Risco, Poupança e Longevidade: Inovação e Supervisão no Setor Segurador

  • Helena Chaves Anjos
  • 12:27

Helena Chaves Anjos analisa a estratégia europeia de investir poupanças improdutivas e destaca a necessidade de serem criados produtos seguradores mais atrativos para os aforradores.

A proposta de criação de uma União da Poupança e do Investimento (Savings and Investments Union, SIU), apresentada pela Comissária Europeia Maria Luís Albuquerque, ganhou centralidade no debate sobre o futuro dos mercados de capitais. Esta visão esteve em destaque na Conferência Anual da CMVM (maio de 2025), sob o lema “Uma nova ambição para os mercados de capitais”. O objetivo passa por criar incentivos fiscais e regulatórios que canalizem parte das poupanças estagnadas — estimadas em cerca de 11 mil milhões de euros na UE — para investimentos de longo prazo nos mercados de capitais. Neste enquadramento, foi anunciado o relançamento do PEPP (Pan-European Pension Product), produto de poupança para a reforma, com a abertura a uma revisão das barreiras que condicionaram a sua adesão inicial.

O setor segurador assume um papel central na concretização da União da Poupança e do Investimento, ao oferecer soluções de longo prazo que permitam transformar poupanças inativas em investimento produtivo. A ambição de desenvolver produtos e fundos pan-europeus exige consistência regulatória, transparência e instrumentos adequados à mobilização da poupança individual. A criação de uma conta poupança europeia e um passaporte europeu para fundos de pensões, associada à revisão de barreiras existentes, poderá impulsionar esta agenda. A resposta regulatória requer, assim, um setor financeiro dinâmico, com inovação sustentada de produtos, governação robusta e supervisão eficaz.

Neste contexto a EIOPA sublinha a importância estratégica do setor segurador na mobilização da poupança para o investimento europeu, no âmbito da criação de uma Savings and Investments Union (SIU). Este desígnio requer produtos mais simples, robustos e comparáveis, que reforcem a confiança dos cidadãos e contribuam para o crescimento sustentável, num enquadramento de longo prazo alinhado com os objetivos da União dos Mercados de Capitais. Mais recentemente, a Associação Portuguesa de Seguradores (APS), reiterou que o seguro desempenha papel essencial na mobilização de poupanças para financiar a economia, e a Insurance Europe propôs agilizar a Retail Investment Strategy e rever o PEPP para simplificar barreiras à sua expansão.

Transparência da Poupança Reforma: Iniciativa da Supervisão

Ao nível da supervisão nacional, em inícios de maio, importa referir que a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) lançou uma plataforma online de comparação que agrega todos os Planos de Poupança Reforma (PPR) disponíveis em Portugal. A ferramenta permite comparar lado a lado os custos de subscrição, transferência, reembolso, rentabilidade histórica e índices de risco de cada plano. Ao facilitar o acesso transparente a esses dados, a iniciativa melhora a literacia financeira e estimula a concorrência, tornando a oferta de produtos de reforma mais competitiva.

Os Planos de Poupança Reforma (PPR), atualmente, disponíveis em Portugal estruturam-se em três formas jurídicas principais. A primeira corresponde aos seguros de vida não ligados a fundos, que oferecem capital garantido e, em muitos casos, com uma taxa de rentabilidade mínima e participação nos benefícios. A segunda forma diz respeito aos seguros de vida ligados a fundos de investimento (unit linked), normalmente sem garantias de capital nem de rendimento, refletindo uma maior exposição ao risco de mercado. Por fim, os fundos de pensões abertos, de adesão individual, funcionam com regras próprias de investimento, gestão e risco, permitindo maior autonomia e exigências específicas de acompanhamento.

  • A dispersão do mercado de PPR é muito elevada — existem mais de mil produtos disponíveis —, o que dificulta a comparação direta. A nova plataforma procura colmatar esta lacuna, harmonizando a análise de condições gerais e características específicas, como comissões e rendibilidades. Foram introduzidos critérios uniformes para comissões de subscrição, custos de transferência e penalizações por resgate. Num exemplo ilustrativo, numa das seguradoras líderes, as taxas de gestão variam entre 1,41% e 2,07%, valores que corroem significativamente o rendimento real face à inflação. As rendibilidades, por sua vez, foram modestas: entre 1,87% e 2,67% num ano; e nulas ou negativas a cinco anos. No total, apenas cerca de 15% dos PPR analisados superaram a inflação acumulada nesse período, sinalizando perda de poder de compra na maioria dos casos;
  • Em termos de perfil do investidor, muitos mantêm PPR sobretudo pelos benefícios fiscais (dedução em sede de IRS) e não pelo retorno financeiro. Este comportamento, agravado por baixos níveis de literacia financeira, fragiliza as decisões de poupança a longo prazo. Neste contexto, é urgente promover produtos com objetivos claros, políticas de investimento transparentes e custos controlados. As seguradoras e entidades gestoras enfrentam assim uma exigência crescente de demonstrar desempenho real ajustado ao risco, com maior rigor na gestão e maior transparência nos resultados;
  • De forma geral, a plataforma permite uniformizar critérios de comparação, melhorar a transparência de custos e rendimentos e apoiar decisões mais informadas dos consumidores. Contudo, a qualidade efetiva da oferta permanece uma fragilidade estrutural.

