Apelo ao voto dos imigrantes chega pela rádio e em seis línguas. “Se têm nacionalidade, têm que votar”

A Sintoniza-t está focada em mobilizar comunidade imigrante, aproveitando as eleições para redefinir "o rumo" do projeto. Emissão é difundida em seis línguas para não deixar "ninguém para trás".

De Sintra para o mundo. Na Tapada das Mercês, a rádio Sintoniza-t nasceu para ultrapassar a barreira linguística e manter as pessoas imigrantes a par da atualidade do país que escolheram para começar uma vida nova. Só naquela urbanização da freguesia Algueirão Mem-Martins, a mais populosa do país, residem pessoas de, pelo menos, 30 nacionalidades diferentes, mas nem todas dominam (ainda) o português. Enquanto esse processo decorre, a rádio local e comunitária dá a mão. E mesmo a tempo das eleições.

“As pessoas que chegam de países como a Guiné Conacri, ou Bangladesh ou o Paquistão, e que não falam ainda português, ligam a televisão e não percebem os telejornais. O processo de integração fica pelo caminho”, conta-nos Mamadou Ba, fundador e presidente da Associação A Comunidade Islâmica da Tapada das Mercês e Mem-Martins (ACITMMM), casa desta rádio local e comunitária que é financiada pelo programa do Governo Bairros Saudáveis.

Em 2021, a ACITMMM inaugurou a rádio Sintoniza-t, uma iniciativa financiada pelo programa governamental Bairros Saudáveis. Hoje além dos três programas que produz, transmite também podcasts produzidos pelo jornal Fumaça e pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. No fundo da sala, decorre uma aula de português a alunos estrangeiros.Hugo Amaral/ECO

Mas antes da rádio, importa recordar a história deste centro. Para isso, temos que recuar a 2006. Pelas mãos de Mamadu e de mais alguns colegas oriundos da Guiné e do Senegal, inaugurou-se um espaço que inicialmente tinha o propósito de promover a educação muçulmana entre as crianças da comunidade. À semelhança da vizinha paróquia católica, que aos fins de semana acolhe as crianças para a catequese, neste espaço os mais jovens aprenderiam mais sobre a cultura muçulmana, uma vez que não teriam oportunidade para tal nas escolas.

Três anos mais tarde, na garagem ao lado, nascia o espaço de culto para a comunidade islâmica. Há 15 anos, que “dezenas” de pessoas imigrantes fazem deste espaço a sua casa para práticas religiosas, e hoje, a cerca de 800 metros desta garagem, está em construção uma nova mesquita que deverá ser inaugurada em junho, com vista a acolher até 1.200 pessoas nas horas de culto.

Em 2009, a ACITMMM inaugura o centro de culto numa garagem ao lado do centro comunitário que há 15 anos é "casa" para práticas religiosas desta comunidade. Hugo Amaral/ECO

Com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa, a Junta de Freguesia de Algueirão Mem-Martins e a Fundação Islâmica de Palmela, Mamadu garante que se vai “fazer tudo por tudo para que [a mesquita] fique para a história” do concelho, e da comunidade, diz-nos.

Mas com o passar dos anos, a missão inicial do centro foi ganhando um novo propósito. Agora, desempenha um papel mais holístico na Tapada das Mercês, auxiliando não só a população imigrante – com aulas de português, formação profissional, documentação e acesso à habitação – mas também uma grande parte dos residentes portugueses, que face a uma perda de rendimentos nos últimos anos, passou a recorrer ao banco alimentar e de roupas da ACITMMM para suprir as suas necessidades. Hoje o centro, com a ajuda de dezenas de voluntários, tornou-se num ombro-amigo no bairro.

Fora o apoio social, e com o propósito de chegar a mais pessoas, o centro procurou dinamizar-se ainda mais. E nem a pandemia impediu o novo sonho de Mamadu de se concretizar. Em 2021, nasceu a rádio Sintoniza-t.

Hoje, a rádio tem capacidade para produzir três programas, fora os podcasts que transmite em parceria com o Fumaça e a Fundação Francisco Manuel dos Santos: O “Sintra em Foco”, um programa de entrevistas a agentes da sociedade civil, transmitido todas as sextas-feiras, o “Arte Urgente”, com enfoque sobre a cultura e o “Minuto Cidadão”, um programa de notícias que atualiza a comunidade transmitido em seis línguas – inglês, francês, ucraniano, crioulo, espanhol e russo. O projeto ganha forma com a ajuda de três voluntários, e a emissão acontece online. De acordo com Mamadu Ba, esta rádio comunitária fechou o ano de 2023 com um registo de 72 mil ouvintes.

Mamadu Ba imigrou Guiné Conacri para Portugal, em 1989. Começou por trabalhar na construção civil, e em 1993 mudou-se para a Tapada das Mercês, local onde procurou ter um papel mais ativo na comunidade. Em 2006, inaugurou a Associação A Comunidade Islâmica da Tapada das Mercês e Mem-Martins (ACITMMM). Hugo Amaral/ECO

“A nossa comunidade tem de estar informada sobre o que se passa no país, no Governo. Achámos por bem criar um projeto no qual déssemos conta da atualidade, informando as pessoas, para poderem acompanhar o país e o mundo, se não ficam para trás”, considera Mamadu.

