Salgado defende-se com parecer que atribui culpas ao Banco de Portugal

O antigo banqueiro e o regulador continuam a troca de acusações. Salgado argumenta que se a exigência de provisões não tivesse sido tão elevada, o BES ainda estaria em atividade.

Ricardo Salgado apresentou em tribunal, onde está a contestar a condenação do Banco de Portugal a uma multa de quatro milhões de euros pela gestão danosa do Banco Espírito Santo (BES), um parecer que atribui culpas ao regulador pela falência do banco. O Banco de Portugal, por seu lado, faz-se valer de outro parecer para argumentar que o documento apresentado por Salgado não deve ser tido em conta neste julgamento.

A notícia é avançada, esta sexta-feira, pelo Jornal de Negócios (acesso pago). O parecer, a que o ECO também já teve acesso, foi pedido por Ricardo Salgado a João Carvalho das Neves, professor do ISEG e membro do conselho geral e de supervisão da EDP.

O BES reportou, no primeiro semestre de 2014, perdas de 3.577 milhões, um prejuízo histórico que levou o principal rácio de capital do banco abaixo do mínimo exigido e que acabou por conduzir à resolução do banco. Ora, o parecer pedido por Salgado, datado de 1 de setembro deste ano, defende que esses prejuízos ficaram a dever-se ao elevado nível de provisões imposto pelo Banco de Portugal, no valor de 4.253 milhões de euros. Essas provisões serviram para cobrir fatores como a garantia estatal do BES Angola ou a exposição ao papel comercial emitido por empresas do Grupo Espírito Santo.

Se estas provisões não tivessem sido contabilizadas como tal, mas sim como passivos contingentes, argumenta o parecer de João Carvalho das Neves, o BES teria cumprido com os rácios de capital e, portanto, teria conseguido continuar a atividade. Isto porque um “passivo contingente” é uma “potencial dívida”, que só se torna efetivamente dívida se vierem a ocorrer os factos que obrigaram à sua constituição. “Como não se trata de uma dívida mas de uma potencial dívida, as Normas Internacionais de Contabilidade determinam que não se deve registar em balanço a dívida contingente, mas deve-se nas notas explicativas em anexo às demonstrações financeiras explicitar os factos que podem despoletar a dívida e a expectativa do montante que nesse caso se pode esperar”, argumenta o parecer.

“O Banco de Portugal e o auditor externo [KPMG] ao exigirem a criação de provisões e imparidades excessivas acabaram por criar distorções que são claramente materiais”, aponta o documento. “O regulador foi, por um lado, influenciador da política contabilística com uma pretensa prudência, que já vimos não pode ser usada para criar distorções materiais, e à luz dessa política acabou por determinar a publicação de demonstrações financeiras não neutras e, por isso, não tinham a qualidade de fiabilidade exigidas para a tomada de decisão”, acrescenta o documento.

E, por fim, argumenta o parecer, o Banco de Portugal foi vítima da sua própria atuação, vendo-se obrigado a resolver o BES. “Por outro lado, acabou por ser influenciado nas suas decisões por um relato financeiro, com distorções de itens materialmente relevantes, de tal modo que foi levado a tomar decisões que, de outro modo, não tomaria”, conclui o parecer.

Provisões não são a questão, diz regulador

Na resposta a este parecer, o Banco de Portugal avança com outro parecer, da autoria de Nuno Brandão, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, que argumenta o documento apresentado pela defesa de Ricardo Salgado não tem enquadramento no processo que está a decorrer no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão.

Isto porque, no entender do regulador, o que está em causa não é o impacto causado pela constituição de provisões, mas a condenação por atos dolosos de gestão ruinosa, pela prestação de falsas informações ao Banco de Portugal e pela violação de normas sobre conflito de interesses. São estas práticas que o Banco de Portugal acusa Salgado de ter cometido e é por essas que o condenou a pagar uma multa de quatro milhões de euros. E é para contestar essa condenação que Salgado está em tribunal.

Fisco devolve 22 milhões ao BES mau

O BES “mau” teve de pagar, em 2015, 22 milhões de euros de contribuição extraordinária sobre o setor bancário, um montante relativo ao ano anterior. O banco pagou o que devia, mas impugnou judicialmente este pagamento, argumentando com o facto de não poder receber novos depósitos. No final do ano passado, soube que, afinal, ia receber esse valor de volta, avança o Negócios.

“No dia 22 de dezembro de 2016, na sequência da impugnação judicial e do procedimento administrativo de revisão oficiosa, o BES — em liquidação foi notificado pela Autoridade Tributária de que esta irá proceder à restituição do montante de 21.656.082,45 euros correspondente à contribuição sobre o setor bancário de 2015”, pode ler-se o relatório de gestão do BES mau, citado pelo mesmo jornal.

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