Uma tabela de IRS a pensar em eleições? Se não é, parece

Tal como se suspeitava, as taxas de retenção baixam, mas menos do que deviam. Continuaremos a emprestar dinheiro ao Estado e em 2019, ano de europeias e legislativas, há de chegar um cheque simpático.

O problema não é de hoje. Há muito que as tabelas de retenção de IRS em Portugal estão desajustadas da realidade (das taxas e deduções efetivas), dando origem todos os anos a níveis de reembolsos cada vez mais elevados.

Ao não ajustar as tabelas de retenção à realidade, os contribuintes estão, na prática, a pagar durante 12 meses mais impostos ao Estado do que deveriam, recebendo no ano seguinte, em contrapartida, um valor maior de reembolso. Ou seja, emprestamos dinheiro ao Estado “à força”, e nem sequer recebemos juros por isso.

Para se ter uma ideia, basta olhar para os números do ano passado: 2,2 milhões de contribuintes tiveram direito a 2,1 mil milhões de euros de reembolso de IRS (em média, 995 euros por família); 1,4 milhões não receberam nem pagaram nada; e apenas 585 mil contribuintes tiveram efetivamente de pagar imposto na altura do ajustar contas com o Estado.

O problema de ter tabelas de retenção desajustadas não é novo, mas tem vindo a agravar-se. E é cada vez mais difícil para qualquer Governo resolver o problema. Se algum dia algum Governo decidir baixar as taxas de retenção mensal para o nível em que deveriam estar (de forma a colocar os reembolsos num valor idealmente próximo de zero), criava-se um grande problema de tesouraria nos cofres públicos. Nesse ano, o Estado teria de se contentar com menos receita fiscal todos os meses e quando chegasse o momento de entrega das declarações de IRS (relativas ao ano anterior) ainda teria de pagar um cheque chorudo relativo aos reembolsos do ano anterior.

O problema ficaria resolvido de vez, mas o Estado ficava entre mãos com um grande aperto de tesouraria. Como tal, é mais fácil todos os anos ir mantendo a tabela de retenção desatualizada, empurrando o problema com a barriga para o Governo que vier a seguir.

Este ano, com a economia em alta e com as receitas fiscais a crescer mais do que o previsto, seria uma boa oportunidade de tentar, pelo menos, endireitar e minimizar este problema. Mas o Governo não só não o resolve, como ainda o agrava de forma substancial.

Já se suspeitava que isso ia acontecer. Quando apresentou o Orçamento do Estado para este ano, o Governo previa que o aumento de cinco para sete escalões de IRS implicasse uma perda de receita de 385 milhões de euros. O problema é que só contabilizou como custo para este ano 230 milhões de euros, deixando 40% do valor (155 milhões de euros) como custo para 2019. E sem nenhuma explicação plausível ou racional.

Isso já era informação mais do que suficiente para se perceber que o Governo não iria ajustar as tabelas de retenção à realidade dos impostos, ou seja, vamos continuar a emprestar dinheiro ao Estado e em 2019, ano de eleições europeias e legislativas, o Estado devolve o nosso dinheiro em falta de uma só assentada.

O Governo publicou esta terça-feira em Diário da República as novas tabelas de retenção de IRS que vão vigorar este ano. E confirma-se. As simulações feitas pela consultora PwC para o ECO mostram aquilo que já se suspeitava: o valor do reembolso em 2019 será superior ao reembolso de 2018.

Este efeito acontece, diz a consultora, “porque apenas parte da redução do imposto anual se encontra refletido na redução das taxas de retenção na fonte mensal”. Resumindo, o Governo não só não resolve o problema que vem de trás como ainda o agrava.

Impõe uma taxa de retenção baixa e passamos 12 meses a ser credores forçados do Estado. Em abril ou maio do próximo ano, — que por acaso é altura de eleições europeias, — os contribuintes vão receber uma simulação de IRS com um valor de reembolso simpático. E em julho, agosto, — que por acaso é véspera de legislativas — recebem o dito cheque.

Quando há dias promulgou o Orçamento do Estado, Marcelo Rebelo de Sousa deixou quatro chamadas de atenção para o ano de 2018, sendo que uma delas era esta: “A existência de duas eleições em 2019 não pode, nem deve, significar cedência a eleitoralismos”.

Quando olhamos para o Diário da República publicado esta terça-feira, não se percebe se estamos a olhar para uma tabela de retenção de IRS ou se para um cartaz de campanha eleitoral.

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