Afinal, quem é o ministro da Economia? Caldeira ou Siza?

No papel, Pedro Siza Vieira só tem três missões. Na prática, é ele quem coordena o Programa Capitalizar, acompanha os grandes projetos de investimento e atua em setores estratégicos como o elétrico.

Pedro Siza Vieira foi, desde o primeiro dia em funções no Governo, apresentado como um superministro, em quem António Costa confiaria para alavancar o crescimento económico e que teria mesmo mais poder do que o efetivo ministro da Economia. Este domingo, o comentador social-democrata Luís Marques Mendes, que já antes tinha colocado em causa a continuidade de Manuel Caldeira Cabral no Governo, voltou à carga, desta vez para questionar as funções do ministro Adjunto.

“É muito estranho. Trata de assuntos de energia, mas não é ministro da Energia. Trata de assuntos de economia, mas não é ministro da Economia. Parece que temos dois ministros da Economia“, disse Marques Mendes no seu espaço habitual de comentário político, na SIC.

As dúvidas são levantadas depois de uma sequência de polémicas a envolver Pedro Siza Vieira. Primeiro, o ministro pediu escusa de intervir em matérias relacionadas com o setor elétrico. Depois, o Expresso noticiou que, antes deste pedido de escusa, participou numa reunião com a China Three Gorges, antes de a empresa estatal chinesa lançar a oferta pública de aquisição (OPA) sobre a EDP, um negócio ao qual o Governo já disse claramente não se opor.

No fim, sobram dúvidas: porque é que é o ministro Siza Vieira a assumir o setor elétrico, que é tutelado pelo Ministério da Economia? Ou quais os outros setores da economia que o ministro Adjunto tutela ou em que intervém? Em suma: afinal, que competências tem Pedro Siza Vieira e quem é, de facto, o ministro da Economia?

O que faz um e outro?

No papel — leia-se, na Lei Orgânica do Governo –, é fácil distinguir as responsabilidades de um e de outro ministro. Pedro Siza Vieira só tem três missões:

  1. acompanhar as medidas de caráter interministerial de execução do Programa do Governo;
  2. tutelar a Unidade de Missão para a Valorização do Interior;
  3. e participar, sob a coordenação da ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, em reuniões de assuntos económicos e de investimento, “visando favorecer a concretização célere de projetos de investimento relevantes”.

A lista de competências de Manuel Caldeira Cabral é bem mais vasta. O ministro da Economia trabalha em coordenação com oito outros ministros e tem por missão “formular, conduzir, executar e avaliar as políticas de desenvolvimento dirigidas ao crescimento da economia, da competitividade, da inovação, de internacionalização das empresas e de promoção do comércio, da indústria e do investimento”.

Para além disso, Caldeira Cabral tutela a Direção-Geral de Energia e Geologia, o Laboratório Nacional de Energia e Geologia, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), a Agência Nacional de Inovação e a Instituição Financeira de Desenvolvimento. É ainda responsável pela promoção e captação de investimentos nacionais e estrangeiros.

Na prática, a realidade parece ser outra. Por um lado, há as competências oficiais (mesmo as que não surgem explicitadas na Lei Orgânica do Governo). Siza Vieira é o responsável pelo Programa Capitalizar, programa bandeira do Governo para a área económica, e monitoriza o Conselho Estratégico para a Internacionalização da Economia, uma área que, oficialmente, é coordenada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros e pelo ministro da Economia.

Depois, há a intervenção oficiosa em setores chave da economia. O caso paradigmático é o do setor elétrico, no qual interveio até pedir escusa. Há mesmo a dúvida, por exemplo, sobre quem terá convencido o Governo a voltar atrás na taxa sobre as renováveis que tinha sido acordada com o Bloco de Esquerda. Para além, claro, da já falada reunião com a China Three Gorges, pedida pela empresa estatal chinesa não ao ministro que tutela a energia, mas a Siza Vieira.

E fica por esclarecer qual o papel de Siza Vieira nas “reuniões de coordenação de assuntos económicos e de investimento, visando favorecer a concretização célere de projetos de investimento relevantes”. Em novembro do ano passado, fonte do gabinete do primeiro-ministro confirmava ao Expresso que seria o ministro Adjunto a acompanhar os grandes projetos de investimento. Não é claro, contudo, exatamente em que setores intervém Siza Vieira.

