
Sustentabilidade. Quanto vale um número?
Dá trabalho calcular os números de sustentabilidade? Dá pois. Mas compensa. Porque é inevitável apresentá-los para as empresas se manterem no radar dos seus stakeholders.
Segundo o World in Data, cada português emite cerca de 4 toneladas de dióxido de carbono por ano.
Para a maioria das pessoas, este número pode impressionar pela magnitude. Mas pode também significar pouco ou nada se não soubermos interpretar a sua importância.
Mas se eu acrescentar que cada espanhol emite 4,9t, que os russos emitem 12,1t e os norte-americanos 14,9t e os moçambicanos apenas 0,2t já é possível fazer algumas análises.
Este exemplo é um dos principais desafios da sustentabilidade hoje em dia: medir o impacte de cada indivíduo, e também de cada entidade, é útil para termos uma noção aproximada de onde estamos, para onde queremos ir, e a que velocidade vamos.
Em termos simplistas, na sustentabilidade um número é útil para três coisas:
- Autodiagnóstico: para que cada indivíduo ou entidade saiba com alguma precisão o seu impacte no meio envolvente (“Ui, tenho uma grande pegada”)
- Comparabilidade: para avaliar a importância relativa do seu impacte em face dos vizinhos, ou no caso das empresas, dos seus concorrentes (“Ui, a minha pegada é maior que a dele”)
- Desempenho: para avaliar se o impacte evolui ao longo de tempo (“Ui, a minha pegada aumentou desde o ano passado”)
Assumindo os números obtidos sejam fiáveis e representativos do que se pretenda avaliar – e a comunidade científica tem desenvolvido estudos que nos dão segurança sobre a relevância desses dados – tornam-se um poderoso instrumento e incentivo à mudança das empresas.
Saber que uma empresa é mais poluente que a concorrente na mesma região é informação importante e pode ter explicações simples: processos produtivos diferentes, por exemplo. Mas num mundo onde a sustentabilidade é tema central e os números são a bitola, a comparação incentiva as empresas a mudar porque toda a gente – e é mesmo toda a gente – lhes vai pedir contas. Clientes que optam por empresas com menor pegada e melhor reputação, investidores que entendem que as empresas com maior pegada têm maior risco, ou autoridades que pretendem contribuição nos esforços da transição global: todos vão pedir às empresas que melhorem os seus números. Ou seja, que mudem o seu padrão de comportamento. Que produzam com maior eficiência. Que passem a vender produtos menos lesivos. E que o façam no respeito de todos.
Sucede que atualmente muitas empresas, e especialmente as PME, nem sequer têm um número como ponto de partida: não fizeram ainda o autodiagnóstico. Porque nunca lhes foi pedido por clientes ou financiadores, ou porque têm dificuldades em o obter. E talvez tenham receio do trabalho que implica apurar o número, e receio de ficarem mal na fotografia. Quanto a isso, a resposta é simples: um número é melhor que número nenhum. Se não se souber o tamanho da pegada, não se sabe por onde começar e a que velocidade o fazer.
Questão seguinte é saber que números são boas referências, ou seja, saber se a nossa pegada é assim tão grande. O exemplo do World in Data ajuda para países, mas para as empresas é preciso maior granularidade.
É aqui que surge o papel do legislador, definindo a informação que cada empresa deve divulgar sobre temas de sustentabilidade. Com mais e melhor informação, aumenta-se a comparabilidade, fazendo os campeões sobressair e motivando os vice-campeões a tomar o seu lugar.
E para apresentar alguns números como referência, vejamos a famosa Taxonomia Ambiental que elenca as atividades económicas à luz de critérios ambientais. A regulação europeia exige atualmente que as empresas com alguma dimensão apresentem 3 indicadores alinhados com os objetivos da taxonomia: peso no volume de negócios, peso nas despesas de capital (CapEx) e peso das despesas operacionais (OpEx)
Um documento de trabalho da Comissão Europeia refere que várias empresas incluídas no índice Stoxx600 – ou seja, cotadas com dimensão europeia – em maio deste ano, já apresentavam números para estes indicadores. Em média:
- 17% do volume de negócios alinhado com a taxonomia
- 23% do CapEx alinhado com a taxonomia
- 24% do OpEx alinhado com a taxonomia
Por si só, estes números já são ilustrativos de uma coisa: nem todas as atividades de uma empresa são atualmente consideradas sustentáveis. Mas esta constatação também pode ser vista como um ponto de partida, uma oportunidade de melhorar.
Dir-me-ão que os números acima são médias de uma amostra – empresas cotadas – que não representa necessariamente o grosso das PME. Mas de novo, mais vale um número aproximado que número nenhum. E com o passar do tempo, de certeza que aparecerão estudos setoriais que as PME poderão usar como referência. E já existem empresas portuguesas que divulgam estes números. Caso o leitor tenha curiosidade, experimente googlar “relatório de sustentabilidade” da empresa X e talvez encontre um comparador para a sua pegada.
Dá trabalho calcular os números de sustentabilidade? Dá pois. Mas compensa. Porque é inevitável apresentá-los para as empresas se manterem no radar dos seus stakeholders. E porque um número tem uma grande virtude: é objetivo. Pode ser alto, pode ser baixo, mas é claro e transparente. E isso atalha a conversa e induz a confiança nos parceiros das empresas. E nos tempos incertos que correm, a confiança não tem preço.
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