O ‘best of’ de 1h40 à conversa com Cristina Casalinho

  • Margarida Peixoto
  • 31 Julho 2017

Falou-se de questões de fundo da economia portuguesa, mas também houve tempo para episódios divertidos. Aqui fica o fundamental.

Cristina Casalinho, presidente do IGCP, conta que se pensou em “gizmo” quando se tentou traduzir “geringonça” para inglês. Portugal já fez o trabalho de casa quase todo — mas falta o quase. Cristina Casalinho, presidente do IGCP – Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública, explica que o país mudou estruturalmente e está mais sustentável. Mas falta-lhe baixar a dívida e atar pontas soltas no setor financeiro. Até lá, terá de aguentar um rating com grau de investimento de lixo, uma notação que lhe limita a base de investidores e o obriga a manter uma almofada de liquidez generosa. O ECO resume-lhe o fundamental da conversa de uma hora e 40 minutos com a mulher que controla os 247,3 mil milhões de euros de dívida pública.

“A economia está mais sustentável”

A presidente do IGCP garante que a economia portuguesa “está mais sustentável” e identifica “grandes alterações estruturais.” Explica que há uma “alteração do paradigma de pensamento da própria economia” que já não prescinde do mercado externo, em prol do doméstico, mesmo que este recupere dinamismo. Além disso, nota que o modelo de financiamento das empresas melhorou, com uma proporção maior do recurso a capitais próprios do que o existente no passado.

Cristina Casalinho argumenta também que “parte do crescimento económico” de que Portugal beneficia “radica numa sustentabilidade de níveis de consumo privado em patamares inferiores ao crescimento global do PIB,” mas estáveis e suportados por um mercado de trabalho “bastante mais sólido.” Os principais motores de crescimento são “as exportações e o investimento,” diz e o investimento “é sobretudo orientado para o setor dos bens transacionáveis.” É por tudo isto que Casalinho considera “um mito” a ideia de que o excedente externo atingido pela economia resulta apenas da contenção conjuntural das importações.

“Nunca se está totalmente preparado para o fim do programa do BCE”

É um desafio: a presidente do IGCP assume que “nunca se está totalmente preparado” para o fim do programa de compra de ativos do Banco Central Europeu, que tem dado uma ajuda determinante na redução dos juros no financiamento dos países da zona euro. E no caso português, sem adiantar números, Cristina Casalinho assume que há “evidência empírica” de um impacto desse efeito, tanto a nível do spread exigido pelos investidores para financiar Portugal, como a nível de liquidez.

Procurando antecipar o impacto do fim deste programa, Casalinho explica que há fatores que conferem a Portugal uma “proteção natural”: o modo de construção do programa limitou as compras de dívida portuguesa, de tal modo que este pode reduzir-se para metade “sem que isso afete as compras de Obrigações do Tesouro” por parte do BCE. Além disso, a subida do rating português durante o processo será importante para “contrabalançar” o impacto expectável da subida de juros em toda a zona euro.

Seja como for, “se houver um soluço em Itália ou no mercado espanhol, claramente haverá contágio ao mercado português,” assume.

Melhoria de rating? “Nunca em menos de 12 meses”

Apesar dos progressos, Casalinho não espera uma melhoria de rating já este ano. Atribui pouca relevância à alteração de outlook por parte da Fitch — “gostamos de ter expectativas modestas,” diz. Em setembro a Moody’s e a Standard&Poor’s deverão pronunciar-se sobre a economia portuguesa e para a presidente do IGCP será importante ver nessa altura uma melhoria do outlook.

Está confiante? “O IGCP não gosta de se comprometer,” começa por dizer. Mas acaba por indicar que sim: “Se houver alguma caracterização da evolução recente da economia portuguesa é a de cumprimento e suplantação de metas em praticamente todos os níveis.” Então porque é que as agências demoram tanto tempo a subir o rating? Casalinho assume que há pontos em que o país precisa de melhorar: “Não podemos nunca esquecer que o nível de endividamento em Portugal é elevado,” frisa, salientando como agravantes o facto de Portugal ter uma dependência elevada do seu financiamento no exterior e de ser uma economia pequena.

E enquanto o rating não melhorar, nem pensar em reduzir de forma significativa a almofada de liquidez — esta é uma forma de mitigar o risco que cada vez mais Tesouros utilizam. Ainda assim, não estão excluídas mais amortizações ao FMI ainda este ano, para além dos 2,1 mil milhões de euros planeados.

Dificuldades por resolver: dívida pública, banca e demografia

Ao longo da entrevista, Casalinho foi sublinhando os pontos em que o país precisa de melhorar. Desde logo, precisa de ver a dívida pública baixar. É este ano? “Sim, supostamente,” responde. Fazendo um esforço por olhar para o copo meio cheio, a presidente do IGCP diz que os desvios à redução da dívida pública têm vindo “sistematicamente da mesma origem,” isto é, de “situações de uma melhoria da estabilidade financeira do setor bancário.” Ou, por outras palavras, dos resgates aos bancos (BES, Banif e recapitalização da Caixa).

A presidente do IGCP diz que há “pontas soltas no setor financeiro” e chuta para canto quando confrontada sobre o Montepio: “Há alguns temas que não estão concluídos. É importante que esses dossiês sejam fechados de uma forma vantajosa para a economia portuguesa e para o Tesouro português.”

Por fim, em termos estruturais, sublinha a importância de abordar o problema da demografia, que coloca especiais preocupações em termos de contas públicas, do mercado de trabalho e da necessidade de inovação.

Pimco e Blackrock? “Tivemos reuniões que não foram confortáveis”

É um dossier que ainda está em aberto: os grandes fundos de investimento que ficaram desagradados com a transferência de obrigações do Novo Banco para o BES, decidida pelo Banco de Portugal. Casalinho frisa que o IGCP não é parte envolvida nas negociações em curso para limitar as perdas assumidas por estes investidores, mas assume que o contacto entre o Tesouro e estes investidores ficou dificultado. “Ultimamente não temos falado com eles,” diz, revelando que houve “algumas reuniões que não foram muito confortáveis.”

Resolver este diferendo “é importante” para “melhorar a imagem” de Portugal. Aliás, ajuda sempre que alguma personalidade faz comentários favoráveis sobre o país ou sobre o Governo, diz a responsável. No capítulo da confiança atribuída ao Executivo português, Casalinho conta que os investidores tiveram, sobretudo no início da atual legislatura, dificuldade em antecipar o comportamento expectável por parte de um governo socialista, minoritário, mas apoiado pelos dois países mais à esquerda: BE e PCP.

E como é que o IGCP traduziu ‘geringonça’ para explicar a solução política portuguesa? “Tentámos não traduzir! Havia uma grande discussão, se seria ‘gizmo’. Foi a palavra mais próxima que arranjámos… mas evitámos usar, dissemos que é uma ‘political solution’, ou ‘political arrangement’,” conta Casalinho.

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