Cavaco: a culpa do resgate foi de José Sócrates
Cavaco Silva justifica a necessidade de resgatar Portugal com as políticas levadas cabo pelo primeiro-ministro de então. Elogia Teixeira dos Santos e garante que não quer ajustar contas com ninguém.
O ex-Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, atribui a responsabilidade do resgate a Portugal ao primeiro-ministro de então, José Sócrates, por não ter sabido adequar as suas políticas ao contexto internacional desfavorável. Na sua primeira entrevista desde que abandonou o cargo de Chefe de Estado, Cavaco garante que não tem nenhuma frustração e que o livro que acaba de editar “Quintas-feiras e outros dias” não é um ajuste de contas com ninguém, mas antes um prestar de contas aos portugueses.
Em entrevista à RTP, Cavaco Silva disse que o resgate a Portugal “foi o resultado de políticas desenvolvidas ao longo do tempo, em particular desde 2008, num contexto internacional muito complexo”. Políticas que “geraram um grande desequilíbrio das contas externas e nacionais na ordem de 10% do produto, que conduziram a situação de emergência nacional. Nem Estado nem empresas conseguiam contrair empréstimos no exterior”, sublinhou o antigo Chefe de Estado.
“Pressionei muito para que o Governo alterasse o seu rumo”, uma pressão que reconhece não deu resultado. Por isso, sentiu necessidade de o assumir publicamente. “Entendi que devia tornar pública a minha posição na tomada de posse a 9 de março de 2011, para o segundo mandato”.
Quem faz política tem de ter em conta os instrumentos que controla e a envolvente internacional que é desfavorável.
Questionado sobre se o resgate foi responsabilidade do então primeiro-ministro José Sócrates — nome que o ex-Presidente nunca pronunciou ao longo de toda a entrevista — ou do contexto internacional, já que havia uma crise financeira mundial decorrente da crise do subprime, Cavaco foi perentório: “As políticas de um país têm de ter em conta a situação internacional e exigem uma política mais orientada para para a produção de bens e serviços”. Contudo, Cavaco constatou que Sócrates optou por uma política de obras públicas, nomeadamente uma aposta no TGV que na sua opinião era um erro. “Quem faz política tem de ter em conta os instrumentos que controla e a envolvente internacional que é desfavorável”, concluiu.
Cavaco Silva admitiu que, “mesmo que o PEC IV fosse aprovado já não teríamos conseguido evitar a ajuda externa”. O ex-Presidente admitiu que a situação a que Portugal chegou — “o que estava em cofre era reduzidíssimo” — fazia com que o país não tivesse “recursos para satisfazer as suas necessidades” e que “podia, de facto, estar em causa o pagamento de salários e pensões”.
Cavaco elogia Teixeira dos Santos
O ex-Presidente da República elogiou ainda a atuação do então ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos que “teve uma atitude patriótica”, ao obrigar Sócrates a mudar de posição já que este não queria recorrer à ajuda externa. “Já tinha acontecido o resgate da Grécia e Irlanda e não conseguimos mudar de rumo em devido tempo”, lamentou.
Quanto às reuniões semanais “com o primeiro-ministro do 17º e 18º Governo constitucional”, Cavaco garante que “80% foram de cooperação institucional e estratégica” e deu como exemplo temas como a presidência portuguesa da União Europeia e a reforma das universidades. Mas houve duas particularmente difíceis que levaram Cavaco a acusar Sócrates de “deslealdade”, em causa esteve a omissão do PEC IV, “uma violação da Constituição”. A segunda “deslealdade foi em relação à aprovação do Orçamento do Estado de 2011”, no qual o Chefe de Estado “desempenhou um papel importante na sua aprovação”, dados os contactos permanentes entre o Governo e a oposição, que “evitaram uma grave crise política”. Os “dias loucos do Orçamento de 2011”, recordou.
Apesar de tecer críticas ao rumo trilhado por José Sócrates, Cavaco garante que foi “totalmente surpreendido” com a detenção do ex-primeiro ministro, porque nunca se apercebeu de “qualquer atuação legalmente menos correta”. Mas, além disto, recusou fazer qualquer outro comentário sobre o tema.
Não tenho acompanhado o processo, mas fui totalmente surpreendido. Nunca me apercebi de qualquer atuação legalmente menos correta.
Cavaco recusou também comentar a solução governativa que atualmente existe no país, assim com à atuação do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa. A expressão no livro de que a política espetáculo não traz benefício nenhum Cavaco garante que não é uma crítica a Marcelo até porque foi escrita “muito antes de saber quem seria o Presidente da República”.
Dilema ético? Não, preencher uma lacuna
Questionado se fora confrontado por algum dilema ético ao divulgar as conversas privadas que manteve enquanto Chefe de Estado, Cavaco Silva respondeu: “Antes pelo contrário”. “Estou a preencher uma lacuna que existe no país no exercício dos poderes presidenciais”. “As conversas eram privadas não secretas”, acrescentou.
Para Cavaco, os portugueses só conhecem “os poderes negativos do Presidente” — enviar leis para o Constitucional, vetar lei, dissolver a Assembleia da República. “Não se conhece a parte mais importante pela qual se exerce a magistratura de influência”.
O ex-Chefe de Estado recusa que o seu livro “Quintas-feiras e outros dias” — parcialmente escrito enquanto ainda era Presidente (a primeira parte) — seja um ajuste de contas com José Sócrates. “Não preciso de ajustar contas com ninguém. A vida correu-me muto bem do ponto de vista profissional, político e tenho uma família que sempre me deu alegrias. Tenho é o dever de prestar contas aos portugueses pelo desempenho de cargos públicos”.
Não preciso de ajustar contas com ninguém.
Confrontado pelos baixos índices de popularidade, apesar de todas as vitórias políticas que teve, Cavaco disse: “Sondagens, ruídos mediáticos, trepidações políticas e espuma dos dias nunca influenciaram a minha decisão”. O ex-Chefe de Estado garante que sempre se pautou pelo “estudo aprofundado dos problemas” e que o seu livro reflete essa sua quase obsessão por factos. Tenho a consciência tranquila e sou bem realizado. Não tenho nenhuma frustração. Tenho uma profunda gratidão pelo povo português que me deu o privilégio de servir Portugal como Presidente da República”, isto depois das várias vitórias nas legislativas.
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