Ucrânia, o clima e pandemia: até onde vai o “great reset”?

  • Nuno Brito Jorge
  • 18 Março 2022

O maior aproveitamento de recursos endógenos e renováveis é a única forma de conseguir autonomia e deixar a dependência de regimes políticos imprevisíveis e de variáveis que não controlamos.

Quando parecia que finalmente a pandemia nos deixava acalmar a guerra na Ucrânia voltou a colocar o mundo, e em especial a Europa, em sobressalto.

Os relatos dos bombardeamentos, das vidas perdidas e das destroçadas, das famílias separadas, afetam-nos todos os dias como se de um teto à felicidade se tratasse. Retiram-nos o direito a estar felizes e a sentir orgulho do ser humano e são as histórias dos que ficam para lutar e dos que se movem para ajudar que nos devolvem um pouco de crença na humanidade.

Gabamo-nos de sermos os únicos seres racionais à face da Terra, mas somos aparentemente incapazes de aprender com a nossa própria história.

Na Europa esta invasão de Putin (nota: não digo “Rússia” mas “Putin” pois acredito que o que agora se passa não representa a vontade da sua população) evidenciou lacunas já bem conhecidas, como a falta de uma voz forte em matérias de política externa (vejam-se as tentativas de última hora de Macron) e a sua dependência energética do exterior.

No entanto, também reforçou algum do caminho que a União tem vindo a fazer: as respostas em uníssono são cada vez mais rápidas e as sanções económicas têm sido duras, crescentes e aplicadas em consonância (esperemos que gerem nos oligarcas e no povo russo o efeito que todos desejamos).

Nesse texto, sem querer retirar qualquer relevância à crise humanitária e à enorme devastação física e moral que a guerra traz, é sobre outra componente desta crise que me quero debruçar: a crise energética.

Agora que os efeitos da dependência energética europeia se fazem sentir, com os preços dos combustíveis, gás e eletricidade a atingirem novos máximos deparamo-nos com a única resposta de longo prazo possível – aquela que há muito conhecemos mas tardamos em implementar: a aposta rápida e inequívoca nos recursos endógenos e renováveis e na eficiência energética.

Curiosamente, ou não tanto, a estratégia mais sustentável de mitigação deste efeito da guerra na Europa é a mesma que serve de resposta à crise climática e que foi impulsionada como a melhor forma de recuperar dos impactos da pandemia: a aceleração do “Green Deal” Europeu.

Tal como aconteceu com a pandemia, e como estou convencido que continuará a acontecer com qualquer crise ou desastre humanitário cujas consequências nos sejam visíveis, o início da guerra trouxe ao de cima aquilo que têm de melhor muitas pessoas e empresas (que no fundo são reflexo das pessoas que as gerem e constituem) e gerou uma enorme onda de solidariedade, que nos arrepia a cada história que lemos ou ouvimos.

Também agora, mudando o foco da resposta imediata para a solução de longo prazo (reforço o foco deste texto na componente energética), voltou a resposta da construção de um futuro mais verde, democrático e sustentável.

Se no caso da pandemia esta resposta foi impulsionada pela perceção generalizada de que não podemos continuar a relacionar-nos com o planeta, natureza e uns com os outros da mesma forma que antes, no caso da guerra ela surge pela certeza de que o maior aproveitamento de recursos endógenos e renováveis é a única forma de conseguir autonomia e deixar a dependência de regimes políticos imprevisíveis e de variáveis que não controlamos.

Todas as coisas estão interconectadas como o estão todos os problemas que precisamos de resolver como espécie e sociedade – a guerra, o clima, a pobreza, a injustiça, a corrupção ou a pandemia.

Se é verdade que dificilmente as coisas mudam enquanto não soubermos ver além do que está ao nosso alcance, também é verdade que qualquer pequena mudança para mitigar um destes problemas tem um impacto positivo em todos os outros.

Em causa estão diferentes ideologias, modelos sociais e a (re)afirmação de valores que definirão o nosso futuro como espécie. Somos chamados a escolher entre a Paz e a guerra mas também entre a concentração de riqueza e a sua distribuição, entre a degradação de recursos e a sustentabilidade, entre a corrupção e a transparência e entre o autoritarismo e a democracia.

A Ucrânia é hoje um dos principais campos de batalha dessa decisão que vai muito além da guerra.

A paragem que vivemos em 2020 devido à pandemia foi inteligentemente apelidada de “great reset” pelo Fórum Económico Mundial como oportunidade de revisitar muito do que estava mal num sistema que está obsoleto. Onde provavelmente se falhou foi no foco na pandemia: o “great reset” é muito maior que a pandemia e está por perceber quanto tempo ainda irá durar.

  • Nuno Brito Jorge
  • CEO da GoParity e Presidente da Direção da Cooperativa Coopérnico

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