Seguro de Crédito e Covid-19: Como Preparar o Futuro?

  • Acácio Ferreira
  • 19 Maio 2020

Acácio Ferreira, Diretor de Credit and Surety Insurance da Willis Towers Watson Portugal, explica a urgência de reforçar capacidades dos seguros de crédito para dar um futuro às empresas portuguesas.

Vivemos hoje uma situação sem precedentes com um forte impacto na saúde de milhões de pessoas e simultaneamente na economia Mundial. Sendo, nesta fase, a prioridade das organizações a proteção da vida de todos os colaboradores, clientes e parceiros, é importante atuar no sentido de permitir a continuidade das empresas durante este período e prepará-la para a retoma.

Em termos económicos somos confrontados todos os dias com informações que revelam que estamos a viver uma crise com impactos potencialmente superiores aos registados durante a crise 2008/11. A recessão global parece inevitável (veja-se a mais recente previsão do FMI), face à magnitude desta crise que não encontra comparação histórica com nenhuma outra.

A dimensão do impacto mundial em termos económicos é ampliada pela abrangência da mesma. Raras terão sido as situações em que uma crise afetou da mesma forma simultaneamente todo o Globo e que incidiu num número tão vasto de setores de atividade.

Normalmente, numa recessão são restringidas as compras de artigos não essenciais, como, por exemplo, carros, eletrodomésticos…, reduzindo o consumo de outros e aumentando o consumo de bens seguros. Neste momento, assistimos à eliminação de despesas que se reduzem em momentos de crise mas que não passavam a zero; nunca até hoje se verificaram tão fortes reduções de viagens, quer em turismo, quer em trabalho, assim como na restauração, hotelaria e outros serviços. Um exemplo significativo é que num momento em que os cuidados de saúde são uma das preocupações primordiais para ultrapassar esta pandemia, os restantes serviços de saúde (urgências não relacionadas com o Covid-19, os dentistas, os otorrinos,…) registam uma quebra significativa de procura.

Ao contrário da crise de 2008/2011 em que se verificou uma intensidade muito diferenciada entre as diversas partes do Globo, com países a terem uma evolução positiva enquanto outros sentiam com maior ou menor gravidade a recessão, a crise provocada pelo Covid-19 é global. O grau de globalização atualmente registado ampliou os impactos ao nível da disseminação da pandemia e das dificuldades das cadeias de fornecimento.

Esta crise tem particular impacto em termos da continuidade dos circuitos comerciais. E se numa primeira fase a grande preocupação foi a manutenção das cadeias de fornecimento, em consequência da grande dependência internacional de matérias-primas e componentes, seguiu-se a preocupação com a manutenção do aparelho produtivo nacional a trabalhar, resultante das medidas de emergência e dos lay-offs das empresas.

Nunca até a esta crise, as empresas registaram de uma forma tão generalizada preocupações com:

  • Anulação de encomendas (já em execução ou futuras);
  • Impossibilidade de efetuar entregas;
  • Dilatações dos prazos de pagamento.

Tudo motivado pelo encerramento de inúmeras empresas em todo o Mundo.

Nesta fase, a preocupação com o cumprimento das responsabilidades por parte dos clientes é alvo de cada vez maior atenção por parte de todas as empresas. Existe a consciência do grande aumento do nível de risco de incumprimento motivado pela retração da atividade económica a nível global. Registe-se que todas as Seguradoras de Crédito esperam um forte crescimento do número de insolvências mundiais. Num recente estudo, a Coface indica que a previsão de 2% para o nível de falências a nível mundial, que efetuou no início do ano, passou em março para 25%.

É neste contexto que o Seguro de Crédito é ainda mais relevante como instrumento de gestão e de proteção do Activo das empresas, na salvaguarda de incobráveis, na colaboração à cobrança dos saldos de clientes e na informação que transmite à gestão de crédito da carteira de atuais e potenciais clientes.

Assiste-se neste momento a uma forte revisão dos ratings das empresas em praticamente todos os setores de atividade e países de destino das exportações portuguesas, com as seguradoras a cancelar ou a reduzir significativamente os limites de crédito disponíveis

O mercado de Seguro de Crédito continua a operar normalmente, mas com um grande nível de volatilidade e de rápida adaptação à evolução da crise. As Seguradoras têm estado a desenvolver todos os esforços no sentido de continuar a acompanhar os seus segurados como sempre o efetuaram ao longo da história e a manifestar grande preocupação em responder normalmente às solicitações que surjam.

Contudo, assiste-se neste momento a uma forte revisão dos ratings das empresas em praticamente todos os setores de atividade e países de destino das exportações portuguesas, com as seguradoras a cancelar ou a reduzir significativamente os limites de crédito disponíveis. Verificamos situações em que a análise é casuística, mas também, devido à natureza desordenada desta crise, algumas seguradoras estão a alterar os algoritmos dos seus modelos internos de avaliação de riscos, reduzindo o rating das empresas. Essa redução no crédito pode ir até ao cancelamento total em muitos casos.

Hoje testemunhamos uma grande retração de atividade e consequente agravamento de risco em muitos setores, o que está a levar a uma acentuada redução da exposição de risco que as seguradoras estão disponíveis para garantir. Em setores como o turismo, os transportes, os combustíveis, o automóvel, o têxtil e calçado e o retalho que não o alimentar…, assiste-se a um significativo corte dos limites de crédito disponibilizados pelas seguradoras de crédito.

