Seguro de saúde: desafios e oportunidades

  • Patrícia Assunção Soares e Nuno Sobreira
  • 16 Janeiro 2024

Os advogados Patrícia Assunção Soares e Nuno Sobreira, vão mais à frente e analisam as consequências do sucesso dos seguros de saúde.

Um dos setores de atividade que recentemente tem suscitado mais controvérsia tem sido o setor da saúde: especialmente fragilizado – fruto do impacto causado pela pandemia -, e pressionado pelos hábitos de saúde da população, pelo aumento da esperança média de vida, pela dificuldade de captação e manutenção de profissionais de saúde no país e, em geral, por uma perceção de desgaste geral do Sistema Nacional de Saúde. Tudo isto tem conduzido muitos portugueses a colocarem a questão da saúde no topo das suas prioridades.

A pressão mediática em torno da saúde e, em especial, a noção de precariedade do acesso a cuidados de saúde no setor público (a falta de médico de família para toda a população e de consultas médicas e cirurgias em tempo útil, o encerramento de serviços de urgência e os elevados tempos de espera, entre outros) têm contribuído para uma maior procura por seguros de saúde que tornem mais fácil à população o recurso a prestadores de cuidados de saúde do setor privado.

De facto, a consciencialização da relevância dos cuidados de saúde e bem-estar, o progressivo aumento da população mais envelhecida e a importância de assegurar uma vida saudável em todas as idades eram já fatores que justificavam a adoção paulatina de comportamentos preventivos por parte da população na procura de seguros de saúde, numa lógica de acautelar evento futuros, incertos, indesejados e imprevisíveis. Mas, mais recentemente, os números revelam que a procura por seguros de saúde cresceu de forma significativa e a utilização dos mesmos segue a mesma tendência. Ou seja, na ótica do consumidor, a contratação de um seguro de saúde deixou de representar apenas uma medida de cautela e de gestão abstrata de risco para passar a representar um verdadeiro investimento, fruto de uma perceção de elevada probabilidade de recurso ao mesmo num futuro próximo, face aos receios resultantes principalmente das dificuldades vividas pelo serviço público de saúde.

Num contexto em que o SNS enfrenta grandes desafios para dar resposta a todas as necessidades de cuidados de saúde da população portuguesa, parece ser cada vez mais urgente o recurso a soluções complementares ou alternativas. É nesta perspetiva que o recurso aos serviços de saúde privados tem sido cada vez mais frequente, sendo o seguro de saúde o veículo primordial para esta opção da população.

De acordo com as informações disponibilizadas pela Autoridade de Supervisão de Seguros e de Fundos de Pensões (“ASF”), na década de 2012 a 2022 os prémios brutos de seguros de saúde emitidos mais do que duplicaram, tendo ainda o número de pessoas seguras aumentado 66,2%. Em 2022, em seguros de saúde, as empresas de seguros registaram 3,7 milhões de pessoas seguras. A transversalidade das preocupações inerentes em proporcionar soluções adicionais à população em matéria de cuidados de saúde tem sido crescente também no panorama laboral, levando a que os empregadores – numa tentativa de tornar os pacotes remuneratórios mais atrativos – incluam o seguro de saúde como benefício integrante da remuneração dos seus colaboradores.

No entanto, o aumento da procura de prestadores de cuidados de saúde no setor privado (e do acionamento de apólices de saúde) terá três consequências. Primeiro, cria pressão sobre o setor privado para assegurar a capacidade de resposta efetiva ao consumidor, idealmente sem decréscimo dos níveis de serviço (em especial, qualidade e rapidez de resposta). Segundo, gera um aumento generalizado dos custos associados à prestação de cuidados de saúde privados, devido ao crescimento rápido da procura e à necessidade de, ao mesmo ritmo, assegurar um aumento da oferta. Terceiro, no que às seguradoras diz respeito, provoca um crescimento exponencial do número de sinistros em cada apólice de seguro de saúde, com os custos inerentes (custos esses agravados pela inflação), ambos com impacto na rentabilidade do ramo.

É de realçar ainda que o fenómeno da procura elevada junto das entidades de saúde privadas não é desconexo do desempenho dos serviços prestados pelas seguradoras, uma vez que a qualidade dos serviços médicos abrangidos pelas apólices de seguro de saúde poderá ter um impacto direto na perceção que o consumidor tem do próprio seguro de saúde. Com efeito, este aumento da procura faz com que as seguradoras possam ter de redobrar esforços para assegurar uma rede de prestadores ampla e eficaz que garanta uma prestação atempada de serviços médicos de qualidade, procurando evitar, entre outras consequências, um agravamento dos sinistros reportados e um incremento do número de reclamações.

Trata-se, pois, de uma situação algo paradoxal e que pode representar, pelo menos num período imediato um esforço de adaptação de todos os operadores envolvidos.

Neste quadro, e atendendo aos desafios regulatórios e de supervisão que esta realidade encerra, numa lógica de sensibilização, transparência e de acompanhamento dos segurados, em simultâneo com o reforço dos mecanismos de supervisão do mercado de seguros, a ASF tem demonstrado uma preocupação crescente relativamente à matéria da saúde, tendo, recentemente, criado algumas ferramentas para contribuir para o aumento da literacia por parte dos segurados nesta área, nas quais se destacam o “Portal dos Seguros de Saúde”, cujo objetivo é a divulgação aos consumidores de materiais informativos úteis para a tomada de decisões esclarecidas, e o “Observatório dos Seguros de Saúde”, que disponibiliza informação relevante quanto a estes seguros, como caracterização, dimensão, estrutura, entre outros.

Também nesta senda, a ASF deu ainda nota da existência de uma iniciativa para promoção da criação de um seguro de saúde padrão, ou seja, um produto com um conteúdo mínimo, composto por um conjunto de coberturas base, a ser oferecido pelas seguradoras, ao qual podem ser acrescentados módulos propostos pelas mesmas. Esta medida tem como objetivos: (i) promover a acessibilidade por um segmento da população que não tem capacidade de aceder a outros produtos mais completos ou sofisticados e (ii) reforçar a informação ao consumidor de seguros de saúde, promovendo a comparabilidade das ofertas (quanto a preço e a coberturas), procurando facilitar a tomada de decisões mais informadas no que respeita a contratação de seguros.

 

  • Patrícia Assunção Soares
  • Advogada Associada da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados
  • Nuno Sobreira
  • Associado Principal da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados

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