Há 18 meses que o Governo defende travão às reformas antecipadas. Está instalada a confusão na geringonça
Está instalada a confusão. Depois do Orçamento prometer um alívio nos cortes às reformas antecipadas, Vieira da Silva veio colocar um travão no acesso. César parece discordar. De que lado está Costa?
A novidade foi dada pelo ministro Vieira da Silva esta quarta-feira: o Governo vai alterar o regime de antecipação das reformas, limitando o acesso aos trabalhadores que aos 60 anos de idade tenham 40 de descontos.
A notícia caiu que nem uma bomba junto do PCP e do Bloco que acabaram de negociar com o Governo novas regras para evitar a dupla penalização das reformas antecipadas. Vamos por partes.
O que disse Vieira da Silva?
O ministro do Trabalho e da Segurança Social deu esta quarta-feira uma conferência de imprensa onde disse que as condições de acesso às pensões antecipadas vão mudar, a partir de outubro do próximo ano.
De acordo com ministro do Trabalho e da Segurança Social, a partir dessa altura, só poderá reformar-se antecipadamente quem aos 60 anos de idade já conte com 40 de contribuições. Com esta nova alteração, uma pessoa que queira reformar-se antecipadamente aos 61 anos, contando com 40 anos de descontos, não poderá fazê-lo, já que aos 60 não contava com os 40 anos exigidos (tinha apenas com 39 anos).
O regime atualmente em vigor é mais flexível do que este, permitindo o acesso às pensões antecipadas a todos aqueles que tenham 60 anos de idade e 40 de descontos, isto é, não exige a coincidência temporal de ambas as condições. Nesse caso, aos 61 anos, com 40 anos de descontos, ainda é possível pedir reforma antecipada.
É a primeira vez que o ministro defende este travão?
A resposta é não. O ECO já tinha noticiado em abril de 2017 a intenção do Governo de colocar este travão. Nessa altura, Vieira da Silva entregou aos parceiros sociais uma proposta para um novo regime das pensões, sendo que nesse documento se lia que “a idade e a carreira mínimas para a antecipação da reforma, corresponde respetivamente a 60 anos de idade e 40 anos da carreira contributiva”, mas remetia depois para uma nota de rodapé, onde se lia: “como condição inicial de acesso à reforma antecipada é verificada a existência de 40 anos de carreira contributiva aos 60 anos de idade”.
Quer isso dizer que, independentemente da altura em que o trabalhador peça a reforma antecipada, terá sempre de reunir 40 anos de descontos na altura em que tinha 60 anos de idade.
Por que é que PCP e Bloco estão descontentes?
O que Vieira de Silva veio defender ontem (e já tinha defendido em abril de 2017) irá limitar significativamente o número de pessoas que podem pedir para ter acesso às reformas antecipadas. Na prática, as novas regras deixam de fora todos os que começaram a trabalhar depois dos 20 anos, excluindo, por exemplo, todos os portugueses que tenham optado por fazer um curso superior antes de começar a trabalhar.
PCP e Bloco já vieram reagir e mostrar o desagrado, não só porque discordam deste travão, mas porque acabaram de negociar com o Governo um Orçamento que trava a dupla penalização das reformas antecipadas. As reformas antecipadas preveem uma penalização de 14,5% pelo fator de sustentabilidade para quem se reforme antes dos 66 anos e 4 meses (a atual idade de reforma) e ainda um corte adicional de 0,5% por cada mês (ou 6% por cada ano) de antecipação face à idade legal de reforma.
O que já foi feito para aliviar não penalizar as reformas antecipadas?
Desde outubro de 2017 que o Governo eliminou a penalização do fator de sustentabilidade (mantendo o corte de 0,5% por cada mês de antecipação) para as seguintes situações:
- Trabalhadores com 48 ou mais anos de descontos que já contem 60 ou mais anos de idade;
- E ainda aqueles que cumulativamente cumpram estas duas condições: 1) Iniciaram a sua atividade profissional com 14 anos ou idade inferior; 2) Tenham, aos 60 ou mais anos, pelo menos 46 anos de carreira contributiva.
Este mês, Vieira da Silva alargou esta despenalização a quem tenha pelo menos 46 anos de descontos e tenha começado a trabalhar aos 16 anos de idade ou antes (na primeira fase, eram apenas os que iniciaram a sua atividade profissional com 14 anos ou menos).
O que prevê o OE sobre as longas carreiras contributivas?
O que o PCP e o Bloco negociaram agora com o Governo para o Orçamento do Estado foram mais duas fases no sentido de eliminar o corte pela via do fator de sustentabilidade.
Assim, a partir de janeiro de 2019, será eliminado o fator de sustentabilidade para quem se reforme com 63 anos de idade (e que aos 60 já tinha 40 de descontos). O mesmo alívio do corte que tira 14,5% às pensões chegará, depois, em outubro, aos pensionistas com 60 anos e 40 de descontos.
O que disse Carlos César?
Esta tentativa de colocar um travão ao acesso às reformas antecipadas anunciada por Vieira da Silva (só pode reformar-se ‘quem aos 60 anos já tiver 40 anos de desconto’), numa altura em que o Governo alivia a penalização prevista — ou seja, não aplica tantos cortes, mas dificulta e de que maneira o acesso — não agradou ao PCP, Bloco e, aparentemente nem ao PS.
“Não vamos transformar uma boa notícia num pesadelo para o conjunto dos outros pensionistas”, disse o Bloco de Esquerda.
Perante os jornalistas, Carlos César defendeu esta quinta-feira que, caso se revele necessária “uma clarificação sobre os objetivos do Governo, que é o de melhorar a acessibilidade à reforma antecipada e de eliminar as penalizações, é isso mesmo que será feito”.
De acordo com o presidente do Grupo Parlamentar do PS, “o que o Governo quer é que o regime para esse efeito seja melhor e não pior. Ora, havendo dúvidas sobre o normativo, o que haverá naturalmente a fazer, desde logo, é perceber da parte do Governo se também partilha essas dúvidas”.
E de que lado está António Costa?
Do lado do Governo, falaram Vieira da Silva (para anunciar o travão ao acesso às reformas antecipadas) e António Costa.
Em Bruxelas para uma reunião de dois dias do Conselho Europeu, o primeiro-ministro foi confrontado com duas perguntas sobre o tema e deu as seguintes respostas:
Quer explicar a medida das pensões de reforma? A questão dos 60 anos com 40 anos de trabalho?
“Acho que já foi bem explicado ontem pelo senhor ministro do trabalho da Solidariedade e da Segurança Social. Não acrescentaria a partir de Bruxelas nada mais ao que já foi dito ontem em Lisboa”.
A Catarina Martins diz que não foi isso que acordou com o Governo…
“Não vou acrescentar nada aqui em Bruxelas do debate que segue em Lisboa e que em Lisboa está bem situado”.
Ao dizer que o tema “já foi bem explicado ontem pelo senhor ministro do trabalho da Solidariedade e da Segurança Social”, o primeiro-ministro, aparentemente, está a confirmar que o novo travão ao acesso às reformas antecipadas é mesmo para avançar.
O ECO tentou obter um esclarecimento junto do ministério do Trabalho e da Segurança Social, mas ainda sem sucesso.
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