Viva as ‘revolving doors’ que tudo deixam passar

As regras de boa governação das empresas e instituições deveriam ser suficientes para impedir mudanças entre supervisores e supervisionados. Não são, como se vê mais uma vez no Banco de Portugal.

A governação de empresas e instituições é um daqueles temas que continua a não merecer a atenção e o respeito que se exigiria, sobretudo depois do que sucedeu em Portugal nos últimos anos. A mais recente transferência do diretor de departamento de supervisão do Banco de Portugal para a administração executiva da Caixa Geral de Depósitos é mais um desses (maus) exemplos.

O Banco de Portugal foi um agente passivo no processo do BES – para não dizer outra coisa – e com os resultados que se conhecem, o último dos quais a resolução. Tinha, à data, um diretor de supervisão, Luís Costa Ferreira, que, legitimamente, pediu a demissão e foi diretamente uma auditora, a PwC, que tinha ganho o concurso para elaborar o balanço do Novo Banco.

O Banco de Portugal contratou, depois, um substituto para diretor do departamento que é central na operação do banco e na estabilidade do sistema financeiro. O escolhido foi Carlos Albuquerque, que saiu do Millennium BCP.

Passados dois anos, o que sucedeu? Luís Costa Ferreira vai regressar ao lugar de origem e Carlos Albuquerque, tudo indica, vai sair para a administração da CGD, com um período de nojo de seis meses para descansar as consciências. Estas ‘trocas e baldrocas’ não favorecem ninguém, prejudicam a credibilidade do Banco de Portugal e deixam suspeitas de cumplicidades e uma má imagem que os próprios com toda a certeza dispensariam. E sendo profissionais competentes e reconhecidos, como ambos são, não teriam qualquer dificuldade em encontrar outras oportunidades de trabalho sem estes conflitos óbvios.

Este caso é particularmente chocante quando se sabe o tempo e a exigência que o BCE leva a aprovar nomes para os ‘boards’ dos bancos. Todos nos lembramos dos episódios com alguns dos candidatos a administradores da Caixa na equipa de António Domingues que foram obrigados a estudar no Insead para serem considerados aptos. Já as entradas e saídas no Banco de Portugal – uma dos bancos que integra o Sistema de Bancos Centrais europeus – merecem uma avaliação no mínimo, condescendente em matéria de conflitos de interesses.

Pior, o que se percebe – pelos silêncios cúmplices – é que isto poderia ocorrer com qualquer instituição pública, qualquer banco ou qualquer auditora. É assim que está a governação das instituições em Portugal. E o Instituto de Corporate Governance, não tem nada a dizer sobre isto?

Será que a Caixa Geral de Depósitos e o Banco de Portugal não tinham mais mercado para preencher os lugares que tinham disponíveis? Não há outros profissionais competentes para a supervisão do Banco de Portugal ou para a administração da Caixa?

No passado não muito recente, já tivemos trocas diretas que, então, também não deveriam ter sucedido. José de Matos foi vice-governador e passou para a presidência da CGD. Maria Luís Albuquerque, mais recentemente, foi ministra das Finanças e, depois, passou para a Arrow Global, uma sociedade de compra de ativos com negócios com o Estado.

As ‘revolving doors’ – para usar uma expressão anglo-saxônica – juridicamente legais, mas moralmente ilegais, têm história em Portugal. Já deveríamos ter aprendido com a história. Porque, entretanto, o mundo mudou. Pelos vistos, não mudou o suficiente.

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