A jogada económica de Rio e Santana: o que os une e separa
Um deles vai ser o próximo líder da oposição em Portugal. Qual é o plano dos candidatos à liderança do PSD? O que os une e o que os separa? O ECO comparou-os no dia em que debatem pela primeira vez.
A 13 de janeiro, mais de 70 mil militantes do PSD vão ter a oportunidade de escolher entre o militante n.º 3.087 e o n.º 44.825, Rio e Santana, respetivamente. Existem diferenças vincadas entre os dois candidatos à liderança dos social-democratas: a personalidade, o seu percurso político, a opinião sobre questões fraturantes como a eutanásia ou a regionalização, a atenção dada à cultura ou até no registo mais clássico ou moderno. Mas ainda recentemente vieram a público defender o mesmo ao criticar o papel do PSD nas alterações à lei do financiamento partidário.
E na economia? Rio e Santana têm as mesmas ambições para a economia portuguesa, mas nos pormenores é possível identificar prioridades diferentes — pequenas nuances que os distinguem: as diferenças na ambição pelo “défice zero”, na utilização da política fiscal ou mesmo do papel do Estado na economia.
Depois de ‘debater os debates’, os candidatos deram entrevistas e lançaram as linhas orientadoras das duas candidaturas. Pedro Santana Lopes fê-lo em Lisboa num domingo, a 17 de dezembro. Rui Rio escolheu a semana entre o Natal e a passagem de ano para fazer a sua apresentação, em Leiria, na quarta-feira, dia 27.
O ex-autarca do Porto optou por uma fotografia a preto e branco e o slogan “Do PSD para o país” a laranja. Já o ex-primeiro-ministro apresentou “Um Portugal em ideias” e na hashtag #UmPSDmaisPPD recupera a designação inicial de Partido Popular Democrático (PPD), algo que faz recorrentemente.
Em 53 páginas, Rio faz um levantamento dos problemas e dos desafios do país e fala dos vários “pilares” do projeto social-democrata. Em 42 páginas, Santana Lopes divide o seu problema em três eixos: “Inovação, Crescimento e Competitividade”; “Um Estado Melhor – Investir bem nas políticas sociais” e “Governar Melhor – um País (mais) inteligente”.
Contudo, os documentos não são semelhantes: o de Rio é a moção de estratégia global que pretende levar ao 37.º Congresso Nacional do PSD, enquanto o de Santana Lopes lança as bases do seu programa. O primeiro é mais genérico: “Uma moção política não é um programa partidário, e muito menos um programa de Governo”, justifica Rio na introdução. Já o segundo contém 221 medidas e metas mais concretas. O ECO falou com as duas candidaturas para traçar as estratégias de Santana e Rio para a economia portuguesa.
Finanças públicas: o défice zero
Rui Rio disse que “se o PSD estivesse à frente do Governo já teríamos conseguido um défice zero”. Santana Lopes respondeu dizendo que não é o candidato “por obsessão pelo défice zero”. Ambos querem o equilíbrio orçamental e focam-se na redução da despesa pública, mas a tónica que colocam é diferente: Rio quer fazer alterações estruturais na despesa pública que sejam sustentáveis a médio e longo prazo, enquanto Santana tem como prioridade a criação de riqueza, ou seja, a subida do PIB — o que indiretamente faz descer o “peso” da despesa pública.
Santana diz no seu programa que a despesa pública deve consumir menos de metade da riqueza nacional. No entanto, é já isso o que acontece, uma vez que a despesa total das administrações públicas foi, pelo menos, em 2015 e 2016 inferior a 50% do PIB. Fica, portanto, a dúvida sobre se estaria disponível a aumentar a despesa pública até números próximos de 50%. No entanto, o texto também refere que é preciso “substituir orçamentos de gestão por orçamentos com visão”, mantendo a “contenção” orçamental.
Crescimento económico
Em ambos os textos é possível identificar a vontade de ter uma política fiscal mais eficaz na atração de investimento estrangeiro, de apostar nas exportações e tornar Portugal mais produtivo. Rio quer promover uma alteração estrutural na economia portuguesa retirando o peso do Estado nos setores não transacionáveis e beneficiando os setores transacionáveis. Esta é a base da sua política económica (e orçamental).
“Prosseguir a quimera de um crescimento assente na despesa pública e no consumo interno não confere dinamismo nem sustentação”, lê-se no documento de Rio. Apesar de reconhecer que “a economia portuguesa tem dado bons sinais de recuperação”, o candidato considera que Portugal está aquém dos seus parceiros comerciais e da Zona Euro. “É decisivo que Portugal retome, desde já, o processo de convergência com a média da Zona Euro, não remetendo para a próxima década um imperativo cada vez mais urgente“, argumenta.
"É decisivo que Portugal retome, desde já, o processo de convergência com a média da Zona Euro, não remetendo para a próxima década um imperativo cada vez mais urgente.”
A principal prioridade de Santana Lopes é a criação de riqueza, garante fonte da sua candidatura ao ECO. E tem a meta ambiciosa de fazer com que a economia portuguesa cresça mais de 3%, a “única via de convergirmos com a Europa”. Sugere, por exemplo, apoios adicionais à exportação para novos mercados fora da Europa, envolver as autarquias na resolução do problema da competitividade e que se diminua os “níveis elevados de aversão ao risco” que se presencia na população portuguesa.
Mas o que existe também deve ser potenciado. É o caso do turismo: “Aprofundar o alargamento das ligações aéreas e impulsionar viagens de diferentes mercados de origens que não exclusivamente o europeu, devem constituir tarefas prioritárias no campo das políticas públicas para o turismo de modo a fazer crescer as viagens nos períodos de maior sazonalidade”, lê-se no texto, onde se refere ao mesmo tempo a aposta na cultura. Já nas obras púbicas quer um “consenso alargado entre todas as forças políticas representadas no Parlamento”.
