Propriedade intelectual: Do papel à ação vai uma presidência de distância

Na saída desta crise, sobretudo uma que irá contar com um envelope financeiro muito significativo que se espera possa ser lançado durante a PPUE, o salto tecnológico no espaço europeu será inevitável.

Não houvesse um histórico de indiferença governativa no nosso país no que se refere à Propriedade Intelectual, e a leitura do programa da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia (PPUE) deixaria os profissionais que trabalham nestas áreas satisfeitos e entusiasmados. Vejamos o que se encontra previsto: “Daremos visibilidade às vantagens da proteção dos direitos de propriedade industrial e promoveremos o Sistema de Propriedade Industrial. Neste contexto, promoveremos soluções inovadoras, especialmente na área das tecnologias verdes e da inteligência artificial, assim como o combate à contrafação. Neste domínio, organizaremos, em fevereiro, em Lisboa, uma Conferência de Alto Nível sobre a propriedade Intelectual e a Transição Digital”.

Acontece que, da leitura à realidade, há um legado de indiferença a considerar. E esse legado o que nos diz é que, em Portugal, o poder político e os decisores públicos, não se interessam pela Propriedade Intelectual. Não compreendendo, como outros Estados europeus, o enorme valor acrescentado que esta gera em economias de mercado, competitivas e abertas, a proteção de marcas, patentes ou design, por exemplo, não é uma matéria que o Estado valorize devidamente. Com efeito, o track record do Estado e do Governo na promoção da importância da proteção da Propriedade Intelectual por parte das empresas deixa muito a desejar.

Se – por uma hipótese num milhão – a PPUE conseguisse materializar a vontade de sensibilização para a importância da proteção de direitos de Propriedade Intelectual, já teria dado um grande contributo, nomeadamente olhando à realidade nacional.

Com competências repartidas, em Portugal, entre os Ministérios da Economia e da Justiça, a Propriedade Industrial acaba por estar em terra de ninguém. Se está à vista de todos que não faz parte da lista de prioridades do Ministério da Economia, no seu diálogo e políticas públicas de apoio às empresas, também é por demais evidente que, ao longo dos anos, tem faltado à tutela da Justiça a sensibilidade para um direito marcadamente de cariz económico e que representa, em inúmeros casos, o principal ativo de uma empresa.

Esta manifesta ausência de diálogo entre os utilizadores (tecido empresarial) e a tutela, tem levado a uma significativa dificuldade de promoção da importância de proteção da Propriedade Intelectual.

Na (esperemos que em breve) saída desta crise, sobretudo uma que irá contar com um envelope financeiro muito significativo, que se espera possa ser lançado durante a PPUE, o salto tecnológico no espaço europeu (tal como em Portugal) será inevitável. A história demonstra que assim acontece, no rescaldo de grandes crises e depressões (a rapidez com que surgiu uma vacina e a acelerada digitalização da economia são provas disso mesmo). Contudo, se não existir a visão e as políticas públicas adequadas à criação de uma verdadeira cultura de proteção da Propriedade Intelectual, muito do que for criado e inventado poderá ter pouco ou nenhum valor. É que inovar e não proteger é um custo, mas inovar com proteção é um investimento.

Mas não basta encher os discursos políticos com a palavra inovação, para resolver a questão. É preciso ações e políticas concretas (algumas simples) de verdadeira promoção do papel de todos os intervenientes. Das empresas, que terão que cada vez mais compreender o ambiente em que competem e tirar o melhor proveito das oportunidades que se oferecem, mas também saber dignificar e valorizar o papel daqueles que podem assessorar e aconselhar as empresas. E neste último ponto, as políticas públicas nacionais terão ainda muito que evoluir para acompanhar as melhores práticas europeias e internacionais, nomeadamente na valorização e respeito pelo papel daqueles profissionais que, devidamente acreditados, prestam serviços de consultoria e assessoria especializada às empresas nacionais.

No âmbito da promoção do sistema da Propriedade Industrial, deveria igualmente ser feita uma forte aposta na valorização do diálogo entre universidades e empresas, pois seria relevante que tudo o que saísse de inovador fruto das verbas europeias fosse, forçosamente, protegido, através de patentes ou de segredos comerciais. Inovação sem proteção é sinónimo de destruição de valor.

Por último, esperar que se evite a suprema vergonha nacional de ser sob a égide da PPUE que a Patente Europeia de Efeito Unitário e o Tribunal Unificado de Patentes, verão a luz do dia. Depois de, em 2015, Portugal ter cometido o erro crasso de ratificação nacional apressada desses instrumentos, depois de nos últimos anos, e apesar das oportunidades que foram criadas para tal, o atual Governo ter abdicado de defender os interesses nacionais, nomeadamente das PME’s, seria um embaraço nacional, que este sistema que é tão prejudicial para a economia nacional, entrasse em vigor neste semestre português.

Nada me daria maior satisfação, sinceramente, do que estar errado, e que a PPUE pudesse funcionar como um despertador capaz de fazer acordar os decisores nacionais para uma matéria que tem estado fora do radar da agenda governativa. É urgente e imperioso que se passe do papel para a prática.

  • Colunista convidado. Advogado, sócio da JEDC – JE Dias Costa e presidente do Grupo Português da Associação Internacional para a Proteção da Propriedade Intelectual

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