Reprogramar o Portugal 2020 é lançar o Portugal 2030

  • Miguel Botelho Barbosa
  • 28 Fevereiro 2018

A importância da reprogramação do Portugal 2020 ultrapassa largamente as baias do exercício de contabilidade que lhe subjaz. A reprogramação representa, na prática, o “warm-up” para o Portugal 2030.

O Portugal 2020 é a designação pela qual comummente nos referimos ao Acordo de Parceria firmado entre Portugal e a Comissão Europeia (CE), no âmbito do qual Portugal irá receber cerca de 25 mil milhões de euros.

As prioridades definidas neste acordo resultaram de um processo de inusitada transparência, precedido de uma abrangente e participada dinâmica de auscultação a diferentes atores. Desse processo resultou a Estratégia de Investigação e Inovação (I&I) para uma Especialização Inteligente (ENEI), documento orientador dos investimentos do Portugal 2020 (alinhamento obrigatório no caso dos investimentos em I&I, e prioritário nos restantes casos).

Assumindo que o essencial do investimento em infraestruturas estava realizado – reconhecendo, aliás, a menor utilidade deste tipo de investimentos na transformação estrutural do perfil de competitividade da nossa economia – e admitindo que, apesar dos progressos verificados, Portugal apresenta ainda um nível de resultados dos processos de inovação bastante inferior à maioria dos congéneres europeus, o Portugal 2020 foi construído em torno do princípio no bricks, just brains.

Foi unânime a conclusão de que, no domínio da competitividade e internacionalização, deve ser dada prioridade ao “…reforço da articulação entre o Sistema Cientifico e Tecnológico Nacional (SCTN) e o tecido empresarial…”, e que “…os investimentos em Investigação e Inovação (I&I), deverão ter como linhas orientadoras…o reforço da articulação entre os atores do sistema nacional de inovação” (excertos da RCM 33/2013, da ENEI e do Acordo de Parceria).

Traçado o diagnóstico, importava que as políticas públicas concorressem para resolver as “dores” do sistema, e que o fizessem não só ao nível do seu modelo de governo e enquadramento institucional, mas também ao nível dos instrumentos de politica, desenhando apoios que permitissem sofisticar e qualificar a I&I em colaboração entre empresas e entidades científicas.

Ao nível do enquadramento institucional, a dimensão da prioridade justificou que, no âmbito da negociação do referido Acordo, a CE exigisse a Portugal a identificação de uma organização que atuasse diretamente sobre esta prioridade. Surge assim a Agência Nacional de Inovação – ANI – com a principal atribuição de promoção da valorização do conhecimento e um papel muito claro de facilitador da inovação e da I&D das empresas portuguesas – sobretudo quando em colaboração com entidades do sistema científico a nível nacional e internacional – e ao empreendedorismo de base cientifica e tecnológica.

Já ao nível dos instrumentos, é precisamente ao nível dos apoios à capacidade de as empresas inovarem de forma aberta e colaborativa que o Portugal 2020 introduz inovação relativamente ao QREN (o acordo de parceria que vigorou anteriormente PT2020), denotando uma preocupação maior com a qualificação e amplificação do fenómeno, através da melhoria significativa da cobertura da cadeia de valor de transferência e comercialização do conhecimento, desde a investigação fundamental e aplicada, até à valorização de resultados, passando pela cooperação internacional. Nas restantes medidas dificilmente se encontra ajuste ou novidade de monta, infelizmente.

A programação inicial previa que cerca de um terço dos mais de 6 mil milhões euros que o Portugal 2020 dedica à Competitividade e Internacionalização, fossem dedicados a este desígnio, e os indicadores de que dispomos dizem-nos que as empresas estão a aproveitar a oportunidade apontando para um considerável prémio, com o número de candidaturas apresentadas a aumentar 85% e o investimento aprovado a subir (relativamente ao QREN), na mesma ordem de grandeza.

Mas não podemos esquecer que há ainda um grande caminho a percorrer. Seja na capacidade de sofisticar ainda mais a oferta, integrando diferentes instrumentos e fundos no âmbito de um mesmo projeto, seja na capacidade clarificar o intrincado enquadramento institucional que “leva a mercado” os diferentes instrumentos e que mantém uma segmentação tantas vezes desprovida de um racional claro e impercetível para a maioria das empresas (o Sistema de Incentivos ao I&D empresarial é, a este propósito, exemplo flagrante), seja finalmente na patriótica tarefa de “descomplicação do sistema” e de o resgatar ao exército de burocratas que, respaldados na “costas largas” de Bruxelas, resistem a inovar e simplificar um sistema que se mantém, no essencial, esdrúxulo, destruidor de valor e pouco amigo do investimento. Esses seriam, efetivamente, grandes passos em frente para Portugal.

Não obstante os níveis de execução do Portugal 2020 estarem abaixo do registado em período homólogo do QREN, a verdade é que, no que toca às empresas, grande parte do envelope financeiro está já comprometido. Importa por isso assegurar que, para além do que está ainda por fazer, esta prioridade merecerá um reforço orçamental significativo.

O tema da reprogramação do Portugal 2020 não é novo. Desde a posse do Governo de Costa que, de forma mais ou menos recorrente, tem estado em cima da mesa. Diz-nos a experiência que o mid-term review e a reprogramação, mais do que um exercício de contabilidade, ou afinação da máquina representam, na prática, o warm-up do quadro subsequente. A reprogramação é, portanto, o momento de ensaio das prioridades e grandes linhas do Portugal 2030.

Este é assim um tema muitíssimo delicado e do qual depende, no horizonte de uma década, a trajetória económica e financeira do país. Não pode ser tratado na sombria oficina da geringonça, nem ser jogado no tabuleiro da promessa eleitoral. E não pode, sobretudo, ser objeto de consensos opacos.

As noticias que, de forma mais ou menos cuidada, têm surgido a propósito da sua reprogramação, sobretudo no que toca ao aparente regresso da vertigem pela obra pública, ou ao perverso transvase de verbas – mais ou menos encapotado – de regiões mais deprimidas para regiões de convergência, levam a que nos questionemos sobre a manutenção destes desígnios e destas prioridades. Desta vez o Diabo vai estar mesmo nos detalhes. E, ou o Governo arrepia caminho, por um lado, e o PSD resiste à conversa dos bons malandros, por outro, ou não tardará muito para termos o caldo entornado.

  • Miguel Botelho Barbosa

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