A equipa da rádio é composta por três pessoas, e Alexandre Santos é um dos locutores. “Estou no projeto praticamente desde o início”, conta-nos. Mas além de ser uma das vozes ao microfone do Sintoniza-t, é também produtor, gestor das redes sociais e um dos coordenadores, trabalhando de perto com Mamadu Bah “para definir o rumo da rádio”.

O tema das eleições legislativas embora não tenha sido abordado em profundidade na emissão da rádio, por ser “complexo” mereceu destaque nas redes sociais do projeto onde os coordenadores têm lançado um apelo ao voto à comunidade. “Temos relembrado as pessoas de que têm o direito de ir votar, independentemente da origem. São cidadãos que deram um contributo ao país, merecem ser ouvidas“, diz-nos Alexandre Santos, formado em Ciência da Comunicação, Audiovisual e rádio.

A ideia será formalizar um plano robusto nos próximos meses para que a tempo das próximas eleições autárquicas, em 2025, que por norma tendem a ter maior participação local, a programação da rádio seja adaptada também nesse sentido.

Alguns partidos, da esquerda à direita, até se deslocaram ao local para conhecer de perto o impacto deste centro na comunidade e da rádio local, mostrando-se defensores das várias iniciativas concretizadas pela ACITMMM. “Todos os partidos que nos visitaram concordaram com a importância de se mobilizar mais a comunidade imigrante em altura de eleições. É um papel fundamental. Os partidos defendem que o projeto é para continuar”, conta-nos o presidente da associação.

Mas mesmo fora do centro, onde passa maior parte do tempo, o próprio Mamadu tem lançado apelos a esta população. Quando chegou a Portugal, em 1989, e mais tarde, em 1993, à Tapada das Mercês, o país era “diferente” do que era hoje. “Não havia tantas pessoas como eu”, e isso levou-o a querer ter um papel mais interventivo também entre os amigos e família.

Desde que conseguiu a nacionalidade portuguesa, que vota “sempre”, não falhando nenhuma eleição, e é este sentimento de cidadania que procura incutir na comunidade.Se têm nacionalidade, têm que votar. É um direito e um dever enquanto cidadãos, e aqui fazemos questão de os relembrar disso”, conta-nos o fundador.

Hoje, cerca de 7% da população residente em Portugal é composta por cidadãos estrangeiros. Os dados da Pordata, de 2022, indicam que naquele ano viviam em Portugal 781.247 estrangeiros com estatuto legal de residente, tendo, nesse ano, sido atribuída a nacionalidade portuguesa a 20.844 pessoas (menos do que em 2021) estatuto que automaticamente lhes garante o direito ao voto. Entre 2008 e 2022, naturalizaram-se 342.458 estrangeiros.

Mamadu Ba nas traseiras do centro comunitário. À entrada, estão afixados posters das iniciativas e projetos da associação. Hugo Amaral/ECO

O esforço para incentivar esta comunidade a ir às urnas no próximo domingo, 10 de março, tem sido conduzido também por outros agentes na região. Carlos Alberto Ramos, deputado municipal há três mandatos na Câmara de Sintra e membro da Comissão política do PS, é uma voz ativa no concelho. Não só entre a comunidade lusófona, mas também entre a comunidade cigana que, “por causa do efeito Chega, está preparada para exercer o seu direito ao voto”, garante.

“Existe uma mobilização entre imigrantes para votar”, partilha o deputado municipal, recordando as visitas que tem feito aos vários bairros espalhados por Sintra e as vozes que vai escutando nas ruas, procurando, sempre, fazê-las ecoar nas Assembleias Municipais. “Os [imigrantes] PALOP [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa] têm a casa organizada para dar a volta ao resultado. Os imigrantes vão sair à rua massivamente para votar. É um coletivo”, garante.

A chamada às urnas ganhou mais peso nos últimos dias. Enquanto uns ouviam pela televisão, outros ficaram a saber pela Sintoniza-t da alegada existência de “sentimentos de insegurança” no país, provocados pelo “excesso” de imigrantes que chegaram a Portugal por via de uma política de “portas abertas”. No centro comunitário, ouviam-se reações. Perguntavam-me porquê, como, se era verdade, mas eu expliquei-lhes claramente: estamos em campanha. Cada um faz o que for preciso para cativar votos”, relembra Mamadu.

Nas ruas da Tapada, a perceção criada por Pedro Passos Coelho não se verifica, garante-nos o responsável. E mesmo entre os residentes, existe um sentimento de entreajuda e acolhimento. “Estamos aqui há 20 anos. Fazemos parte da história da Tapada. Temos cinco religiões representadas numa só zona. Não é bonito?”, questiona-se.

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