Apesar de tudo, é Manuel Caldeira Cabral quem aparece na fotografia. Desde que Siza Vieira tomou posse, todos os grandes contratos de investimento celebrados entre o Estado e empresas privadas, como a Renault, a Peugeot Citröen, a Natixis, a Navigator ou a Outsystems, foram assinados pelo ministro da Economia.

De resto, o ministro da Economia já respondeu às dúvidas há muito levantadas: “o peso político faz-se com trabalho e coordenação”, disse numa entrevista à Antena 1 e ao Jornal de Negócios, onde recusou “comentar comentários de um comentador político ligado ao PSD”, referindo-se a Marques Mendes.

Os adjuntos sempre foram superministos?

As competências de Pedro Siza Vieira levantam questões pelo momento que o ministro vive — por exemplo, por ter pedido escusa de tratar de assuntos do setor elétrico já depois de ter participado na reunião com a China Three Gorges –, mas a acumulação de funções transversais a vários setores não é uma novidade para um ministro Adjunto.

O próprio Marques Mendes chegou a ter várias competências, enquanto ministro Adjunto do governo de Cavaco Silva: era coadjuvado pelos secretários de Estado da Juventude, da Comunicação Social, do Desporto e ainda da Administração Pública. Era a ele que competia assegurar as relações do Governo com a Assembleia da República e com os partidos políticos, “exercendo ainda os poderes nele delegados pelo Conselho de Ministros ou pelo primeiro-ministro”. Era dele que dependiam o Instituto da Juventude e o Gabinete do Serviço Cívico dos Objetores de Consciência. E também fazia parte do Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos.

Já no segundo governo de António Guterres, o então ministro Adjunto Fernando Gomes era responsável por aquilo que hoje faria parte do dossiê da descentralização: promovia a audição das associações representativas dos municípios e das freguesias relativamente a projetos de diplomas respeitantes a atribuições destas autarquias.

Nesse governo de Guterres, tal como no primeiro do agora secretário-geral da ONU, havia ainda o cargo de ministro Adjunto do primeiro-ministro, que foi sendo desempenhado por três nomes: primeiro José Sócrates, depois Armando Vara e, finalmente, António José Seguro. Este era o ministro responsável pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, pela Defesa do Consumidor, pela Juventude e pela Comunicação Social.

Também no governo de Pedro Passos Coelho a pasta da Administração Local e da Reforma Administrativa, bem como a da Comunicação Social, cabia ao ministro Adjunto, então Miguel Relvas.

Siza Vieira é diferente?

A novidade no atual Governo não é tanto o leque vasto de competências do ministro Adjunto, mas a importância das mesmas. Nas pastas diretamente ligadas à Economia, Siza Vieira assume mesmo aquelas que eram as bandeiras deste Governo para esta área: o Programa Capitalizar vem responder às necessidades de capitalização e de reestruturação do tecido empresarial; e o Conselho Estratégico para a Internacionalização da Economia, que depende diretamente do primeiro-ministro, tem por missão promover o comércio externo e o investimento português no estrangeiro, bem como captar investimento direto estrangeiro para Portugal.

Siza Vieira tutela ainda a Unidade de Missão para a Valorização do Interior, que, não fazendo parte do programa original de Governo, tem uma importância de relevo: é a entidade que trabalha na reconstrução da economia das zonas afetadas pelos incêndios do ano passado. Tudo isto sem contar com o tal papel informal referido anteriormente.

Nenhuma destas competências parece estranha aos empresários que lidam diretamente com o Governo, até porque a organização interna do executivo tem pouco impacto sobre terceiros. Mas o “peso político” de Caldeira Cabral é questionado. “Globalmente, o Ministério da Economia tem pouco peso político. Independentemente da boa vontade do ministro — e, no nosso caso, do secretário de Estado do Comércio –, tem pouca influência nos traços gerais da política, quer económica, quer fiscal”, diz ao ECO João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP).

Como exemplo desta falta de influência, o presidente da CCP nota que Caldeira Cabral “raramente está presente na concertação social”, ao contrário do que acontece, por exemplo, com o ministro da Agricultura, Luís Capoulas Santos. Mas isso não significa que seja o ministro Adjunto a assumir o papel do ministro da Economia. “Não temos contacto com o ministro Siza Vieira desde que ele fez parte da missão para a capitalização das empresas”, refere João Vieira Lopes.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Afinal, quem é o ministro da Economia? Caldeira ou Siza?

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião