“Sell in May and go away”. Ou talvez não
As principais bolsas somam e seguem em 2017. Apesar dos riscos, os analistas estão otimistas, sobretudo face às ações europeias, no próximo verão. Para a bolsa lusa, não é tão claro que seja assim.
Tal como os ditados populares orientam a vida de muitas pessoas, há alguns adágios que também tendem a reger o comportamento dos investidores. Com os pés já em maio e o verão já ao virar da esquina, chega a ocasião de os investidores decidirem se, este ano, devem respeitar o adágio dos mercados “sell in May and go away, and come on back on St. Leger’s Day”. Ou seja, venderem em maio os seus investimentos e só regressarem às bolsas depois do feriado de St. Leger, no final de setembro.
Em muitos anos, o velho adágio revelou-se certeiro, resta se saber se assim será este ano, seja nos principais mercados acionistas internacionais, como na própria bolsa portuguesa. Há muitas casas de investimento que acreditam que os investidores não devem fugir do mercado, apesar dos diversos riscos a que a que estarão expostos ao longo do próximo verão.
Em termos históricos, a decisão de sair do mercado em maio e só regressar no final de setembro tendeu a ser a mais acertada. A realidade mais recente das bolsas suporta isso mesmo. Nos últimos três anos, a decisão de sair revelou-se sempre certeira tanto no mercado acionista europeu, como em específico na bolsa nacional. Em 2014, 2015 e 2016, o índice Stoxx Europe 600 — que agrega as 600 maiores capitalizações bolsistas europeias — recuou 0,34%, 13,03% e 1,3%, respetivamente, entre o final de maio e o fim de setembro. Em Portugal, o cenário de perdas foi ainda mais notório. O PSI-20 acumulou, nos mesmos períodos, desvalorizações de 19,29%, 13,57% e 7,27%, respetivamente.
O último verão nas bolsas
Só no caso do mercado acionista norte-americano, o adágio não se revelou tão certeiro. Em apenas um, dos últimos três anos, as ações norte-americanas apresentaram perdas. Em concreto em 2015, ano em que o índice S&P 500 deslizou 8,89%. Em 2014 e 2016, os meses do verão ditaram ganhos de 2,53% e 3,4%, respetivamente.
Aliás, no caso do índice de referência dos Estados Unidos, o adágio “sell in May and go away” poderá estar mesmo a ficar ultrapassado. Uma análise do histórico índice S&P 500, feita por Andrew Adams, estratega de mercados da Raymond Jones, assim o parece indicar. O estratega debruçou-se sobre os retorno do S&P 500 no período entre maio e setembro, desde 1990, concluindo que estes foram em média de 0,01%, mas que em 17 desses anos, o índice norte-americano somou ganhos. “Recebo um grande número de perguntas das pessoas que questionam o que devem fazer por causa desta peculiaridade estatística, e minha resposta vai no sentido de a ignorarem e focarem-se no que está a acontecer agora“, escreveu Andrew Adams, numa nota de research publicada há cerca de duas semanas, citada pela Business Insider.
O que esperar nas bolsas?
Focar no que está a acontecer agora é precisamente o que as maiores casas de investimento estão a fazer. Entre os principais fatores que estas consideram vir a poder condicionar pela negativa as respetivas expectativas para os próximos meses estão as questões geopolíticas a nível global. Mais em concreto, o crescendo da tensão entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte, a instabilidade dos governos em países como a Itália e a Turquia. Mas também a agenda eleitoral europeia, marcada pela emergência do populismo, como é o caso das eleições presidenciais francesas. Um dos principais riscos para os mercados seria a escolha da populista Marine Le Pen para a presidência de França.
Vemos o risco político como exagerado. As ações europeias poderão beneficiar perante o acordar dos investidores para a recuperação económica da região.
Relativamente ao risco político na Europa, a maioria das casas de investimento não passa ao lado, mas mostram-se confiantes de que os principais receios acabarão por não se concretizar e que não terão impacto negativo sobre as ações. “Vemos o risco político como exagerado. As ações europeias poderão beneficiar perante o acordar dos investidores para a recuperação económica da região”, salienta a BlackRock no seu outlook de investimento para o segundo trimestre deste ano. Esta opinião é partilhada pela direção de investimentos do Banco Best. “Os resultados da 1ª volta das eleições presidenciais em França produziram um efeito positivo a nível da confiança dos investidores, quer na vertente dos mercados de ações, quer na componente do mercado de dívida”, explica a equipa de investimentos do banco português.