Esta retração de limites de crédito sobre clientes será ainda agravada, pelo mais do que inevitável aumento das comunicações de atrasos de pagamentos, decorrente da menor atividade e encerramento das empresas o que, consequentemente, motivará novas reduções de plafonds por parte das Seguradoras.

Em simultâneo, observa-se que as seguradoras de crédito estão a agravar significativamente as condições económicas oferecidas quer na renovação, quer na emissão de novos programas de Seguro.

Sendo o cenário atual bastante negativo e sabendo-se que os efeitos desta crise sobre as empresas ainda perdurarão durante um período muito alargado e que o mercado de seguro de crédito terá tendência a manter uma posição bastante cautelosa muito para além da situação sanitária estar ultrapassada, quer devido à sinistralidade que, entretanto, ocorrerá, quer porque os elementos económico-financeiros das empresas referentes a 2020, um dos dados fundamentais utilizados na análise de risco pelas Seguradoras de Crédito, estarão negativamente influenciados pelos condicionalismos existentes.

É necessário que os líderes das empresas atuem com o objetivo de salvaguardar as vidas das pessoas (colaboradores, clientes, parceiros,…) mas também de salvaguardar os meios de sobrevivência e preparar as empresas para reiniciar o trabalho, aproveitando a retoma.

É reconhecido que os Estados e os Bancos Centrais têm sido rápidos a reagir no sentido de minimizar os impactos da crise, pelo que existem expectativas de que possa ocorrer uma recuperação rápida motivada pelos estímulos orçamentais e monetários introduzidos na economia, desde que as medidas implementadas a nível sanitário tenham o sucesso na rápida contenção da pandemia.

As empresas terão que estar preparadas para lidar com os enormes desafios que se deparam, sendo que o seguro de crédito é um instrumento de grande importância no desenvolvimento da sua atividade.

À espera do Governo para reforço dos seguros de crédito

A este nível, a União Europeia deu o seu apoio para que os Estados, por sua vez, apoiem as seguradoras de crédito na sua atividade por forma a minimizar o impacto em termos de capacidade de assunção de risco, potenciando a concessão de limites de crédito que permitam às empresas regressarem à sua atividade comercial normal.

O Estado português conjuntamente com as Seguradoras de Crédito que atuam no nosso mercado, estão já a preparar um programa nesse sentido, à semelhança do que já foi implementado pela Bélgica, França, Alemanha, Dinamarca, Holanda, UK e anunciado em Espanha. Este instrumento, em complemento da oferta de seguro de crédito, constituirá uma peça fundamental para as empresas voltarem a transacionar no mercado interno e externo com confiança e segurança, com possibilidade de uma partilha de risco aceitável.

Contudo, o atraso na implementação deste programa está a penalizar fortemente as empresas portuguesas face às suas concorrentes noutros países que beneficiam já destes apoios e está a limitar a capacidade de recuperação no mercado interno.

É importante que as associações empresariais mantenham a sua pressão junto do Governo no sentido de rapidamente ser operacionalizado este apoio.

Não obstante as dificuldades que o seguro de crédito irá defrontar nos próximos tempos ao nível da capacidade de assumir risco e da menor competitividade em termos económicas da oferta, é um instrumento importante que as empresas deverão considerar para aproveitarem as oportunidades que a retoma promoverá, quer pela retoma da atividade dos setores tradicionais, quer no aparecimento de setores que registaram uma forte expansão com as alterações provocadas por esta pandemia.

É fundamental que, neste tempo de grandes incertezas, as empresas consigam obter informações sobre a capacidade dos clientes de respeitarem as suas responsabilidades

É fundamental que, neste tempo de grandes incertezas, as empresas consigam obter informações sobre a capacidade dos clientes de respeitarem as suas responsabilidades. Esta necessidade é tão evidente na tomada de decisões para a concessão de crédito a potenciais novos clientes, como na obtenção de avisos sobre o agravamento da situação financeira dos clientes atuais.

Conforme referimos, o Seguro de Crédito é uma ferramenta imprescindível na disponibilização de informação para o desenvolvimento das empresas nos tempos altamente dinâmicos e incertos que vivemos.

O Seguro de Crédito permite que as empresas abracem os novos desafios com um maior grau de Confiança / Certeza:

  • Nas suas políticas de Gestão de Crédito (quer com os atuais clientes, quer na procura de novos);
  • Na proteção do seu Ativo, evitando incobráveis ou obtendo recuperações através das indemnizações nos casos que se revelarem perdidos.

Neste período conturbado e de grande volatilidade, ponderar não ter Seguro de Crédito é contraproducente, uma vez que este dota maior capacidade de resposta para a manutenção da sua atividade comercial minimizando o risco.

O Covid-19 é com certeza o maior desafio com que muitos dos atuais líderes das empresas irão ser confrontados na sua vida, até pelo grande grau de imprevisibilidade, com as evoluções diárias que esta crise revela, mas para o qual se espera capacidade de atuação por parte da liderança das organizações no sentido de ultrapassar de uma forma calma este período de forte ansiedade e enfrentar a retoma de forma sustentada.

  • Acácio Ferreira
  • Director, Credit and Surety Insurance, Willis Towers Watson Portugal

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