Porque é que o Eurostat diz que o défice português é de 0,5%?

  • Margarida Peixoto
  • 22 Julho 2017

Na quinta-feira, o Eurostat revelou que o défice português é de 0,5% no primeiro trimestre. Que número é este, que não bate certo com os dados que tinham sido anunciados pelo INE?

Esta quinta-feira, o Eurostat publicou os défices do primeiro trimestre de 2017 dos vários países da União Europeia. Em Portugal, o défice das administrações públicas é de 0,5% do PIB — o equivalente a cerca de 200 milhões de euros, reportou o organismo estatístico de Bruxelas. Sim, leu bem: 0,5%. Mas, calma, não quer dizer exatamente o que parece.

A 23 de junho, o Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou o défice das administrações públicas portuguesas, nos primeiros três meses deste ano: 2,1% do PIB. Olhando para o valor do ano terminado no trimestre — isto é, para o período entre maio de 2016 e março de 2017 — o défice foi de 1,7% do PIB. Os números apontavam para uma melhoria das contas, com boas possibilidades de o Governo atingir a meta de 1,5% fixada para 2017. Mas não davam nada por garantido: a consolidação terá de continuar e ainda há muito mês para palmilhar até dezembro.

Ora, quatro semanas depois, o Eurostat diz que o défice já é de 0,5% no primeiro trimestre. Como é que isto é possível? É que o défice que Eurostat destacou no seu reporte, que também foi apurado pelo INE, está corrigido de efeitos de sazonalidade e de calendário. Ou seja: o número está ajustado de forma a atenuar o impacto do ritmo diferenciado, ao longo do ano, com que pagamentos e recebimentos se verificam.

Alguns exemplos simples: o pagamento dos juros das Obrigações do Tesouro não acontece de forma igual ao longo de todos os meses, há meses onde se concentram mais cupões, outros menos. O recebimento da receita fiscal também não tem uma cadência regular: há meses em que a coleta é maior porque são de entrega do IVA trimestral, ao contrário dos restantes.

Além disso, também o próprio PIB tem sazonalidade: há meses de atividade económica mais forte do que outros, consoante o país de que se está a falar. Em Portugal, por exemplo, os meses de verão têm um contributo mais forte da atividade do turismo. E esta sazonalidade reflete-se nas receitas e despesas das administrações públicas.

É corrigindo efeitos deste tipo que se chega a um PIB de 0,5% do PIB. Questionado pelo ECO, o INE esclareceu que utiliza modelos probabilísticos (recorre ao método X13-Arima e ao software JDemetra+), em linha com as regras do sistema estatístico europeu. Primeiro ajusta o comportamento da despesa e da receita, depois com os valores ajustados, calcula o saldo.

Não é possível identificar inequivocamente as componentes detalhadas que mais contribuem para o impacto específico do ajustamento num determinado trimestre.

INE

Fonte oficial

“Estes modelos estimam a componente sazonal das séries com base no respetivo comportamento passado, ajustando os efeitos repetíveis regulares tanto na despesa como na receita, a um nível agregado,” explicou fonte oficial, ao ECO. Mas é por este mesmo motivo que não é possível saber, com precisão, quais foram os motivos que justificaram retirar cerca de 700 milhões de euros ao défice: “Não é possível identificar inequivocamente as componentes detalhadas que mais contribuem para o impacto específico do ajustamento num determinado trimestre,” garantiu o INE.

Como ler os 0,5%?

Assim sendo, como é que se lê o número? Por outras palavras: o que quer dizer, na prática, ter um défice ajustado de 0,5% do PIB? Desde logo, o número dá uma indicação sobre o comportamento das contas públicas. Quer dizer que sem contar com a sazonalidade, o défice foi baixo. O histórico deste indicador mostra que não é comum Portugal ter défices ajustados próximos do equilíbrio.

Défices historicamente elevados

Fonte: INE

Também permite comparar de forma mais correta o défice português com a situação orçamental dos restantes países europeus, porque só assim é possível eliminar as irregularidades características dos ritmos de pagamento de cada um.

Como é que Portugal compara com os outros?

Fonte: Eurostat

Olhando para o gráfico, verifica-se que apesar dos 0,5% ser um número baixo tendo em conta o histórico português, em comparação com o resto dos países europeus para os quais há dados fica na segunda metade da tabela.

E como não ler os 0,5%?

O número não serve para efeitos de metas orçamentais. Ou seja, não deve ser comparado com o limite de 3% imposto no Pacto de Estabilidade e Crescimento, nem com os objetivos anuais traçados pelos Governos e acordados com a Comissão Europeia.

O número também não deve ser interpretado como um sinal de que a redução do défice para o objetivo de 1,5% este ano está garantida. Um especialista em contas públicas, que pediu para não ser identificado, explicou ao ECO que o valor lhe merece pouca confiança. O perito explicou que antes de aplicar o método contabilístico de ajustamento dos valores é preciso corrigir, manualmente, a série de dados. E isto implica identificar os fatores extraordinários, as irregularidades, que possam prejudicar o comportamento dos dados e enviesar a identificação do padrão habitual de receitas e despesas. Ora, não é simples garantir a consistência desta análise, pelo que a este especialista o número lhe merece pouca confiança.

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