A conjugação entre diversidade de produtos, redução de custos, adequação ao perfil de risco e informação clara e acessível é fundamental para inverter o atual panorama da poupança-reforma em Portugal. Neste contexto, não será surpreendente que alternativas como os Certificados de Aforro, com rendibilidades estáveis acima da inflação, isenção de comissões e elevada procura, ganhem destaque entre os investidores. Neste sentido o comparador evidencia uma clara discrepância entre estes instrumentos financeiros, reforçando a urgência de inovar e modernizar os produtos de reforma, de modo a oferecer condições mais competitivas e atrativas para os aforradores e investidores portugueses.

Longevidade e Inovação no Setor Segurador

No seminário “Viva a Longevidade com Qualidade” (4 junho 2025), promovido pelo Fórum Insurtech & Fintech de Portugal, reuniram-se especialistas de seguros, saúde, finanças e reforma para debater os desafios do envelhecimento populacional. O programa incluiu temas como co-housing, assistência domiciliária, literacia nas várias dimensões do envelhecimento e inovação em seguros e produtos de reforma, com destaque para três vetores principais:

  • Pressão Demográfica: O envelhecimento acelerado da população europeia pressiona os sistemas de proteção social. Em Portugal, as projeções mostraram redução do rácio de beneficiários por ativo e queda progressiva da taxa de substituição nas pensões. Tal requer uma revisão estrutural das políticas públicas e do papel do setor privado, promovendo instrumentos híbridos de financiamento (público-privado) e criando incentivos fiscais que estimulem comportamentos de poupança de longo prazo;
  • Assistência Integrada e Literacia: Outro ponto crítico foram os encargos com o crédito à habitação, ainda, na idade da reforma e a insuficiência da literacia financeira, digital e de saúde dos mais velhos. Os participantes defenderam a criação de ecossistemas integrados de assistência multicanal, combinando seguros e serviços personalizados, com cobertura de risco e serviços associados, ampliando programas educativos;
  • Inovação no Seguro de Vida e Saúde: As intervenções das seguradoras, e outros operadores destes segmentos, evidenciaram existirem um vasto conjunto de soluções-piloto (seguros de vida com componentes de reforma, rendas vitalícias, produtos de desacumulação patrimonial), contudo, com penetração no mercado português ainda baixa. O consenso traduziu-se na necessidade de migrar do paradigma customer-centric para life-cycle-centric, oferecendo produtos moduláveis ao longo da vida, complementados por serviços de aconselhamento em momentos-chave, em parceria com outros setores financeiros e plataformas digitais de bem-estar, adaptados a cada fase do ciclo de vida.

O seminário reforçou que a longevidade deve ser encarada como oportunidade integrada entre sistema social e inovação institucional. Salientou-se a urgência de reposicionar as seguradoras como fornecedoras de soluções integradas – seguros combinados com assistência contínua, literacia financeira e planeamento patrimonial. Nesse quadro, a supervisão futura deve incluir auditorias de portefólio centradas nos riscos prudenciais de Vida e Saúde, e adotar um modelo específico para novos riscos da economia da longevidade.

Desafios Estratégicos para o Setor Segurador

No plano estratégico, as atuais iniciativas europeias (lançamento da SIU, relançamento do PEPP, e incentivos fiscais) apontam para um mercado de poupanças e pensões mais integrado. Contudo, a sua implementação prática enfrenta alguns desafios: desde logo a necessária articulação entre regulamentos nacionais e europeus. A longevidade como oportunidade implica desenvolver soluções que coloquem a qualidade de vida no centro da inovação e da resposta institucional. Para tal é essencial criar produtos de poupança que valorizem a experiência do ciclo de vida e o bem-estar do cliente, superando os conceitos básicos e sociais de reforma e as métricas financeiras elementares de riscos e retorno, no âmbito da revisão à luz da teoria comportamental. A regulação e supervisão devem incorporar as evidências científicas da economia da longevidade e riscos demográficos. Em termos práticos, salientam-se quatro eixos de ação:

  • Harmonização Regulamentar: Alinhar os quadros nacionais com as iniciativas europeias (SIU/PEPP), reforçando a supervisão prudencial dos riscos associados à longevidade;
  • Inovação Responsável: Incentivar as seguradoras a desenvolver produtos centrados no ciclo de vida (produtos modulares, com serviços integrados) com manutenção de custos controlado e risco ajustado à rentabilidade;
  • Literacia e Transparência: Intensificar a educação financeira e em saúde para segmentos mais seniores e divulgar as ferramentas comparativas existentes que capacitem escolhas de poupança mais informadas pelos cidadãos;
  • Financiamento e Parcerias: Promover estruturas híbridas de financiamento público-privado e criar incentivos fiscais específicos para poupança-reforma, assim como parcerias público-privadas em habitação e cuidados de longo prazo.

A conjugação destas medidas de inovação dos produtos, regulação dos mercados, e supervisão dos riscos do setor segurador, é essencial para transformar as ambições políticas em estratégias exequíveis de negócio permitindo a todos, reguladores, supervisores e investidores, ambicionar e alcançar os objetivos propostos com resultados concretos. Permitindo assegurar que as poupanças dos cidadãos alcancem uma economia de escala real de forma eficiente, promovendo a rentabilidade e qualidade ao longo do ciclo de vida dos cidadãos, reforçando a atratividade nacional do setor e a competitividade europeia, num momento de profundas transformações estruturais da sociedade.
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Nota: As opiniões expressas baseiam-se em informações públicas e institucionais, disponíveis e documentadas, não vinculando nenhuma das entidades referidas.

  • Helena Chaves Anjos
  • Economista e Mestre em Finanças. Especialista em gestão de risco nos seguros

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