Centeno convenceu alguém? Nem por isso

Mário Centeno falou em "erro de perceção". Convenceu António Costa, que reiterou a sua confiança no ministro das Finanças. Mas não Marcelo Rebelo de Sousa. E a oposição também não.

“Nunca neguei que houvesse acordo” com António Domingues relativamente às alterações ao Estatuto de Gestor Público (EGP), disse Mário Centeno. “Só que não envolvia a eliminação da entrega nas declarações”, acrescentou, mas admitiu que pode ter havido um “erro de perceção” do ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD). Um erro que António Costa compreendeu, mas não convenceu praticamente mais ninguém. Da esquerda à direita, as explicações deixaram a desejar.

“Admito que possa não ter afastado da perceção” de António Domingues a ideia de que o acordo poderia cobrir de alguma forma a eliminação do dever de entrega de rendimentos, explicou Centeno na declaração pública que fez relativamente à polémica gerada em torno das declarações da anterior administração da CGD. “Estive sempre de boa-fé e conduzi este processo no melhor interesse de Portugal”, diz Mário Centeno, acrescentando que o seu “lugar está à disposição desde o dia em que iniciei funções”.

Deixou o lugar à disposição, mas ainda decorria a conferência de imprensa já o primeiro-ministro saia em sua defesa. António Costa foi o primeiro a reagir aos esclarecimentos de Centeno, mas também o único, até agora (ainda não foi possível obter uma reação por parte do Partido Socialista), a ficar convencido com os argumentos utilizados pelo ministro das Finanças. Restam dúvidas à esquerda, ainda que os discursos sejam moderados, mas especialmente à direita. E ao Presidente da República também.

António Costa vê “grande valia” em Centeno

O Governo foi o primeiro a vir dar o seu apoio a Mário Centeno, logo após as declarações do ministro das Finanças a propósito das polémicas em torno da CGD. Enquanto o “erro de perceção” continua a causar perplexidade, António Costa aceitou as explicações de Centeno relativamente a todo este processo, ficando sem dúvidas quanto à “boa-fé” na forma como conduziu a alteração ao EGP, revisão essa vital para a tomada de posse da administração de António Domingues.

“Esclarecida a lisura da atuação do Governo, nada justifica pôr em causa a estabilidade governativa e a continuidade da sua politica, para o que o contributo do professor Mário Centeno continua a ser de grande valia“, disse António Costa. Essa mesma valia foi transmitida pelo primeiro-ministro ao Presidente da República que, fora de horas, veio validar a continuidade de Centeno no Executivo, mas sem ficar muito convencido sobre a atuação do ministro das Finanças.

Centeno fica, mas só pela “estabilidade financeira”

Num comunicado publicado no site da Presidência, Marcelo Rebelo de Sousa revelou que “recebeu, a pedido do senhor primeiro-ministro, o senhor ministro das Finanças que lhe deu conhecimento prévio da comunicação que iria fazer ao país”. Diz que foi confirmado no encontro com o ministro das Finanças a “posição do Governo quanto ao facto de a alteração do Estatuto do Gestor Público não revogar nem alterar o diploma de 1983”, mas o Presidente não ficou inteiramente convencido. Mas salvou Centeno.

O primeiro-ministro comunicou “manter a sua confiança” em Centeno, situação que levou o Presidente da República a “aceitar tal posição, atendendo ao estrito interesse nacional, em termos de estabilidade financeira”. Ou seja, no sentido de evitar turbulência nos mercados que poderia castigar o país, penalizando a banca, o Presidente deixou Centeno ficar no cargo. Mas pelos vistos só por causa dos mercados.

PSD ataca. Quer SMS de Centeno

Marcelo Rebelo de Sousa limitou-se a dizer… o que o primeiro-ministro lhe disse. E Passos? Também não ficou satisfeito com as explicações de Centeno. Para o líder do PSD, “mais valia dizer abertamente que o Governo esteve empenhado em criar um regime feito à medida das exigências que um conjunto de administradores colocaram ao Governo, que, de resto, não se importou de aprovar um Decreto-lei que foi feito num escritório de advogados”.

O PSD anunciou mesmo que vai requerer a António Domingues a transcrição das mensagens escritas que trocou com o ministro das Finanças, para clarificar a “extensão da mentira de Mário Centeno”, mas também o envolvimento do primeiro-ministro. Uma mentira, segundo o principal partido da oposição que abalou o Centeno, mas também o Governo. É óbvia a “enorme fragilidade em que o ministro das Finanças se encontra“, disse Passos Coelho.

Erros de perceção? CDS quer saber se foram (mesmo) erros

O PSD atacou. E o CDS também não ficou para trás. O deputado João Almeida quer mais esclarecimentos do ministro das Finanças, duvidando da veracidade das declarações de Mário Centeno. Disse, em conferência de imprensa, que é “importante saber se estes erros de perceção efetivamente existiram ou se não existiram”. Ou seja, se foram erros ou foi algo premeditado.

O CDS quer saber se em todo este processo da CGD houve “mais do que erros de perceção. O país já percebeu que até chegarmos ao erros de perceção passamos um longo caminho que começou com certezas absolutas”, referiu João Almeida, para quem Centeno não tem já grandes condições de se manter no cargo de ministro das Finanças. A “degradação das condições que o ministro das Finanças tem para o exercício do mandato. É mau para o Governo e é mau para o país. Porque nenhum país deve ter um ministro das Finanças fragilizado e essa responsabilidade é do próprio e de quem reitera a confiança”, disse.

Se Centeno fez algo de errado, PCP será “crítico”

Se à direita são duras as críticas às explicações de Mário Centeno, à esquerda, nos partidos que suportam o Governo de António Costa, também há algumas reticências relativamente à atuação do ministro das Finanças. O PCP também não ficou convencido. E a prova é que, em comunicado, o partido liderado por Jerónimo de Sousa, diz que “a ter existido uma outra atitude do Ministro das Finanças ela confronta-se com a posição e a crítica do PCP“.

Os comunistas recordam, nesse mesmo documento, que sempre se pronunciaram “pela exigência da apresentação de declaração de rendimentos por António Domingues, ex-presidente da CGD”.

Centeno? Não houve “nenhum facto novo”

Mais comedido que o PCP, o Bloco de Esquerda defendeu que não houve “nenhum facto novo” sobre a CGD, um dossiê que, lamentou, vem sendo “mal gerido”. Apesar da crítica, a coordenadora do BE, Catarina Martins, alinhou com a posição de Mário Centeno, mas também de António costa, salientando que “foi derrotada qualquer visão” de fuga à “transparência” pelos gestores do banco público, recusando fazer qualquer avaliação sobre as condições, ou não, para a manutenção de Centeno na pasta das Finanças.

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