Sem equilíbrio de género no mercado laboral não há sustentabilidade

  • Susana Tavares
  • 25 Janeiro 2024

A discriminação salarial e a não inclusão das mulheres em paridade com os homens em posições de decisão são práticas evidentes de desperdício.

Sem igualdade de género no mercado laboral não teremos uma sociedade sustentável, nem empresas que cumpram com propriedade os critérios ESG, que são a base da sustentabilidade ambiental, social e de governança ética.

O conceito de sustentabilidade envolve a ideia de viabilidade de um sistema ao longo do tempo, numa continuidade dinâmica entre passado, presente e futuro na gestão dos recursos, e implica a existência de um compromisso societal que envolve toda a comunidade.

De igual forma, alcançar o equilíbrio de género exige um tal compromisso: entre os cidadãos, os governos e os diferentes atores das políticas públicas, as empresas e os gestores.

A discriminação salarial e a não inclusão das mulheres em paridade com os homens em posições de decisão são práticas evidentes de desperdício. Desperdício de capital humano. Nesse sentido, as políticas de promoção da igualdade de género no mercado laboral contribuem para a sustentabilidade atual das nossas sociedades, bem como das gerações futuras.

No Índice de Igualdade de Género, Portugal tem vindo progressivamente a aproximar-se da média europeia (PT= 67.4; UE=70.2), sendo a dimensão do trabalho a única em que o nosso país (76.5) se destaca acima da média da UE (73.8). Assim, embora ainda haja muito a fazer, as mulheres e homens portugueses beneficiam de maior igualdade no acesso ao emprego (emprego a tempo inteiro e duração da vida ativa) e no acesso a horários de trabalho flexíveis, do que na média dos países europeus.

Segundo o Eurostat (dados de 2021), a disparidade salarial não ajustada entre mulheres e homens no nosso país (11.9%) é também ela inferior à média da UE (12.7%). Porém, este valor significa que uma mulher a trabalhar a tempo inteiro ganha apenas 88 cêntimos por cada euro que um homem ganha. A desigualdade é real.

De acordo com o Boletim Estatístico, de 2023, da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, apesar de as mulheres terem níveis de educação superiores aos dos homens, ganham menos e têm uma menor probabilidade de estar em posições de decisão e de atingir o topo da carreira profissional, estando sub-representadas em cargos de chefia e nos conselhos de administração das empresas.

E este fosso salarial é assustadoramente transversal. As remunerações médias das mulheres são inferiores às dos homens em todos os níveis de qualificação e de habilitação, em todos os graus de antiguidade e em todos os grandes grupos profissionais.

Ainda assim, esta desigualdade salarial é mais acentuada nas atividades e setores com maior prevalência de mulheres, sendo menor nas atividades e setores onde predominam os homens, o que denota que, em Portugal, a diferenciação salarial é indissociável da segregação sexual do mercado de trabalho.

As mulheres tendem a concentrarem-se em setores de atividade de baixos salários (e.g., setores da educação, saúde e assistência social), comparativamente aos homens (mais predominantes nos setores financeiros ou STEM – ciências, tecnologias, engenharias e matemática -, tendencialmente com salários mais elevados). Importa, por isso, investir, desde cedo, na abordagem dos estereótipos que orientam as escolhas educativas de raparigas e rapazes, promovendo normas sociais e programas de conduzam a um aumento de raparigas em áreas de estudo STEM.

É de notar que o fosso salarial entre mulheres e homens, entre e dentro das empresas, tende a aumentar ao longo da vida profissional. Claudia Goldin, prémio Nobel da Economia 2023, verificou que a desigualdade salarial entre mulheres e homens que exercem a mesma profissão surge após o nascimento do primeiro filho. Para diminuir esse fenómeno de “penalização da maternidade” Portugal tem de continuar o caminho da promoção das políticas públicas que permitam uma melhor conciliação da vida profissional com a vida pessoal, com a possibilidade de utilização, por todos, de regimes de trabalho mais flexíveis (como o teletrabalho ou a semana de trabalho de 4 dias) e a existência de licenças parentais que possibilitem uma partilha mais equitativa das responsabilidades familiares entre mulheres e homens, incentivando os pais a fazerem maior uso destas licenças, a exemplo do que foi feito recentemente no âmbito da Agenda do Trabalho Digno.

Importante será também aumentar a sensibilização de todos – empregados e empregadores – para a existência desta desigualdade no mercado laboral. A fixação de regras de transparência salarial e as exigências de reporte obrigatório são instrumentos que se têm mostrado válidos para a diminuição da disparidade de género.

A construção de uma sociedade equilibrada em termos de género é também vital para a sustentabilidade económica das empresas. A igualdade de género não é apenas uma ideia generosa ou um soundbite Woke, ou “a coisa certa para se fazer”. Há um retorno económico na redução das disparidades de género.

Investigação recente evidencia que níveis mais elevados de inclusão de mulheres numa organização, especialmente em posições de liderança – como CEO, nas equipas de gestão de topo e em conselhos de administração – estão positivamente associadas e têm uma relação causal com um melhor desempenho financeiro e melhor gestão de risco; maior produtividade e maior rentabilidade, nomeadamente no retorno sobre o capital próprio e lucro antes de juros e impostos (EBIDTA); menor rotatividade de funcionários; e mais inovação.

Também o Instituto Europeu para a Igualdade de Género estima que uma UE mais igualitária em termos de género terá maior crescimento económico, mais resiliência económico-financeira, e uma menor desigualdade de rendimentos, o que permitirá um aumento do PIB da UE.

Torna-se cada vez mais evidente que promoção da igualdade de oportunidades, de remuneração, de acesso a posições de decisão e de progressão na carreira profissional entre mulheres e homens é essencial para garantir a viabilidade dos nossos sistemas societais e a sua sustentabilidade, não desperdiçando recursos e potenciando o desenvolvimento económico das empresas. Porque, para além de ser um direito humano, a igualdade de género compensa!

  • Susana Tavares
  • Professora Associada da ISCTE Business School

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