Opacidade financeira agrava-se em Portugal. Porquê? Madeira e empresas

O secretismo financeiro de Portugal subiu 16 pontos no Índice de Sigilo Financeiro. Os problemas identificados pela Tax Justice Network estão na Madeira e nas empresas. Suíça e EUA lideram o ranking.

O segredo é a alma do negócio. E também de países como a Suíça e os Estados Unidos, pelo menos que toca à opacidade financeira. Estes são os dois países que mais contribuem para o segredo das atividades financeiras a nível mundial, segundo um estudo da Tax Justice Network. Portugal está longe dos lugares cimeiros, mas piorou 16 pontos e há culpados: a Madeira e as empresas.

Numa lista de 122 países, Portugal pouco contributo dá para o sigilo financeiro a nível mundial. Contudo, em comparação com o ano passado, o país viu a sua transparência financeira deteriorar-se: Portugal passou de uma pontuação de 39 em 2015 para 55 em 2018. “Este é um aumento significativo”, assinala George Turner, investigador do Tax Justice Network, em declarações ao ECO, destacando o caso da Madeira.

Este ranking elaborado pela Tax Justice Network refere-se a Portugal no seu todo, mas dá atenção especial à Zona Franca da Madeira uma vez que a pontuação de secretismo corresponde à jurisdição dentro do país que é mais secreta. “Em Portugal, isto significa que a pontuação do país em alguns dos indicadores de sigilo financeiro tem como base os requisitos legais existentes na Madeira“, aponta a organização independente no estudo revelado esta terça-feira.

Na parte do relatório dedicada a Portugal, dos 20 indicadores, cinco são classificados com vermelho — o pior do ranking. “Onde Portugal está bem é nos compromissos de cooperação internacional“, explica o especialista, destacando os acordos de troca de informação automática e a adoção dos padrões internacionais. O que está por fazer? “Introduzir mais transparência nas empresas, incluindo permitir o acesso público online às contas das empresas, e introduzir o registo dos bens imóveis”, exemplifica George Turner.

"[Portugal tem de] introduzir mais transparência nas empresas, incluindo permitir o acesso público online às contas das empresas, e introduzir o registo dos bens imóveis.”

George Turner

Investigador da Tax Justice Network

É na transparência exigida às empresas que residem os principais problemas. A falta de disponibilização pública da estrutura acionista, das contas e da declaração de impostos das empresas promovem o secretismo em Portugal, segundo a Tax Justice Network. Além disso, a organização aponta que a nova lei do registo do beneficiário efetivo continua a permitir ações ao portador, permitindo o anonimato dos reais donos de uma empresa.

“Por fim, a legislação da tributação dos rendimentos em Portugal, que vende vistos de residência, podem fazer do país um paraíso fiscal para alguns”, alerta George Turner, referindo-se aos vistos Gold. Por outro lado, a Tax Justice Network elogia, além dos acordos internacionais, a capacidade do fisco português, a luta contra a evasão fiscal, o nível de estatísticas disponíveis ao público, o sigilo bancário e o registo dos contratos fiduciários (trusts) e das fundações.

Suiça e EUA são os que mais contribuem para a opacidade financeira

Portugal ou a Madeira são uma agulha num palheiro uma vez que correspondem a menos de 1% do mercado global de serviços financeiros. É até, na realidade, inferior a 0,1%. Em termos de volume, a opacidade global é da responsabilidade da Suíça (5%) e dos Estados Unidos (4%). Contudo, a União Europeia não escapa: o Luxemburgo (3%) e a Alemanha (2,4%) também estão no top dez.

Contributo dos países para o sigilo financeiro

Fonte: Tax Justice Network. Valores em percentagem.

Com base em 20 indicadores, os especialistas da Tax Justice Network calculam o grau de segredo nos serviços financeiros de cada país. O sigilo é um dos fatores que facilita o crime financeiro, nomeadamente a lavagem de dinheiro, a corrupção e a evasão fiscal.

As Nações Unidas deveriam criar uma convenção mundial para acabar com o sigilo financeiro de uma vez por todas.

Alex Cobham

CEO da Tax Justice Network

“Se queremos acabar com a evasão fiscal, a corrupção, a fraude e a lavagem de dinheiro dos principais centros financeiros do mundo temos de limpar as suas ações”, alerta Alex Cobham, o CEO da organização, assinalando que, “dado que os centros não o querem fazer de forma voluntária, as Nações Unidas deveriam criar uma convenção mundial para acabar com o sigilo financeiro de uma vez por todas”.

Pontuação dos países no secretismo financeiro

Fonte: Tax Justice Network. Em pontos.

Os EUA são uma “tendência preocupante”. O nível de secretismo da economia norte-americana tem vindo a crescer, mas “desta vez a subida no ranking é ditada por um enorme aumento da percentagem dos serviços financeiros em offshore” que os Estados Unidos têm. “Os EUA continuam a ser uma jurisdição de secretismo uma vez que rejeitam fazer parte das iniciativas internacionais de partilha de informação fiscal”, aponta a Tax Justice Network.

Se o índice de 2015 dava boas razões para acreditar no futuro com os países a atuarem após uma dura crise financeira, a organização conclui agora que o progresso está a ser mais lento face ao esperado. “Dez anos depois da crise financeira, todos os países ainda têm um longo caminho a percorrer para melhorar o seu desempenho na transparência fiscal“, assinala a organização. E o problema, no fim, passa também pelo impacto deste secretismo nos direitos humanos.

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