Estes dois portugueses apoiam Trump. E explicam ao ECO porquê

Deste lado do Atlântico reina a incompreensão em relação a Donald Trump, com devidas exceções. O ECO falou com dois luso-americanos que apoiam Trump para perceber os seus argumentos.

Foi Portugal quem a viu nascer, mas foram os Estados Unidos que a viram crescer. Agora está a caminho dos 60 anos, mas a vida ainda é em Nova Iorque. No futuro, quem sabe, regressa à calma de Portugal, algo que só saboreia esporadicamente quando vem a Lisboa.

Maria Isabel Rodrigues Mahler fez-se banqueira numa altura em que as mulheres ainda não tinham cargos de topo. Ainda jovem, encarnou o sonho americano: estudou e trabalhou ao mesmo tempo, comprou uma casa antes de chegar às duas décadas de vida e foi do cargo mais baixo do banco até ao segundo mais alto, o de vice-presidente.

É esse passado no setor bancário que marca o seu pensamento atual. A economia esteve e continua a estar no centro da sua vida. É mulher e apoia Trump, sem um “mas” a condicionar. Não gosta de nenhum dos candidatos, mas apoia o republicano por este ser “um homem de negócios”. “A Hillary nunca produziu um produto”, argumenta ao ECO.

O mesmo argumento é dado por Francisco Semião, o fundador e diretor da National Organization for Portuguese Americans. O luso-americano é, a título individual, apoiante de Trump porque o “passado dele nos negócios deu emprego a muitas pessoas”. Acérrimo defensor do mercado livre, acredita a 100% que as melhorias da economia têm de vir do setor privado e não do Estado.

“Infelizmente, Clinton nunca esteve nesse lado. Foi sempre uma funcionária do Governo e não produziu nada. Ela acredita que as melhorias da economia são fruto do Governo, mas isso não é verdade. São fruto do mercado. Eu tenho um mestrado numa escola de negócios, por isso eu percebo essa arte”, explica ao ECO.

Semião é um dos diretores de um grupo hospitalar em Washington. O seu nível de educação, tal como o de Maria Isabel rejeitam um preconceito quanto aos eleitores do republicano: não são só os que têm menos literacia quem vota em Trump.

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Tanto Francisco Semião como Maria Isabel têm formação superior. A banqueira estudou Contabilidade e depois Direito nas universidades nova-iorquinas. Já Semião tem dois mestrados, um em gestão e outro em saúde pública pela Universidade de George Washington e pela Universidade Marymount.

A sua mãe é de El Salvador, mas o pai é português. Francisco, agora de 47 anos, é 100% americano. Sabe um pouco de português e, desde que reatou a relação com o pai antes de chegar aos 30 anos, vem a Portugal todos os anos. Foi nessa transição para se tornar adulto que se relacionou mais com a comunidade portuguesa em Washington D.C. O ponto de conexão foi a Igreja Católica, mas depois alargou-se de tal forma que criou a National Organization for Portuguese Americans em 2009.

Gosta de política, mas tinha deixado de se envolver há alguns anos porque não sentia que podia fazer a diferença. “Os partidos estavam a velejar a América”, critica. Mas continuou a achar que as eleições são muito importantes e cultivou os contactos que tinha criado na política. Recorreu a esses contactos quando se interessou pela campanha de Trump, um interesse comum aos estrategas do republicano que viram em Francisco Semião uma mais-valia para expandir a campanha às minorias.

O que explica que as pessoas apoiem o Trump?

Maria Isabel já vive nos Estados Unidos há 50 anos. Conhece bem o descontentamento existente com as políticas atuais, principalmente porque não acredita nos números do desemprego que são lançados semanalmente.

“Por ter sido bancária percebo mais de números do que a população em geral. Se um americano não estiver a receber o subsídio de desemprego, já não conta. Existem 95 milhões de americanos sem emprego. São 10 ‘Portugais’. O Presidente [Obama] não fala sobre isso porque isso reflete a política dele”, critica.

Assume que Trump é “mau” — até o classifica de “louco” — mas aprecia o seu passado enquanto empresário. “O Donald Trump criou uma indústria fenomenal. E fê-lo mais depressa do que o estimado e a um preço mais baixo do que o esperado. Eu admiro isso”, confessa, ao mesmo tempo que vinca a necessidade de Trump ser mais diplomático.

Existem 95 milhões de americanos sem emprego. São 10 ‘Portugais’.

Maria Isabel, banqueira

Esse fator aliado à noção de que existe um “grande problema económico” nos EUA ajudou a luso-americana a decidir a sua intenção de voto. “Quando a América está com problemas económicos, o mundo está com problemas. Se pararmos de comprar aos chineses, estariam numa alhada. Somos os polícias do mundo. O Trump vai ser o presidente que não se vai querer envolver nos assuntos externos”, clarifica.

Francisco Semião utiliza o mesmo argumento económico. O luso-americano faz parte da Coligação Nacional para a Diversidade da campanha presidencial de Donald Trump e do departamento do Comité Nacional Republicano dedicado à população hispânica. Nunca teve contacto direto com o candidato, só fala com os conselheiros da campanha, mas é realista quando a um ponto: “Eu não acredito em tudo o que Donald Trump diz”.

No futuro, se Trump for Presidente dos EUA, “vai ter de haver um equilíbrio”, avisa, para que o povo americano não seja prejudicado pelo que Trump diz. “O que ele quer fazer é que os acordos estabelecidos sejam benéficos para o país, algo que não tem sido a prática anteriormente pelo establishment“, critica, referindo-se aos acordos comerciais que o candidato republicano promete rever, refazer ou até revogar caso se provem negativos para a economia norte-americana.