Os dados positivos sobre o crescimento económico, não só na Europa, como a nível global são os principais argumentos que levam Sean Darby, responsável pela estratégia global de ações da Jefferies, a não acreditar que este ano o adágio “sell in may and go away” se venha a aplicar. “Pensamos que o crescimento global deverá surpreender no sentido de um potencial de subida“, afirmou ao ECO Sean Darby. “Ainda sentimos que melhores números sobre os resultados na Europa e nos mercados emergentes estão para surgir”, acrescentou o mesmo responsável, recomendando os investidores a privilegiar o investimento na Europa e nos mercados emergentes neste verão. Já o Reino Unido e os Estados Unidos, são mercados que recomenda evitar, dizendo que “parece que o Sr. Trump descobriu que será muito difícil decretar quaisquer reformas”.
"Pensamos que o crescimento global deverá surpreender no sentido de um potencial de subida. Ainda sentimos que melhores números sobre os resultados na Europa e nos mercados emergentes estão para surgir.”
No mesmo sentido vai a opinião da BlackRock. “O contexto dos resultados é particularmente forte no Japão e nos mercados emergentes, e sólido na Europa. Isto suporta a nossa preferência por ações dessas regiões”, explica o banco de investimento no seu outlook de investimento para o segundo trimestre deste ano.
A confiança no potencial do mercado acionista europeu é transversal a muitas casas de investimento, que consideram que é hora de voltar costas ao mercado acionista norte-americano, marcado por recentes recordes históricos, mas também pela incerteza em torno das políticas de Donald Trump, apesar do recente anúncio da intenção de baixar para 15% a taxa de IRC poder constituir um reforço da confiança dos investidores, pelo efeito que pode gerar no aumento dos lucros das empresas.
Relativamente ao rumo dos mercados acionistas nos próximos meses, o Bankinter é uma das instituições com uma postura mais conservadora. O banco espanhol acredita que o segundo trimestre será de consolidação, antevendo mesmo a possibilidade de uma ligeira correção nesse período. Contudo, o banco espanhol aconselha os investidores a “manter o sangue frio” e “não desfazer posições em bolsa” nesse período. “Devemos estar preparados para um segundo trimestre mais fraco, possivelmente marcado por um profit taking nas ações. Contudo, isto não é necessariamente mau, uma vez que uma possível consolidação do mercado até ao verão, mesmo que implique uma ligeira correção nos índices globais, permitirá obter alguma margem de progressão para a segunda metade do ano“, antevêem os analistas do Bankinter.
E em Portugal, como será?
Num contexto que parece favorecer um potencial de ganhos, sobretudo para as ações europeias, nos próximos meses resta saber como fica a praça lisboeta. As opiniões dos vários especialistas portugueses contactados pelo ECO não vão no sentido de uma grande euforia na praça nacional. Até pela recente história do índice.
No regresso das férias de verão os investidores não têm encontrado um quadro muito bonito na praça bolsista nacional. Os últimos três anos são exemplificadores disso mesmo. Entre o final de maio e o final de setembro, de 2014, 2015 e 2016, o PSI-20 sofreu sempre perdas acentuadas. Em 2014, foi o pior cenário, com o índice bolsista nacional a recuar no período estival perto de 20%. Foi um verão muito quente na praça lisboeta que fica marcado pela queda do BES, no início de agosto. Os anos que se seguiram apresentaram registos menos dramáticos, mas sempre com o vermelho a marcar a negociação. Em 2015, o PSI-20 recuou cerca de 13,5%, entre o final de maio e o final de setembro. No mesmo período, mas de 2016, o índice de referência da bolsa nacional perdeu um pouco mais de 7%.
