Três aplicações com a mesma função, três experiências muito diferentes. Viajámos de Uber, de Cabify e de myTaxi -- e contamos-lhe como foi nesta reportagem.
Chamam-lhe economia partilhada, ou sharing economy no original em inglês. Aplica-se quando, numa escala global, várias pessoas partilham recursos através de uma plataforma comum. É um produto da globalização, mas também da conectividade. Por isso, na maioria dos casos, a premissa é comum: tecnologia. A mesma tecnologia que chegou ao setor dos transportes privados e o está a obrigar a mudar-se. Mutar-se. Modificar-se. Num complicado jogo de concorrência com troca de acusações par a par.
No final de setembro, conheceram-se os principais pontos do diploma que deverá regular a atividade destas empresas de transporte particular. Mas os taxistas desvalorizam as medidas. E decidiram manter a manifestação desta segunda-feira, 10 de outubro. Oportunidade ideal para avaliar, de forma paralela, três serviços de transporte privado com presença em Portugal. Andei de Uber, de Cabify e de myTaxi, uma aplicação semelhante às outras duas, mas usada por taxistas para encontrarem novos passageiros. Viajei em dias diferentes, mas sempre de manhã e à mesma hora. O percurso também foi igual. Só as experiências foram muito diferentes.
Uber. Foi por pouco!
Avenida Dom Carlos I, junto ao Largo de Santos, em Lisboa. É quarta-feira. O relógio marca oito e vinte da manhã. Objetivo? Chegar ao Centro Cultural de Belém (CCB) antes das nove. Mal abro a aplicação, percebo que, se quiser chegar a tempo, terei de aceitar as tarifas dinâmicas: “Os preços aumentaram para garantirmos mais Ubers na estrada”, diz um aviso no telemóvel. Aceito o preço mais alto e sou informado do nome do motorista, assim como do modelo e matricula do carro que conduz.
Oito minutos depois, lá aparece o Nissan Note na rua perpendicular. Por alguma razão, a aplicação pensa que estou na Rua Cais do Tojo. Não tem problema. Entro no carro às oito e meia e rapidamente sou cumprimentado pelo motorista. “Ora bom dia!”, grita com entusiasmo. Respondo na mesma moeda. Tem uma classificação de 4,8 pontos em cinco, indica-me a aplicação, com base nas avaliações de outros passageiros. Prime um botão no telemóvel dele e de imediato, no meu, aparece a indicação de que a viagem começou.
“Aqui pode-se cortar à esquerda?”, pergunta-me. “Não sei”, digo. O cruzamento em causa é o da Rua Cais do Tojo com a Av. Dom Carlos I. E não, não se pode cortar à esquerda. Mas também não interessa. Porque o meu motorista decide virar na mesma. Mal acaba de fazer a manobra, repara em três agentes da PSP que conversam descontraidamente na esquina junto ao banco Santander. Ri-se nervosamente. Está tudo bem. Ninguém reparou.
Fala muito ao longo da viagem — 5,26 quilómetros. Eu também. Pergunta-me o que faço: “Trabalha no CCB?” Respondo que não, mas que vai acontecer lá um congresso sobre comunicações. “Então, mas é estudante?”, insiste. “Não, sou entusiasta. E escrevo sobre tecnologia para um site”, remato, sem referir que sou jornalista. Tento redirecionar a conversa: “Então, faz isto há quanto tempo?” “Há oito meses”, aponta sorridente. Altura ideal para colocar a questão: “Parece que há aí uma nova lei por causa da Uber, não é?” Diz-me que sim, mas que não sabe ao certo o que está em causa. “Acho que vamos ter de fazer formação e andar identificados. Isso vai ser um problema para nós”, desabafa, referindo-se aos desacatos que têm havido entre taxistas e motoristas da Uber. Já na reta final da viagem, ainda lhe pergunto se sabe onde descarrego a fatura da viagem. Não tem a certeza, mas acha que é no site da Uber, responde-me.
Chego por fim ao CCB. Cada sentido da estrada da Praça do Império tem duas vias atravessadas por um separador central. Entrámos pelo lado sul, pelo que, segundo o percurso traçado pela aplicação, o motorista ainda teria de passar para a outra via de modo a deixar-me o mais próximo possível da entrada do CCB. Isso ficaria mais caro, pelo que o motorista decide terminar a viagem na faixa oposta, evitando gastos desnecessários. Da minha parte, ter ou não ter de atravessar a passadeira é indiferente. “Fica aqui?”, pergunta-me. “Pare aqui, não tem problema”, confirmo.
São 8h52. Despeço-me do motorista. Ainda tenho dez minutos antes do início do congresso e aproveito o tempo para beber café e ver quanto custou a viagem: 7,06 euros no total. A aplicação permite ainda ver o montante em detalhe: um euro de preço base, mais 3,43 euros pelos quilómetros feitos, somando 1,63 euros da tarifa dinâmica — sem ela, pagaria 5,43 euros. O dinheiro foi prontamente descontado no meu cartão de crédito e recebi por email a ligação para descarregar a fatura com número de contribuinte. Importa indicar que neste dia, às nove horas da manhã, as tarifas dinâmicas ainda se encontravam ativas na Uber.
De referir também que, para receber a fatura com número de contribuinte, tive de preencher previamente o meu perfil tributário no site da empresa — nome e número de identificação fiscal). A gorjeta para o motorista estava definida em 20%. Para a realização desta reportagem, alterei-a naturalmente para 0%.
Cabify. Mordomia q.b.
Quinta-feira, à mesma hora, no mesmo sítio. Destino igual: o CCB. Durante minuto e meio, a aplicação procurou e encontrou um motorista. Mais velho do que o da Uber, mas com menos tempo de serviço na plataforma. Chega em cinco minutos, engravatado e conduzindo um BMW Serie 3. Para onde o trânsito da avenida o permite e espera por mim. Faço-lhe sinal, atravesso a estrada e vou ao encontro dele.
Entro no carro e rapidamente faz questão de me pôr à vontade. “Se quiser água, está ali no porta-luvas”, remata. Agradeço, mas recuso. “A temperatura está boa assim?”, questiona. “Sim, está ótima”, indico. “E a música?”, pergunta novamente. “Pode deixar, está tudo bom”, aponto. “A aplicação indicava-me mais ali à frente”, confessa. Digo-lhe que, na realidade, até pedi o Cabify mais lá atrás na estrada, algo que confirmou o que eu já suspeitava: pelo menos no meu telemóvel, a localização indicada na aplicação é menos precisa do que na Uber. Aliás, verifico isso durante a viagem: há uma muito ligeira latência entre a posição indicada no aplicativo e a posição real.
Durante a viagem vou-lhe fazendo perguntas sobre a nova proposta de lei do Governo para regular a atividade destas empresas. Vai respondendo e garante que a nova lei é boa e já tardava. Conta-me também como, outrora, foi diretor de empresas até cair em desgraça e ter de se agarrar a qualquer coisa — neste caso, à Cabify, um emprego que “naturalmente” não é a sua praia. Sobre mim pergunta pouco — apenas se estudo no IADE, lá em Santos. “Não, porquê?”, respondo intrigado. “Por nada. É que costumo transportar outros miúdos ali do IADE… miúdos no bom sentido, claro”, remata, atrapalhado.
O percurso — 5,1 quilómetros, segundo a aplicação — faz-se em 11 minutos. Chegamos às 8h41. Deixa-me no mesmo local que o motorista da Uber, mas repara num taxista que deixa outro passageiro um pouco mais à frente. “Vamos lá ver se não há problema”, diz. Não houve. Agradeço e atravesso a estrada em direção ao CCB, enquanto o motorista segue caminho. Por tudo isto paguei 5,71 euros. O dinheiro foi descontado do meu cartão de crédito e a fatura eletrónica com número de contribuinte seguiu automaticamente, em PDF, para o meu e-mail. Tal como na Uber, tive de preencher os dados previamente, não no site, mas na própria aplicação.
