitar dos esforços de todos os agentes económicos – empresários, grandes e pequenos, setor financeiro, advogados, consultoras, etc. Ah, e o Estado… talvez seja melhor não contar muito com ele…

Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

  • José Leitão
  • Sócio da MdME

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