Quente ou frio

As previsões económicas do FMI para Portugal não nos dizem tudo sobre o país, especialmente se tivermos em conta os riscos que temos pela frente.

Numa semana em que embandeirámos em arco com o otimismo das novas previsões do FMI, uma entrevista do responsável por pensar as políticas de coesão pós 2027 que nos devia ter trazido à realidade passou despercebida. Uma voz exterior a afirmar o que muitos, por cá, já fizeram. Portugal, e em particular a AM de Lisboa, está preso numa “armadilha de desenvolvimento”; os fundos de coesão foram mal aplicados; existe probabilidade zero de virmos a ser um Silicon Valley; não existem em Portugal “campeões desconhecidos”, ou seja, empresas que tenham condições de ser líderes internacionais; e a descentralização regional poderá ajudar, mas muito mais provavelmente tornará tudo pior.

Diário da semana de 8 de maio de 2013

  • 05/08: O teto

Os EUA têm imensas coisas dignas de admiração, mas também muitas bizarrias. Refiro-me, em concreto, ao processo orçamental. Julgo que poucos, fora os cognoscenti nos States o entendem. Eu tenho que agradecer aos op-ed de Paul Krugman no NYT alguma iluminação sobre o tema. Em virtude de uma obscura e antiga resolução (julgo que de 1917), é como se o orçamento federal fosse votado duas vezes: na primeira, o congresso vota a receita fiscal e a despesa submetidas pelo presidente. muitas vezes depois de uma longa reconciliação; na segunda, o mesmo congresso vota a autorização ao tesouro para financiar o défice que resultou da lei do orçamento. É nesta segunda fase que, como tantas vezes no passado, as coisas estão empancadas pois os republicanos recusam-se a aumentar o limite da dívida.

Assim, o executivo é obrigado a pagar a fornecedores, empregados ou a credores, mas o tesouro não pode pedir emprestado para o fazer. Este bloqueio gera incerteza em todo o mundo e é penoso para muitos americanos. Problemas bizarros requerem soluções bizarras e duas têm sido avançadas: cunhagem de uma moeda de platina no valor do financiamento necessário e que seria comprada pelo FED a crédito das contas federais; ou amortização de dívida através da emissão de obrigações com uma taxa de cupão a prémio (digamos 10%) mas com um valor facial total igual à dívida a amortizar. Estranho!

  • 05/09: Coesos

André Rodriguez-Pose, que chefia a comissão encarregada de repensar o futuro da política de coesão da UE, deu uma interessante entrevista ao Público de ontem onde aborda um tema que já aqui me ocupou: a armadilha do rendimento médio. O diagnóstico é devastador. Primeiro, a AM de Lisboa está mais atolada na armadilha do que o resto do país. Segundo, Portugal colocou todo o ênfase nas infraestruturas ignorando outros aspetos essenciais ao cocktail do desenvolvimento. Terceiro, não adianta alimentar o sonho de ser o Silicon Valley da Europa. Quarto, Portugal não tem “campeões desconhecidos” em qualquer setor, ou seja, empresas que tenham condições de ser líderes internacionais. Quinto, a descentralização não é, em si, uma panaceia e, mal feita, pode piorar as coisas; pode falhar, sobretudo, por falta de preparação humana e institucional dos governos subnacionais ou pela autonomia que lhes for concedida ser excessivamente limitada.

  • 05/10: Vigilância

Na semana passada o PR anunciou que passaria a exercer uma vigilância mais apertada sobre o executivo. Na altura escrevi que não sabia bem como o faria. Esta semana fiquei esclarecido. O presidente promulgou o novo regime de recrutamento e gestão dos professores, mas, numa nota explicativa, informou que não concordava com aspetos do diploma. Se isto vai passar a ser regra, trata-se de uma péssima ideia. Viola o espírito da separação de poderes e será um fator de instabilidade.

  • 04/11: Escolher campos

A “fascista” Meloni quer abandonar a iniciativa Belt & Road (BRI) a que o seu democrático antecessor Conte tinha aderido em 2019, fazendo da Itália o único país do G7 a fazê-lo. Deste modo, a Georgia Meloni escolheu o campo onde que que a Itália se posicione nas turbulências que se avizinham: ao lado da EU, dos EUA e das democracias do ocidente global. Aparentemente será complicado sair da BRI e terá alguns custos económicos, (embora limitados pois o comércio com a China pesa pouco nas exportações e o IDE chinês em Itália é pouco significativo). Mas o simbolismo é grande e uma boa notícia de unidade nas vésperas da cimeira dos G7 no Japão.

  • 04/12: Qualidade de serviço

Um processo de habilitação de herdeiros levou-me aos balcões de dois bancos para obter uma declaração das disponibilidades/responsabilidades de um parente falecido. Num deles, o Bakinter, o processo foi muito simples, eficiente e gratuito tendo recebido a declaração no próprio dia. No outro, o Novo Banco, tudo foi diferente. Começou por ser necessário proceder a um agendamento prévio, “como nas repartições de finanças”, informaram-me. No dia designado dirigi-me ao balcão para constatar que não havia registo de qualquer agendamento; ainda assim, simpaticamente, dispuseram-se a tratar do assunto. Esperei, pois, sentado naquilo que me pareceu uma mesa de cozinha. Entregues os documentos de identificação requeridos, fui informado que o serviço custaria €80 (!) a debitar na conta ou pagos à cabeça – paguei. Na minha ingenuidade perguntei se passariam a declaração na hora; que não: o pedido teria de ir para os serviços centrais e levaria 20 dias úteis, mas, se tivesse pressa, por €150 emitiriam a declaração em apenas 5 dias. Sei que os bancos têm, desde a crise financeira, um problema de rentabilidade. Mas será que extorquir os clientes é solução?

  • 04/13: No bolso

Duas notícias aparentemente contraditória sobre o estado da conjuntura económica nacional: o FMI reviu em alta (de 1% para 2,6%). as projeções de crescimento do PIB em 2023 (seguido, dias mais tarde, pela comissão europeia); o INE anunciou a subida da taxa de desemprego no 1º trimestre do ano para 7,2% – 70 pontos acima do valor do último trimestre de 2022 e 130 pontos acima do valor homólogo.

Estes dados não são obviamente contraditórios pois o desemprego é aquilo a que se chama um indicador atrasado – as subidas do produto só se refletem na taxa de desemprego passados alguns trimestres (2 ou 3). O aumento de agora provavelmente reflete a desaceleração do PIB que se vem sentindo desde o início de 2022. Mas este desfasamento pode explicar o porquê de os bons resultados macro ainda “não se sentirem no bolso dos portugueses”, (parafraseando o líder da oposição).

  • 04/14: “Fascismo” antitabágico

O governo aprovou uma nova alteração à lei do tabaco. A proposta equipara o vape ao tabaco, restringe drasticamente os pontos de venda e estende a proibição de consumo a alguns locais ao ar livre. Numa sociedade liberal, as proibições ao comportamento individual devem ser sempre sopesadas com os benefícios resultantes para terceiros. O ónus da prova deve estar nestes e não naquelas. Ou seja, deve demonstrar-se (ou, pelo menos, tentar articular uma retórica demonstrativa) quais os benefícios que decorrem para os outros das restrições adicionais. O governo não se deu ao trabalho de o fazer. Estou seguro que a tal será obrigado no parlamento.

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