Bruxelas: Portugal não fez ajustamento estrutural do défice
A Comissão Europeia estima que o défice ficou em 2,3% do PIB, em 2016. Mas em termos estruturais, não houve ajustamento face a 2015. Bruxelas está menos otimista que o Governo para este ano.
O défice orçamental terá ficado em 2,3% do PIB em 2016, estima a Comissão Europeia, nas Previsões de Inverno, divulgadas esta segunda-feira em Bruxelas. Contudo, descontando tanto os efeitos de medidas extraordinárias, como os efeitos do ciclo económico, os peritos comunitários dizem que não houve qualquer ajustamento face a 2015. Para 2017 Bruxelas está menos otimista que o Governo.
Portugal cumpriu as metas orçamentais impostas por Bruxelas? Tudo indica que sim. A meta imposta pelos peritos para o défice global — o valor que conta com todos os efeitos, sejam eles extraordinários, fruto do andamento económico, ou estruturais — foi cumprida. Na última recomendação feita ao país, a Comissão Europeia tinha exigido um défice de, na pior das hipóteses, 2,5% do PIB. Ora, a julgar pelas estimativas dos peritos de Bruxelas, o défice deverá ter ficado em 2,3%.
Tanto o primeiro-ministro, António Costa, como o ministro das Finanças, Mário Centeno, tinham apontado para um valor de défice “abaixo de 2,3% do PIB”, por isso, a confirmar-se a estimativa de Bruxelas, o défice ficará apenas ligeiramente acima da última referência dada pelo Executivo. A meta inicial definida pelo Governo para o défice do ano passado (em fevereiro) tinha sido de 2,2% e a estimativa feita em outubro do ano passado, que serviu de base à construção do Orçamento do Estado para 2017, tinha sido de 2,4% do PIB.
Seja como for, quer dizer que o défice do ano passado já está abaixo do limite de 3% do PIB, imposto pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento. Esta é a primeira condição para o país sair do Procedimento por Défices Excessivos, um objetivo que o Executivo já tem vindo a dar por garantido. A segunda condição é que a tendência de descida se mantenha no horizonte de projeção e aqui o caso é mais dúbio: Bruxelas prevê que o défice recue para 2% em 2017 (um valor mais pessimista do que a meta de 1,6% assumida pelo Governo) mas que aumente para 2,2% em 2018.
Há ainda outra meta que tinha sido definida pela Comissão Europeia e que Portugal também cumpriu: a do saldo estrutural. No âmbito do Pacto de Estabilidade e Crescimento, os países do euro devem convergir para os seus objetivos de médio prazo para o défice orçamental. No caso português, quer dizer que o saldo orçamental estrutural deveria melhorar 0,6 pontos percentuais, em 2016. Contudo, em julho, a Comissão Europeia reviu esta meta para um ajustamento nulo. Ora, este objetivo parece ter sido cumprido. Este indicador — que desconta o efeito de medidas extraordinárias, mas também do ciclo económico, e que é alvo de forte controvérsia por ser de difícil apuramento — ficou inalterado face a 2015, em 2,2% do PIB.
"A receita abaixo do esperado no Orçamento foi parcialmente compensada por receitas fiscais adicionais (0,25% do PIB) do programa de pagamento de dívidas PERES e pela contenção generalizada da despesa, em particular devido ao investimento público.”
“A receita abaixo do esperado no Orçamento foi parcialmente compensada por receitas fiscais adicionais (0,25% do PIB) do programa de pagamento de dívidas PERES e pela contenção generalizada da despesa, em particular devido ao investimento público”, lê-se no relatório.
Ou seja, Portugal não ajustou o défice, em termos estruturais. Em 2015 o país não cumpriu este requisito de Bruxelas, tendo mesmo degradado este indicador: o défice estrutural piorou 0,5 pontos percentuais, contribuindo para a abertura do procedimento de sanções.
Quer dizer que os números apresentados por Pedro Passos Coelho, presidente do PSD, sobre o défice sem a ajuda de medidas extraordinárias estavam certos? Não. O líder da oposição calculou esse indicador em 3,4% do PIB, mas a Comissão Europeia estima esse défice em 2,6% do PIB. O ECO também já tinha dito que só por sorte a estimativa do ex-primeiro-ministro estaria correta. Ou seja, as medidas extraordinárias são estimadas em cerca de 0,3 pontos percentuais do PIB.
Ajustamento tem de continuar: há riscos negativos
Do relatório de Bruxelas resulta ainda que o esforço de consolidação orçamental ainda não pode ser dado por terminado, mesmo que o país já tenha conseguido cortar o défice para menos de 3% do PIB. É que sem alteração de políticas, os peritos antecipam que Portugal volte a ver o défice subir.
“Assumindo um cenário de políticas inalteradas, tanto o défice orçamental global como o saldo estrutural se vão deteriorar ligeiramente em 2018”, avisa o documento.
"Os riscos para o cenário orçamental são negativos, ligados a incertezas em torno do cenário macroeconómico e aos impactos potencialmente negativos de medidas de apoio ao setor bancário.”
Para este ano, a estimativa é a de uma ligeira degradação do saldo estrutural (na casa de um ponto percentual), mesmo que o défice global continue a cair. A isto, os peritos somam ainda riscos negativos, que resultam de “incertezas em torno do cenário macroeconómico” e de “impactos potencialmente negativos de medidas de apoio ao setor bancário”. Ou seja, a saída do PDE ainda não está completamente garantida.
Quanto à dinâmica da dívida, as estimativas coincidem genericamente com o que tem vindo a ser assumido pelo Governo. O rácio deverá subir para 130,5% do PIB, “sobretudo por causa de emissões mais elevadas de dívida pública para a recapitalização do banco público que está em curso”. Em 2017 a Comissão estima uma descida para 128,9% do PIB, seguida de nova redução para 127,1% em 2018, “devido a excedentes orçamentais primários e crescimento económico continuado”.
(Notícia corrigida às 13h50 com a revisão da meta definida pela Comissão Europeia, em julho. Nessa data, a Comissão deixou de exigir uma melhoria de 0,6 pontos percentuais do saldo estrutural e passou a exigir apenas a manutenção do saldo inalterado.)
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