Taxa de Gestão de Resíduos: Fazer lixo não é de borla

  • Pedro Vaz
  • 15 Outubro 2020

Quanto menos resíduos se produzirem e destes mais terão como destino a reciclagem, menos se paga de TGR. O que no fundo é o objetivo principal de taxas como a TGR e como a taxa sobre sacos plásticos.

Com a aprovação pelo Governo da alteração ao valor da Taxa de Gestão de Resíduos (TGR), a qual pressupõe uma duplicação do valor da mesma (de 11 €/t para 22 €/t), têm sido muitas as vozes que se têm levantado contra isso. Primeiro a Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente (AEPSA) em julho passado e, agora, a Associação Nacional de Municípios, Municípios e Sistemas de Gestão de Resíduos a se lhe juntarem.

Tendo já tido a oportunidade de manifestar publicamente, noutros “fora”, opinião favorável a esse aumento, deverá ser, no entanto, discutido com um pouco mais de profundidade a questão.

A TGR é uma taxa que é paga ao Estado em função da quantidade de resíduos que são depositados em aterro, incinerados e valorizados energeticamente. Sendo que a eliminação por aterro paga um valor correspondente a 100% da taxa, se for por incineração paga 75% e a valorização energética 25%. O produto da receita desta taxa é distribuído pela Autoridade Nacional de Resíduos (até 55%), que no nosso ordenamento é desempenhado pela APA, que por sua vez subdivide o produto pelo Fundo Ambiental, pelas entidades licenciadoras das instalações relacionadas pelos resíduos (até 40%), 5% para o IGAMAOT e 5% pelos municípios que são as entidades que têm a responsabilidade pela recolha e encaminhamento dos resíduos para destino final.

Nos termos da lei, as entidades da administração central do Estado têm essas receitas consignadas ao cumprimento das metas ambientais referentes à gestão de resíduos no país.

Isto significa que, quanto menos resíduos se produzirem e destes mais terão como destino a reciclagem, menos se paga de TGR. O que no fundo é o objetivo principal de taxas como a TGR e como a taxa sobre os sacos plásticos – incentivar através da fiscalidade a mudança de comportamentos.

O problema reside no facto de mesmo após ter sido criado a TGR, que já em 2014 tinha um valor médio na União Europeia de 80€/t enquanto em Portugal era de 5€/t (vide Graça Martinho), a sua implementação não levou a grandes alterações de comportamentos, especialmente porque a legislação e, muito particularmente, a atividade regulatória da ERSAR determina que os custos relacionados com a gestão dos resíduos deverá ser internalizado na tarifa praticada, significando isso que acaba por ser o cidadão a assumir o pagamento dessa mesma tarifa através da fatura da água e os municípios apenas funcionam como veículos entre o munícipe e o Estado.

Situação que, para os autarcas, seria sempre confortável na medida em que, se o valor da TGR continuar baixo e o modelo tarifário imposto pela ERSAR não tiver grandes mudanças (o que não se verifica atualmente), o cidadão tem internalizado o valor atual que já tem de pagar em matéria de resíduos e isso faria com que este aumento não tive as repercussões que, aparentemente, têm neste momento.

Importa, pois, perceber as razões e argumentos de quem se opõe, até porque este aumento não apanhou ninguém de surpresa, uma vez que foi anunciado publicamente aquando da aprovação do Orçamento de Estado para 2020 em fevereiro, fruto de uma proposta do PAN e que foi aceite pelo PS e pelo Governo (curiosamente e por lapso a proposta acabou por não constar da versão final do Orçamento aprovado e surge agora).

À medida que se aproxima outubro de 2021 (ano de eleições autárquicas) aquilo que os autarcas não pretendem é ficar com o odioso de aumentar taxas em ano eleitoral, especialmente porque não dependeria da sua vontade esse aumento, mas de uma decorrência do modelo regulatório e tarifário. O que se percebe.

Por outro lado, o aumento anunciado da TGR, é apresentado de forma completamente isolada de uma estratégia planeada para o Setor. O novo Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos encontra-se atrasado. O país andou anos a fazer avultados investimentos em instalações de tratamento mecânico e biológico que se venderam como a panaceia para o problema dos resíduos em aterro, mas que agora não terão qualquer impacto nas novas metas definidas pela União Europeia e com a uniformização das formas de cálculo quanto à reciclagem Portugal não ficará bem na fotografia.

A arquitetura desenhada para a gestão de resíduos no país, os sistemas criados e forma de organização de recolha de resíduos serviu para acabarmos com as lixeiras no país, mas já não serve para as exigências da política de resíduos a empreender e todo o modelo de gestão, incluindo o modelo económico-financeiro, encontra-se sob grande pressão e empurra-se com a barriga na esperança que tudo corra pelo melhor, apesar da inação e aqui as responsabilidades são essencialmente do Governo.

Pelo que, percebe-se bem os autarcas quando afirmam que, tendo em conta a situação presente, a TGR em nada irá alterar os comportamentos, mas apenas aumentar as tarifas que os cidadãos pagam e que tendo em conta os efeitos socioeconómicos da pandemia esta medida piorará a situação do país.

É precisamente neste ponto que divirjo dos críticos do aumento da TGR. Desde logo, porque entendo que a consciencialização dos cidadãos e das empresas quanto ao tipo de produtos que vendem, ao consumo que é feito e à quantidade de resíduos que são produzidos terá de existir algum dia. O caminho atual é o da insustentabilidade ambiental e, da mesma forma que outros impostos verdes são criados, a dimensão da produção de resíduos não pode ser tratada como se não fosse o problema que é.

Por último, e correndo o risco da generalização injusta, os municípios e os seus autarcas não podem fugir da tarefa que lhes compete nesta matéria. Não estarei muito longe da verdade quando afirmo que o problema dos resíduos para quem gere as autarquias é um problema de limpeza, não tendo grandes preocupações com o comportamento da sua população, exceto quando abandonam lixo no meio da rua.

Não se preocupam com a diminuição da produção de resíduos, não se preocupam com a reciclagem que é feita. Desde que o lixo esteja no contentor, já não querem saber do resto. É por isso que se contam pelos dedos das mãos os municípios do país que fazem recolha seletiva de resíduos porta-a-porta, que estão já a preparar a recolha seletiva porta-a-porta de biorresíduos e que não exista um verdadeiro movimento de liderança entre os municípios para aplicação de uma tarifa de resíduos aos cidadãos que tenha em conta a produção individualizada dos resíduos (sistema PAYT) em vez da indexação ao consumo da água.

Hoje, como no passado e no futuro, haverá sempre motivos atendíveis para a inação e nada mudar. No ambiente e na política dos resíduos não me parece que fugir ao problema o vá resolver.

  • Pedro Vaz
  • Jurista, com especialização em Direito do Ambiente, Energia e Recursos Naturais

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