Impostos
“A maior parte dos investidores não elege a carga fiscal como um dos entraves ao investimento, mas antes a burocracia, a instabilidade, as alterações recorrentes ao quadro existente, bem como a morosidade na resolução dos litígios”, lê-se no texto de Rui Rio. O candidato já disse que quer diminuir os impostos, principalmente para as empresas, mas apenas se as condições orçamentais o permitirem.
Apesar de também querer “contenção orçamental”, Santana Lopes quer utilizar a política fiscal para atrair investimento estrangeiro e impulsionar a riqueza do país. “A taxa de IRC deve ser reduzida para as empresas que exportam mais, que são mais inovadoras, que empregam mais, que são mais amigas do ambiente, que se fixam e investem em zonas mais despovoadas”, lê-se no seu programa.
A taxa de IRC deve ser reduzida para as empresas que exportam mais, que são mais inovadoras, que empregam mais, que são mais amigas do ambiente, que se fixam e investem em zonas mais despovoadas.
Mas ambos elegem a burocracia, a justiça e a relação com o Estado como entraves para os empresários. Santana quer “maior celeridade” e eficácia na justiça, que elenca como sendo “um entrave ao desenvolvimento do país”.
Proposta do Santana: “Criar zonas especiais que ofereçam condições fiscais fortes e incentivos ao investimento e à fixação de mão-de-obra qualificada no Interior, e que permitam a instalação de empresas e indústrias, bem como o desenvolvimento de atividades nos setores tradicionais como a agricultura, a floresta e o desenvolvimento rural, criando pólos geradores de riqueza e emprego por forma a dinamizar as economias locais”.
Papel do Estado na economia
Rui Rio quer “um Estado forte e organizado que liberte e proteja os cidadãos”. Classifica-o como “débil”, “centralista” e “refém” dos poderes corporativos e das “sucessivas oligarquias”. “A principal reforma em que o PSD se deve empenhar é no processo de descentralização e de desconcentração dos diferentes organismos do Estado e institutos públicos”, diz, assinalando que isso permitirá “racionalizar a despesa pública”. Em suma: “O problema não está em termos mais ou menos Estado. O desafio está em termos um Estado democrático (…) mais eficaz na prossecução da sua missão”.
Já Santana fala de um “Estado abusador”, criticando as administrações públicas por se financiarem “com verbas de impostos cobrados indevidamente sem pagar os correspondentes juros”. O candidato diz que é “imperioso alterar o posicionamento do Estado com todos os agentes económicos principalmente as empresas”. Santana Lopes identifica “um peso excessivo” do Estado, preferindo um Estado que seja “veículo incentivador” da economia.
Zona Euro
Santana pretende consolidar a União Económica e Monetária, “melhorando o funcionamento do Euro”, e ainda concluir a União Bancária, “criando o Fundo de Resolução e assegurando a Garantia de Depósitos”. O candidato à liderança do PSD quer ir ainda mais longe com o lançamento do Fundo Monetário Europeu — uma ideia que tem ganho espaço dentro da União Europeia desde a crise — para que haja uma “proteção face a choques simétricos ou assimétricos”.
Já para Rui Rio “a opção estratégica de Portugal deverá ser a de se posicionar na linha da frente do movimento de reformas das instituições europeias e, simultaneamente, definir o seu próprio modelo de desenvolvimento que potencie a sua integração e a sua identidade distintiva”. O candidato à liderança do PSD avisa que Portugal “não pode perder poder político e negocial” dentro da União Europeia, tendo por isso de ser “capaz de construir pontes e encontrar soluções suscetíveis de valorizarem a sua posição”. Mas admite que “os desafios estruturais que se colocam à UE não encontram respostas fáceis”.
Rio diz privilegiar o cenário cinco do livro branco apresentado pela Comissão Europeia, ou seja, “fazer muito mais todos juntos”. Isso passa pelo completar da União Económica e Monetário e o avanço da defesa europeia. E o candidato deixa ainda um aviso sobre a necessidade de se defender os direitos dos cidadãos portugueses e europeus no Reino Unido.
Um contra o outro
Em suma, são do mesmo partido: partilham a vontade de mais crescimento económico, menos dívida pública e um país mais competitivo. Mas é nos pormenores que está o diabo. Oficialmente, não há declarações, mas do lado da candidatura de Santana sai a acusação a Rio de ter um visão “do passado” da sociedade portuguesa, criticando-o por apresentar problemas, mas não propor soluções. Além disso, identifica “muitos esquecimentos” no texto do ex-autarca em áreas como o interior, a segurança social, a agricultura ou os fundos comunitários.
Já do lado da candidatura de Rio, os mais próximos avisam que Santana não será capaz de conter a despesa pública, dado o seu histórico na Figueira da Foz, Lisboa ou mesmo na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Além disso, criticam a opção de apresentar já propostas fechadas numa fase embrionária do processo — é o caso da proposta 188 onde se promete a construção de um novo hospital na Madeira. Em oposição, argumentam com a racionalidade de Rio e as provas dadas tanto no Parlamento como no Porto.
Falta pouco mais de uma semana para os militantes social-democratas escolherem o seu próximo líder que, muito provavelmente, enfrentará António Costa nas eleições legislativas de 2019. É sobre uma destas duas bases que será construído o programa eleitoral do PSD. Ou o “É hora de agir” de Rio ou o “Unir o partido, ganhar o país” de Santana.
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