‘Stop and go’ nas adjudicações públicas: Estão os grandes projetos públicos condenados ao congelamento nos tribunais?

  • Sara Castelo Branco
  • 9 Dezembro 2020

A conjuntura atual e os novos juízos especializados dos contratos públicos podem ser o motor para um maior equilíbrio e celeridade nas decisões sobre os efeitos suspensivos dos atos adjudicatórios.

Numa fase em que se equaciona a execução de grandes projetos de infraestruturas e em que uma das discussões na ordem do dia é a da desburocratização da contratação pública com vista à célere execução dos projetos, é mais que oportuno refletir sobre o contencioso pré-contratual e respetivo impacto nos projetos.

A impugnação da adjudicação num procedimento de contratação pública internacional tem por efeito a automática suspensão dos efeitos do ato de adjudicação se a ação for intentada no prazo no prazo de 10 dias. Isto significa que, independentemente da probabilidade de sucesso na impugnação, a Administração fica impedida de dar execução ao contrato.

Embora a lei preveja a possibilidade de levantamento deste efeito suspensivo sempre que, ponderados todos os interesses, o diferimento da execução do ato seja gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências claramente desproporcionadas, a prática tem demonstrado uma aplicação muito restritiva da faculdade de levantamento.

Os tribunais quase sempre têm rejeitado o levantamento do efeito suspensivo, seja porque os danos para o interesse público não são considerados gravíssimos, seja porque as entidades adjudicantes se podem socorrer de outros procedimentos para a satisfação das necessidades imediatas (sendo empurradas para o ajuste direto), seja ainda porque, embora sejam expectáveis prejuízos para o interesse público, os tribunais tendem a considerar que a alegação da Administração raramente está suficientemente fundamentada.

A verdade é que esta prática é indutora de estratégias litigantes, que arriscam levar à paralisação, ou pelo menos a excessiva demora na atividade da administração pública. É, pois, crítico que a prática jurisprudencial sobre a apreciação dos requisitos para o levantamento do efeito suspensivo automático dos atos de adjudicação conheça nova orientação.

Não se ignora que a atribuição do efeito suspensivo automático tem como fim assegurar o efeito útil das decisões judiciais e o direito a uma tutela judicial efetiva, evitando as situações de facto consumado.

Porém, o que temos assistido é uma tendência de supremacia desproporcionada, quase absoluta, desse direito sobre todos os restantes. É hoje muito difícil obter decisões que reconheçam a existência de graves prejuízos para o interesse público, sendo estas reservadas para situações imperiosas e “urgentíssimas”.

Atendendo à importância para o país da realização dos investimentos que se anunciam e à expectável litigância associada aos procedimentos adjudicatórios, será desejável que, na apreciação destes requisitos, os nossos tribunais, dentro dos limites do direito europeu, procedam a uma efetiva ponderação dos interesses envolvidos, analisem a concretização dos prejuízos invocados num juízo de prognose e probabilidade (não exigindo uma prova absoluta do dano), não nos chocando ainda que, caso disponham de elementos suficientes, possam analisar também, perfunctoriamente, da provável viabilidade do sucesso da impugnação (no âmbito da ponderação das consequências).

A conjuntura atual, bem como os novos juízos especializados dos contratos públicos, podem ser o motor para um maior equilíbrio e celeridade nas decisões sobre os efeitos suspensivos dos atos adjudicatórios, que, até à data, já conheceram dois extremos: o do levantamento por mera “resolução fundamentada” da Administração e o da recusa quase sistemática, pela supremacia do direito a uma tutela judicial efetiva.

“Virtus in media stat” (ou como diz a sabedoria popular, nem tanto ao mar nem tanto à terra).

  • Sara Castelo Branco
  • Of Counsel na Miranda & Associados

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