Esta noite vai haver chuva de Estrelas… Michelin
O Guia Michelin vai, uma vez mais, distinguir restaurantes de referência, em Girona. O ECO falou com quatro chefes portugueses para saber quais poderão ser apostas desta noite. E não só.
Michelin faz-lhe lembrar os pneus? Tudo começou aí. Mas hoje em dia, Michelin é muito mais do que a fábrica de pneus criada pelos irmãos Édouard e André em Clermont-Ferrant, na França de 1900. Na altura, e face aos apenas cerca de 2.200 carros em circulação, os irmãos Michelin depressa perceberam que o negócio dos pneus dificilmente cresceria como sonhavam.
A resposta para a desejada escalabilidade surgiu com um novo nicho de mercado: os irmãos decidiram apostar num guia impresso onde os condutores podiam encontrar mapas, postos de combustível e oficinas, hotéis e restaurantes ao longo do caminho. Só que a ideia não era propriamente ajudar e orientar: os dois irmãos queriam antes fazer com que, ao percorrerem maiores distâncias, os condutores gastassem os pneus e procurassem os seus serviços da fábrica.
A impressão dos primeiros 35.000 exemplares, apenas dedicada a França, foi oferecida gratuitamente mas o sucesso não foi imediato: os guias começaram a ser vendidos alguns anos depois, em 1920, pelo equivalente a um euro mas, ao mesmo tempo que iam obtendo feedback dos leitores, os fundadores foram aumentando as sugestões gastronómicas. Hoje, Michelin quer dizer mais do que o guia inicial: é um selo gastronómico, onde são atribuídas estrelas a restaurantes de referência. Esta noite, mais uma vez, o Guia Michelin vai fazer brilhar alguns restaurantes em Portugal e Espanha com uma, duas ou três estrelas, que serão distinguidos na entrega dos prémios, numa cerimónia em Girona.
Esta quarta-feira podem duplicar-se as distinções portuguesas, segundo anunciaram os organizadores do Guia este ano, citados pelo espanhol ABC. O guia de 2016 incluía 14 restaurantes portugueses distinguidos, e não ainda há certezas sobre se aquilo que vai duplicar é o número de restaurantes portugueses com estrela Michelin (que até agora são 14) ou o número de estrelas atribuídas ao país, que são 17 (existem três restaurantes com duas estrelas cada).
“A preocupação tem de ser ganhar a estrela e mantê-la”, explica Leonel Pereira ao ECO. O chef do restaurante São Gabriel, no Algarve, considera que “é uma falta de respeito quem ganha uma estrela estar logo a pensar na outra” e que isto faz com que a euforia possa levar restaurantes premiados à falência.
![Chef Leonel Pereira - São Gabriel](https://ecoonline.s3.amazonaws.com/uploads/2016/11/chef-leonel-pereira.jpg)
O que é preciso para ter uma estrela Michelin?
Uma estrela atribuída significa “restaurante muito bom na sua categoria”, duas significam “excelente cozinha”, e “cozinha excecional” para as três estrelas. A atribuição das estelas tem por base uma avaliação de um dos 12 inspetores da empresa, o chamado “guia vermelho”, cuja visita é feita em anonimato aos restaurantes. Durante a visita, os inspetores avaliam critérios como a qualidade dos produtos servidos, o ponto de cozedura, os sabores, a criatividade, e a relação entre a qualidade e o preço dos pratos.
A preocupação tem de ser ganhar a estrela e mantê-la.
As apostas para esta noite estão feitas. Para Miguel Laffan, chef do restaurante L’AND, tentar adivinhar os chefs distinguidos desta noite é “pura especulação”. “Diria que em Lisboa será o Henrique Sá Pessoa (com o restaurante Alma), Alexandre Silva (LOCO) e, no norte, o Rui Paula (Boa Nova)”.
Rui Silvestre, chef do Bon Bon, que, na edição passada conquistou a sua primeira estrela Michelin, acrescenta o chef Vitor Matos, do restaurante Sensory Tasting. “Já chegou a vez dele, porque estão a fazer um trabalho constante e são chefs já com carreira, e reconhecidos. Algum dia tinha de chegar a hora deles e acho que é este ano”.
