Quando é que um país deve reestruturar a dívida? O que pensa o FMI
Três altos dirigentes do FMI explicam qual é a perspetiva do Fundo sobre o endividamento público excessivo. E avisam que não vale a pena fingir que está tudo bem.
Para o Fundo Monetário Internacional (FMI) o pior que um país sobre-endividado pode fazer é ignorar o facto. Fingir que não se passa nada só vai agravar o problema e gerar ainda mais perdas para todos. Quem o diz são três economistas do FMI, num artigo publicado esta quinta-feira no blog do Fundo.
“Fingir que dívidas impagáveis podem ser pagas só vai destruir a eficácia dos esforços de ajustamento do devedor, em última análise fazendo com que todas as partes percam mais do que se tivessem assumido os factos desde o início”, avisam Sean Hagan, Maurice Obstfeld e Poul M. Thomsen (“Mr. Blue Eyes”, como ficou conhecido em Portugal quando chefiou o arranque do programa de resgate português).
"Fingir que dívidas impagáveis podem ser pagas só vai destruir a eficácia dos esforços de ajustamento do devedor, em última análise fazendo com que todas as partes percam mais do que se tivessem assumido os factos desde o início.”
Num artigo publicado no IMF direct, os três responsáveis do FMI — Hagan é conselheiro geral e diretor do departamento legal; Obstfeld é conselheiro económico e diretor do departamento de research; e Thomsen dirige o departamento europeu — detalham a perspetiva do Fundo sobre como se deve lidar com a dívida soberana.
Os economistas explicam o que é uma dívida insustentável, qual é o enquadramento do Fundo para avaliar essa sustentabilidade e abordam os pontos fundamentais de qualquer alívio da dívida.
O que significa “dívida insustentável”?
Para o FMI, explicam os três economistas, a dívida é insustentável “quando o serviço de dívida calendarizado excede a capacidade” de um país de o satisfazer, mesmo “assumindo um forte programa de ajustamento e financiamento significativo por parte do Fundo”. E aqui há que ter em conta que as avaliações têm de ser alicerçadas por suposições “realistas” em vez de “heroicas” sobre a capacidade das economias de recuperar. E há que “ter em conta a realidade de que as economias têm muitas vezes levado mais tempo para recuperar das crises do que o inicialmente esperado.”
Se um programa de ajustamento aplicado por um país membro do FMI falhar a identificação da insustentabilidade da dívida, “vai provavelmente exacerbar” o problema do endividamento “porque vai criar mais incerteza quanto ao futuro” do país. Os motivos, explicam os peritos, são claros:
- Perde-se apoio político para a implementação das reformas, porque os sacrifícios são vistos como “beneficiando em primeiro lugar os credores”;
- A incerteza gerada pelo excessivo endividamento trava o investimento.
Como é que se determina a sustentabilidade?
Há dois caminhos que o FMI utiliza para identificar avaliar a sustentabilidade da dívida. Primeiro, para ser considerada sustentável tem de ser suficientemente baixa face ao PIB da economia em causa, ou estar num caminho claramente descendente. Segundo, se a sua maturidade for muito longa, importa ver se as necessidades de financiamento anuais podem “com razoabilidade” ser satisfeitas.
Nos dois casos, a sustentabilidade da dívida não pode estar dependente de excedentes orçamentais primários (isto é, descontando os gastos com a dívida) de tal ordem elevados que comprometam definitivamente a atividade económica.
O artigo é explicativo, não aborda casos concretos, mas dá dois exemplos: explica que a Ucrânia chegou a acordo com os credores para fazer um haircut da dívida na sequência da aplicação do primeiro critério, enquanto a Grécia foi enquadrada no segundo critério porque os parceiros do euro decidiram alongar muito as maturidades como forma de alívio da dívida, em vez de prosseguir com o haircut.
O artigo não fala sobre Portugal mas, no último relatório do Fundo sobre a economia portuguesa, a dívida da República é considerada sustentável, embora enfrente sérios riscos.
Como fazer o alívio da dívida?
Os economistas explicam que o FMI considera diferentes estratégias para reestruturar a dívida, consoante ela seja maioritariamente detida por credores privados ou institucionais. Pode ser fechado um acordo com credores no arranque de um programa de ajustamento — esta opção é mais comum quando a dívida está na mão de privados.
Quando a dívida está na mão de credores institucionais, tanto pode ser reestruturada como condição para a aplicação do programa, como no final da sua implementação, se as reformas forem cumpridas. Contudo, neste último caso, o compromisso de reestruturação deve ser assumido de forma clara e bem definida logo no início do programa, para evitar que a incerteza comprometa o seu sucesso.
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