O lapso feminino de Trump

O escândalo da gravação de Donald Trump a fazer “conversa de balneário” foi o que teve mais impacto nos seus apoiantes, principalmente os apoios de peso do Partido Republicano. Os comentários xenófobos ou racistas em relação a algumas minorias não tiveram uma reação tão impactante. Isso só é explicado pelo facto dos direitos das mulheres serem, neste momento, um dado adquirido e sagrado nos EUA.

Em 2012, Maria Isabel votou em Obama. “Sentia que as relações entre os pretos e os brancos iam mudar com essa eleição”, confessa ao ECO. O mesmo não pode acontecer na relação das mulheres com os homens na eleição de Hillary? “Como uma mulher, não. Eu vou fazer 60 anos, mas quando comecei no setor bancário as mulheres não tinham cargos de topo. Eu percebo que as mulheres da minha geração votem nesse sentido [em Clinton] porque sentiram essa diferença”, explica, referindo que atualmente essa diferença desvaneceu e que as novas gerações estão imunes a isso.

“Há mais mulheres do que homens a licenciarem-se nos EUA. E os millennials não estão necessariamente a votar em Hillary. Estavam a votar no Bernie Sanders”, argumenta. Além disso, a banqueira identifica um problema que a afasta de Clinton: a investigação do FBI aos emails. “Não gosto quando mentem na minha cara. Não gosto da Fundação Clinton porque não foi criada para ajudar ninguém, a não ser os amigos da política”, acrescenta.

Já Francisco Semião diz não acreditar que “as coisas vão ao extremo” quando é confrontado com as declarações de Trump. Semião defende-se com o papel do Congresso, o principal obstáculo de Barack Obama durante os oito anos que esteve à frente dos Estados Unidos.

Ele diz o que pensa. O problema que tivemos até agora é que os políticos diziam o que nós queríamos ouvir, mas faziam uma coisa diferente.

Francisco Semião, gestor de um hospital

É por isso que existe um Congresso. Ele é político há pouco tempo. Não fez carreira na política como outros mais refinados. Ele diz o que pensa. O problema que tivemos até agora é que os políticos diziam o que nós queríamos ouvir, mas faziam uma coisa diferente”, explica. Honestidade é a palavra de ordem. É o sentimento que domina os eleitores de Trump quando o ouvem.

Além de se defender com o profissionalismo que Trump revelará quando for eleito, o luso-americano diz que muita da culpa dos escândalos é dos media. “Os media tem enviesado as mensagens. Não são imparciais”, critica Francisco Semião, especificando o caso dos defensores dos direitos às armas: “Fazem com que pareçam idiotas”. Semião acusa ainda os media norte-americanos de se focarem nos escândalos de Donald Trump e pouco nos de Hillary Clinton. “Há uma falta de balanço no foco dos media”, remata.

Clinton: um Obama to be continued?

Maria Isabel partilha do sentimento de anti-establisment que domina os apoiantes de Donald Trump. Ele é um estrela de televisão, tem cuidado no aspeto visual mas é desastroso com as palavras, como pede a trash tv americana. É Trump quem os convence, pela inércia, que será um melhor presidente do que Clinton, uma dama de continuação no jogo político americano.

Ao ECO, a bancária fala da desilusão com Obama no Médio Oriente, “algo que afeta mais os europeus do que os americanos”, avisa, referindo-se aos ataques terroristas. “A Europa está a pagar o preço”, diz. E sabe do que fala. A 11 de setembro de 2001 estava a alguns quarteirões do World Trade Center. O andar 106º fazia parte do seu quotidiano: era lá que trabalhava até ter mudado um mês antes do ataque.

Sentiu um estrondo, mas pensou que seria o metro. Avisaram-lhe que um avião tinha batido numa das Torres Gémeas, mas não atingiu a gravidade da situação no momento. Quando abriu a porta do seu novo escritório, em Manhattan, a primeira coisa que os seus olhos viram foi o embate do segundo avião na segunda torre.

Vi pessoas saltarem. Ninguém consegue perceber a não ser quem viu.

Maria Isabel, banqueira

“Vi pessoas saltarem. Ninguém consegue perceber a não ser quem viu. Para quem viu na televisão foi quase como ver um filme. Nunca mais somos os mesmos”, explica ao ECO, revelando que também isso pesa no pensamento que atualmente tem em relação à realidade política e económica norte-americana.

O relato é impressionante: “Eu deixei de trabalhar na banca e nos mercados depois de 30 anos porque não queria estar em Manhattan todos os dias. Estava à espera de alguma coisa explodisse todos os dias. Eu estive em choque durante dois anos por causa da realidade que eu vi. E o cheiro… Não consegui deixar de o sentir durante anos. Eu não conseguia cheirar churrasco (barbecue)”.

É uma situação semelhante que prevê que aconteça na Europa caso ninguém atue no Médio Oriente. “Às vezes é preciso fazer coisas que não são populares para se ser um bom presidente”, defende. Queria que Obama se tivesse envolvido mais. É a favor do lema “fix it or leave it” (resolvam ou deixem em paz). “Não podemos continuar a ter soldados americanos sem braços ou pernas. Parte-me o coração”.

“Eu percebo que as pessoas que não vivem nos EUA não percebam o que o Trump diz”, explica ao ECO. É uma realidade que não conhecem e que Maria Isabel sentiu e sente na pele todos os dias.

Editado por Paulo Moutinho

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