![Chef Rui Silvestre , Bon Bon](https://ecoonline.s3.amazonaws.com/uploads/2016/11/silvestre-10120.jpg)
Marlene Vieira, cujo restaurante homónimo se situa no Mercado da Ribeira, não partilha destas opiniões e considera que esta noite as estrelas vão brilhar para Pedro Pena Bastos, da Herdade do Esporão. “Não acredito que o Henrique [Sá Pessoa] ou o Alexandre [Silva] ganhem, porque são projetos com menos de um ano”, explica a chef ao ECO.
O essencial, considera Marlene Vieira, é ter “um projeto sólido”. “Há restaurantes que não aguentam o primeiro ano e os inspetores deixam claro que é preciso saber se o projeto tem pernas para andar”, acrescenta.
![Chef Marlene Vieira, com um restaurante com o seu nome no Mercado da Ribeira](https://ecoonline.s3.amazonaws.com/uploads/2016/11/m.jpg)
A ideia de Portugal vir a duplicar o número de estrelas é “fantástica”, mas “uma valorização tardia”, adianta a chef. “Há grandes restaurantes há muito tempo, mas era pior se esta valorização nunca chegasse”, justifica. “Vai abrir uma porta a muitos restaurantes médios e de luxo, espaços minimalistas e acolhedores”, acrescenta Leonel Pereira.
Nos últimos anos, a evolução do setor para estes quatro chefs é notória, sobretudo devido à formação que muitos cozinheiros trazem do estrangeiro. “A valorização do trabalho de um chef está cada dez mais claro e apreciado”, refere Miguel Laffan, que já trabalhou na França, Espanha e Brasil. Estar fora de Portugal ajudou-o a ter uma “ideia de futuro” e, segundo contou ao ECO, foi extremamente benéfico.
"A valorização do trabalho de um chef está cada dez mais claro e apreciado.”
Ir para fora é a escolha da grande maioria dos chefs de cozinha. Rui Silvestre também trabalhou na França e Hungria. Sair de Portugal foi “a melhor coisa que podia fazer, em 2008, quando o país atravessava um período de crise e havia poucas oportunidades de trabalho, sobretudo para um jovem recem licenciado como eu”, explica.
![Chef Miguel Laffan, Land](https://ecoonline.s3.amazonaws.com/uploads/2016/11/chef-miguel-laffan_restaurante-land.jpg)
Marlene também se formou na Escola de Hotelaria de Santa Maria da Feira, que fechou há dois anos em 1995 foi considerada a melhor do país, e depois ganhou uma bolsa de estudo para estagiar numa escola no Porto. Depois esteve dois anos em Nova Iorque. A formação e o trabalho no estrangeiro são importantes e, para a chef, o ensino em Portugal “podia ser melhor”.
“O ensino é muito curto, e agora que sou formadora de cozinha na Escola de Lisboa vejo que o curso de um ano e meio é muito pouco tempo. Ninguém sai de lá cozinheiro, sai ajudante de cozinha”, explica Marlene. Para a chef, numa turma de 27 ou 28 pessoas só dois ou três conseguem vingar no setor.
“Quando os jovens acabam o curso não saem preparados para o mercado, e o problema das escolas é que falham nessa parte da formação, e depois dos hotéis e dos restaurantes nos quais vão estagiar, porque (enquanto restaurante) somos pressionados para nunca chumbar alunos e isso complica as coisas”, explica Rui Silvestre.
As coisas mudaram nos últimos anos e, segundo o chef, já é “possível vingar em Portugal, porque já há restaurantes muito melhores e há chefs que vieram de fora e têm outros métodos de trabalho muito mais rigorosos”.
Leonel Pereira já foi o “Chefe Revelação” no Brasil, formou-se na escola de hotelaria do Algarve. “Em Portugal não se formam chefes, e isto tem de ser contado a quem vai para a escola de hotelaria”, explica Leonel. Por cá formam-se “cozinheiros e ajudantes de cozinha. Ser chefe é a consequência disto”. Há uma formação secundária, em áreas como a de Recursos Humanos, de que Leonel falou ao ECO, que acabam por ser importantes para liderar.
Texto editado por Mariana de Araújo Barbosa ([email protected])
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