Ricon: dos tempos de fato e gravata à “liquidação total”
Há menos de um ano, Pedro Silva, patrão da Ricon, dava conta de uma "enorme confiança no futuro". Hoje, 580 pessoas foram despedidas e os credores votaram a favor da liquidação.
“Tenho uma enorme confiança no futuro”. A frase é de Pedro Silva, patrão da Ricon, e foi proferida há menos de um ano, numa entrevista ao jornal T, especializado no setor têxtil. A Ricon, empresa cujos credores votaram a favor da liquidação, e que mandou para o desemprego 580 funcionários, já foi uma das maiores empresas têxteis do país. O grupo que detinha o exclusivo da marca Gant — com mais de 20 lojas em Portugal — chegou a ter inclusivamente uma empresa de aviação e a ser detentora dos centros Porsche no norte do país.
Então, o que levou à falência do grupo? As causas são variadas, mas a diversificação de atividade para áreas tão díspares como o automóvel e a aviação, a que se junta ainda uma operação desastrada da Gant no Brasil, com perdas de mais de 14 milhões de euros, ajudam a explicar. Aliás, a Gant, responsável por mais de 70% das encomendas do grupo, é mesmo uma peça decisiva neste desfecho.
Recuemos no tempo
Mais ou menos por volta de 2006, a Ricon adquire 10,5% da Gant Company por 38,5 milhões de euros. “Não tive dúvidas de que era uma excelente oportunidade de negócio”, afirmou Pedro Silva, na entrevista concedida ao Jornal T, em abril de 2017.
Os números parecem confirmar a tese do presidente da Ricon: dois anos depois da compra, o grupo português vende a posição que detinha na Gant Company com uma mais-valia de 20,8 milhões de euros, no seguimento de uma OPA hostil lançada pelo grupo suíço, Maus Frères, dono da Lacoste. O negócio, apesar de rentável, pôs a descoberto as visões diferentes para a estratégia da Ricon dentro da família.
Pedro Silva adianta na mesma entrevista que, “cheio de sangue na guelra, não queria perder as oportunidades de investimentos que nos surgiam pela frente. E, como agravante, a banca estava sempre a estimular-nos a andar para a frente e a perguntar-nos de quanto dinheiro precisávamos”.
A família entra em colisão. Pedro Silva adquire a totalidade do grupo Ricon: estávamos em 2008. Por essa altura, rebentava nos Estados Unidos a crise do subprime. Cá dentro, o grupo via os seus ativos a desvalorizarem, sobretudo as participações que detinha na SLN/BPN e Banco Privado.
É nesta altura que Pedro Silva decide diversificar a atividade para ficar menos exposto ao setor têxtil. A primeira aposta é no ramo automóvel. Segundo Pedro Silva, “a primeira oportunidade, logo em 2009, foi a XRS-Motor, que começou com um centro Porsche em Braga, a que se juntaria um outro no Porto, três anos depois”.
Segue-se a aviação. O dono da Ricon viajava, com alguma frequência, em empresas de aviação privada. E comprou então um Embraer Phenom 300, através da empresa Everjets, na esperança de alugar o avião quando não estivesse a utilizá-lo. Mas o negócio viria a revelar-se mais complicado do que parecia à primeira vista. Segue-se então a compra de helicópteros de combate a incêndios.
“Fez parte de um plano estratégico para ganhar dimensão e recuperar o pesado investimento feito na Everjets“, referiu, ao Jornal T. Mais uma vez as coisas não correm de feição. “O que se passou à volta dos dois concursos para os helicópteros ligeiros e pesados deixou-me com material suficiente para escrever dois ou três thrillers. Tivemos de contratar segurança privada e videovigilância para não sabotarem os nossos helicópteros durante a noite”, recorda.
Com um passivo da ordem dos 60 milhões de euros, Pedro Silva não tinha dúvidas de que a diversificação não estava a resultar. Em 2013, e que gerasse rentabilidade no grupo, existiam apenas duas empresas: uma ligada à produção têxtil e a Delveste, empresa detentora da rede de lojas Gant em Portugal.
Tenho a humildade de reconhecer que fui demasiado ambicioso.
Em setembro de 2014, Pedro Silva vende os centros Porsche e a Decenio, rede de lojas que deu prejuízo durante 15 anos. E, um ano depois, é feita a alienação do ramo da aviação. Nessa altura, chega a confessar: “Tenho a humildade de reconhecer que fui demasiado ambicioso”.
Na longa entrevista que concedeu a jornal da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), Pedro Silva dava conta dos números da empresa. “Em três anos, recuámos o volume de negócios consolidado de 97,5 milhões para 50 milhões. Mas, ao mesmo tempo, evoluímos de um EBITDA negativo de 2,9 milhões para um positivo de 2,1, milhões. E trouxemos o passivo para menos metade”.
Estes eram os números que pareciam dar confiança ao patrão da Ricon. Por esta altura, Pedro Silva dizia que “a diminuição e a restruturação do passivo deu-nos uma pequena folga à tesouraria. E o reforço dos capitais próprios tem-nos permitido investir”. Apesar desta aparente recuperação, a Ricon via sair alguns quadros de topo, aparentemente desalinhados com o presidente do grupo. Algures pelos últimos tempos, a Ricon viu também deteriorar-se a relação com os detentores da marca Gant.
Fontes da indústria têxtil dizem mesmo que a situação terá sido a gota de água numa empresa que já estava em sofrimento. Aparentemente, Pedro Silva terá começado a atrasar os pagamentos aos suecos que não gostaram e retaliaram, diminuindo as encomendas.
A Ricon não resistiu e, em dezembro, pede a insolvência. Menos de seis meses depois de Pedro Silva assegurar ao T: “Tenho uma enorme confiança no futuro”. Um futuro que agora parece suspenso depois de, esta terça-feira, os credores da Ricon terem votado a favor da liquidação da empresa e já depois de os 580 funcionários terem recebido as respetivas cartas de despedimento. O futuro… segue dentro de momentos.
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