Catalunha: O referendo que pode fazer um rombo na economia

  • Marta Santos Silva
  • 1 Outubro 2017

Enquanto se jogam preocupações identitárias nas ruas catalãs, muitos investidores e empresários em certos setores têm ignorado o referendo deste domingo. Mas é melhor prestarem atenção.

No mercado imobiliário e mesmo nas bolsas, ninguém diria que vem aí um referendo que pode abalar a relação da Catalunha com o resto da Espanha, com a União Europeia e com o mundo. Muitos investidores estão a ignorar o plebiscito deste domingo, levando mesmo a Reuters a escrever que já decidiram: “apostam centenas de milhões de euros que vai ficar para a história como um falhanço pacífico”.

Porque escreve a agência estas palavras? Por um lado, os mercados mantém-se em altas, com o índice espanhol IBEX 35 a manter-se estável mesmo perante as disputas nas ruas catalãs, e por outro lado o mercado imobiliário está pacífico. “Neste momento, ninguém acredita que isto se transforme noutro país de um dia para o outro”, explicou à Reuters o consultor imobiliário Gerard Boix, da Sothebys International Realty, em Barcelona. “Este ano estamos a atingir recordes de vendas”.

"Neste momento, ninguém acredita que isto se transforme noutro país de um dia para o outro. Este ano estamos a atingir recordes de vendas.”

Gerard Boix

Consultor imobiliário da Sothebys International Realty

De acordo com a Reuters, embora se tenham visto quedas iniciais dos títulos de certas empresas com base na Catalunha, como a Caixabank e a Sabadell, e a farmacêutica Grifols, estas já recuperaram. Nos primeiros sete meses do ano, houve mais novas empresas registadas na Catalunha do que em qualquer parte da Espanha, e há apenas cinco meses a Nestlé anunciou um investimento de 37 milhões de euros para expandir uma fábrica na área. Até no tráfego de contentores no porto de Barcelona se viu um salto de 30% até agosto.

Mas e se as coisas não correrem como os investidores esperam? O economista da Universidade de Oxford Angel Talavera disse à Bloomberg que era melhor que prestassem mais atenção. “O dinheiro não gosta de incerteza”, disse Talavera à Bloomberg. “A certa altura os investidores vão acordar para a realidade de que poderá haver um impacto a mais longo prazo”.

Que tipo de impacto? Madrid antevê que a secessão leve a um colapso de 30% na economia catalã. A Catalunha é atualmente a mais próspera das regiões espanholas. Por isso, certos investidores e empresários já estão a tomar atenção, escreve o El País. Certas empresas decidiram esperar pelos resultados do referendo antes de fazerem certos investimentos. Ao jornal, escritórios de advogados confirmaram que certos investidores têm pedido relatórios de impacto sobre os possíveis resultados do referendo antes de tomarem decisões.

E onde se sente mais esta pressão é no turismo, acrescentou ao El País Bruno Hallé, da Magma Hospitality Consulting: “Os investidores abrandaram a construção de novos hotéis. Não a cancelaram, mas querem uma situação mais clara”.

Quais são as consequências?

“Se as grandes empresas tinham planos de contingência para o Brexit, o que nos faria pensar que não os têm agora na Catalunha?”, perguntou retoricamente ao El País o presidente da Câmara de Comércio dos Estados Unidos em Espanha.

As consequências de um “Sim” no referendo deste domingo e de uma possível separação futura da Catalunha seriam negativas, economicamente, tanto para Espanha como para a Catalunha, segundo o economista Alain Cuenca, da Universidade de Saragoça, que falou à CNBC. “O estabelecimento de uma fronteira resultaria em perda de emprego, rendimento e riqueza para todos, seja na Catalunha seja no resto da Espanha. Estas perdas seriam provocadas pelos obstáculos ao comércio, pelos problemas financeiros, pelas necessidades orçamentais do novo Estado”, exemplificou.

E a dívida pública da Catalunha — que não é insignificante nos seus 72,2 mil milhões de euros — também iria provocar problemas. Muitos acreditam que seria assumida pelo Reino de Espanha, mas pode não ser bem assim, e a separação da dívida é imprevisível. “O problema é a transição”, continuou Cuenca. “Durante quanto tempo durariam os problemas financeiros? Quantos empregos, quantos investimentos, quantas operações comerciais seriam perdidas na transição?”.