Entre os analistas nacionais, o Banco Carregosa é aquele que apresenta a visão menos otimista face ao rumo da bolsa nacional durante os próximos meses. Paulo Rosa, economista e trader do Banco Carregosa, considera que “é provável” que se mantenha o velho adágio das bolsas neste verão. “Existem vários fatores que nos levam a pensar assim: desde o crescimento abaixo dos 2% da economia nacional, à dívida pública de 130% do PIB nominal e ao fim da época de pagamento de dividendos de todas as empresas do PSI-20 no início de junho. Paulo Rosa acrescenta ainda a postura cada vez menos fortemente “dovish” (expansionista) do Banco Central Europeu, considerando que esta poderá afastar os investidores das bolsas, nomeadamente da nacional.
Para além das incertezas políticas, a falta de liquidez deverá ser o principal motivo para um desempenho menos satisfatório da bolsa portuguesa durante o período estival.
A incerteza geopolítica é outro dos elementos que o trader do Banco Carregosa prefere incluir no seu conjunto de preocupações. “A incerteza geopolítica a nível mundial também pode ser um entrave à sustentabilidade dos índices norte-americanos e dos principais europeus e, por arrasto, à bolsa nacional. Depois das eleições presidenciais em França a 7 de maio, as legislativas em junho, teremos eleições na Alemanha a 24 de setembro. As incertezas no que concerne à reação dos EUA em relação à Coreia do Norte são outro foco de grande instabilidade e receios”, alerta Paulo Rosa.
A baixa liquidez do mercado acionista nacional é outro dos motivos de preocupação salientados pelo responsável do Banco Carregosa. “Para além das incertezas políticas, a falta de liquidez deverá ser o principal motivo para um desempenho menos satisfatório da bolsa portuguesa durante o período estival”, acredita Paulo Rosa. O trader lembra que a liquidez tem vindo a diminuir ao longo dos últimos anos em todos os meses do ano, salientando que o verão não é exceção.
Também Pedro Lino, antecipa a possibilidade de uma travagem da bolsa nacional neste verão. “Após vários meses de fortes subidas nas bolsas internacionais e de um trimestre bastante positivo na bolsa portuguesa [o PSI-20 fechou o primeiro trimestre com o melhor registo dos últimos dois anos: 7%], é provável que exista uma pausa em junho/julho, afirma o CEO da corretora Dif Broker, após um mês de maio que acredita até pode vir a ser positivo na praça lisboeta, em função do resultado das eleições francesas e desenvolvimento em torno do plano de cortes de impostos nos EUA. A pesar nas expectativas Pedro Lino aponta também a política do BCE.
"Após vários meses de fortes subidas nas bolsas internacionais e de um trimestre bastante positivo na bolsa portuguesa, é provável que exista uma pausa em junho/julho.”
O economista lembra também que a bolsa portuguesa está dependente da evolução de poucos títulos, cujo desempenho estará exposto no verão à execução orçamental, bem como ao risco país e aos lucros apresentados. “Existe a expectativa de uma recuperação sustentada, embora lenta e isso deverá constituir um fator de suporte das ações”, acredita.
Esta opinião é partilhada por Albino Oliveira, da Patris Investimentos. “No que diz respeito a Portugal, será interessante observar se o atual contexto positivo em termos de notícias para o país (execução orçamental, aceleração no ritmo de expansão da economia) poderá traduzir-se, por exemplo, num período de redução no prémio de risco associado ao país. Tal poderia revelar-se um importante suporte para o mercado de ações em Portugal”, salienta. E acrescenta: “Na eventualidade de ocorrer uma redução mais significativa do prémio de risco do país, todo o mercado iria ser beneficiado”. De recordar que os juros da dívida soberana nacional estão abaixo dos 3,6% no prazo a 10 anos, o patamar mais baixo de 2017.
"Na eventualidade de ocorrer uma redução mais significativa do prémio de risco do país, todo o mercado iria ser beneficiado.”
Contudo, só no final de setembro será possível perceber se o velho adágio dos mercados “sell in may and go away” voltou a cumprir-se na bolsa portuguesa, mas também nos restantes mercados acionistas. É que, tal como refere a direção de investimentos do Banco Best, “os adágios não poderão ser entendidos como uma garantia de desempenhos futuros, dada a dinâmica constante dos mercados financeiros”.
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