myTaxi. Há sempre uma primeira vez
Não foi fácil. Após várias tentativas falhadas de adicionar o meu cartão de crédito à aplicação (um cartão normal, o mesmo que usei nas outras duas), decido, por fim, pagar em dinheiro — uma funcionalidade que em Portugal não existe nem na Uber, nem na Cabify. É sexta-feira. Escrevo “ECO” no local de partida e “CCB” no campo do destino. Carrego para chamar um táxi e espero. Espero, mas ninguém aceita a minha viagem. Cancelo e faço a chamada de novo. Volto a esperar. Prestes a desistir, lá aparece o nome do taxista que me vai levar ao centro. Foram dez minutos de espera… mais sete minutos à espera do carro — um Dacia Logan. Ou seja, cerca de 17 minutos entre abrir a aplicação e começar a viagem.
São 8h38 e o taxista chegou. Faz-me sinal. Atravesso a estrada e entro no carro. “É o Flávio Nunes?” Sim, sou, respondo. “Vai ter de me ajudar aqui com isto. É a primeira vez que aceito uma viagem nisto”, diz o taxista. Pois, também eu! “Parece-me que tem de deixar a aplicação aberta”, explico. Mas vou tarde. O taxista já a fechou. No meu telemóvel surge a confirmação de que a viagem começou. “Não faz mal. Quando chegarmos, vemos o que é que se passa”, diz ele. “Exato, não há problema”, confirmo. Taxímetro a contar e lá vamos nós.
“Então é a primeira vez? Porque é que decidiu usar a myTaxi?”, pergunto eu. Explica-me que a decisão foi do patrão e que teve “formação” sobre a aplicação há dois dias. “Não é muito diferente da Uber”, arrisco. O taxista concorda: “Sim, sim, penso que é mais ou menos o mesmo sistema”, diz. “Por curiosidade, o que é que acha da Uber?”, arrisco de novo. Não acha mal. Antes pelo contrário: “Isso veio obrigar os industriais do táxi a investirem. A atualizarem-se”, defende.
Aproveito para explorar o tema. “Mas acho que os motoristas da Uber não têm a mesma formação que vocês têm, não é?”, pergunto. Explica-me que sim, é verdade, e que pagou 650 euros pelo Curso de Aptidão Profissional (CAP). De qualquer forma, mostra-se tranquilo e garante que não vai à manifestação desta segunda-feira, onde são esperados cerca de 6000 taxistas nas ruas de Lisboa, em protesto contra plataformas como a Uber e a Cabify. “Até é o meu dia de folga!”, remata.
Prestes a chegar ao fim da viagem, a aplicação ainda me indica que estamos no local de partida. Chegados ao CCB, o taxista pausa o taxímetro e encosta no mesmo sítio onde os motoristas da Uber e Cabify me deixaram nos dias anteriores. Pega no telemóvel e percebe que está desligado da aplicação. Introduz as credenciais e, quando se conecta, o meu telemóvel atualiza-se de repente e mostra que chegámos ao fim da viagem: “Por favor, faça agora o pagamento da sua viagem e peça a sua fatura ao condutor”, aparece escrito num aviso na aplicação.
O taxímetro indica 5,65 euros, mas o taxista carrega num botão e o valor aumenta para 6,45 euros. Pergunto-lhe porquê, ao que me responde que tenho de pagar “mais 80 cêntimos da chamada”. Introduz o valor na aplicação e, no meu telemóvel, surge a indicação de que a viagem está paga. Dou-lhe o dinheiro e peço-lhe a fatura. Agarra no livrete, digo o número de contribuinte e recebo o documento em papel. Saio do táxi e sigo para o CCB. São 8h47, o que significa que a viagem nem durou nove minutos.
A conclusão de tudo isto? Na perspetiva do consumidor, são três plataformas muito parecidas, que variam apenas no preço e na experiência. Cada uma tem as suas vantagens e desvantagens, como pude perceber nestas três viagens. Contudo, o que interessa verdadeiramente é que todas cumpriram o objetivo: levar-me de Santos ao CCB, partindo às 8h30 e chegando antes das nove. Caso para dizer: missão cumprida.
Resultado final:
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Uber, Cabify ou myTaxi? Experimentámos as três
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