O economista Albert Banal-Estañol expressou ainda uma outra preocupação ao jornal norte-americano. “Se a Catalunha permanecesse parte da União Europeia, nada mudaria”, explicou. O problema é que nada garante que a Catalunha o possa fazer, e se sim pode ficar sujeita a um boicote durante um período de tempo indefinido.

“Os empresários poderão procurar outros mercados, como já fizeram no passado”, exemplificou. E mesmo o problema da moeda única teria de ser resolvido, sem que existam, para já, soluções nesse sentido.

No entanto, não é isso que se joga neste referendo. As preocupações económicas não são a prioridade dos eleitores. Cuenca resumiu-o: “Os argumentos usados por ambos os lados apelam à identidade”.

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Ruby chegou com anos de avanço à escola

  • ECO
  • 1 Outubro 2017

Estudou numa sala de aula esvaziada pelo preconceito. A primeira criança negra a andar numa escola de brancos nos EUA esteve em Lisboa e garantiu que ainda há muito por fazer pela igualdade.

Ruby sabia que aquele não era um primeiro dia de aulas qualquer. Aos seis anos de idade, levada por quatro polícias federais para a sua nova escola primária, enraiveceu multidões e fez história como a primeira criança afro-americana a inscrever-se na William Frantz Elementary – até então frequentada exclusivamente por alunos brancos.

Ruby Bridges foi escoltada por polícias federais, no seu primeiro dia na William Frantz Academy.

“Quando nos aproximámos da escola, vi protestos. Em Nova Orleães, nós temos uma festa chamada Mardi Gras, o Carnaval. Aos meus olhos de criança, aquelas multidões pareciam um Carnaval, uma parada”, recorda, mais de cinco décadas depois, Ruby Bridges, em Lisboa para a conferência “Em que pé anda a igualdade” promovida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, no Teatro São Carlos.

A 14 de novembro de 1960, Bridges tornava-se, assim, num símbolo da luta pelo direitos civis e pela educação integrada e igual para todas as crianças. Nesse dia, conheceu muito pouco da sua nova escola, mas viu passar, pela janela do gabinete do diretor, muitos pais que lhe apontavam o dedo em fúria e arrastavam os filhos. Mais de 500 crianças foram retiradas em protesto da William Frantz Elementary.

Numa sala de aula que se manteve sem colegas durante todo o seu primeiro ano, Ruby aprendeu a contar, ler, pintar e cantar com a senhora Henry, a única professora que não se recusou a trabalhar com ela. “Tudo o que encontrei foi uma escola vazia. Eu pensei que a minha mãe me tivesse trazido cedo demais. De facto, com anos e anos de avanço”, sublinha a ativista. “Éramos só eu e ela [a professora]. Ela parecia-se com eles, com aqueles que protestavam, mas não era ela como eles”, acrescenta.

Ruby Bridges encerrou a conferência “Em que pé anda a igualdade”.Alfredo Matos

Uma lição para toda a vida

Insultada e segregada, Ruby Bridges diz ter aprendido, aos seis anos, a lição mais valiosa da sua vida: a de que não se pode julgar ninguém pela cor da sua pele. Mais tarde, fruto da luta dessa mesma professora, Ruby conheceu cinco crianças, cujos pais insistiram em levar à escola, apesar dos protestos. “Um desses miúdos disse-me que não podia brincar comigo, porque a mãe lhe tinha dito para não o fazer”, insiste a americana, que aponta esse momento como o seu primeiro contacto consciente com o racismo. “Nenhum dos nossos bebés nasce a saber o que é odiar o outro. Foi a mãe daquele miúdo que lhe disse que não podia brincar comigo”, lamenta.

Aos 64 anos, Ruby quer “ensinar às crianças que o racismo não tem lugar nos seus corações”. Nos últimos 20 anos, Bridges fez dessa a sua missão, viajando pelos Estados Unidos para falar com milhares de professores e alunos e sensibilizá-los para este tema.

Em 2011, Bridges foi, por isso, convidada por Barack Obama a visitar a Casa Branca. Perante o quadro de Norman Rockwell que imortalizou o seu primeiro dia de aulas nessa escola do Louisiana, o então presidente dos Estados Unidos reconheceu o seu papel na evolução da história dos direitos civis americanos.

“O racismo e o mal vêm em todas as cores e tonalidades”, explicou Ruby Bridges, durante a conferência. A ativista garante tentar estar sempre à altura do privilégio que, nos anos 60, lhe puseram sobre os ombros. “Os meus pais não eram ativistas. Só queriam o melhor para os seus filhos”, termina.

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