Sócios da Mota-Engil na Argentina respondem por corrupção. Podem travar projeto no país
A audição de sócios da Mota-Engil na Argentina, implicados num processo de corrupção, pode pôr em perigo o financiamento de uma obra a decorrer com participação da empresa portuguesa.
Sócios da Mota-Engil na Argentina, implicados num processo de corrupção, são ouvidos na quinta e sexta-feira, o que pode pôr em risco o financiamento de uma obra a decorrer e de novos projetos com participação da empresa portuguesa.
O primeiro sócio da Mota-Engil a depor na justiça, na quinta-feira, será Jorge Benolol, representante da construtora JCR, no dia seguinte, será a vez de Mario Rovella, dono da Rovella Carranza.
As duas construtoras, juntamente com a Mota-Engil, integram o consórcio vencedor da construção e concessão, em regime de Parceria Público-Privada (PPP), de um corredor rodoviário de 247 quilómetros (km), com 33,3% de participação da empresa portuguesa.
Os sócios da Mota-Engil foram intimados pelo juiz federal Claudio Bonadio responsável pelo processo conhecido como “Cadernos da Corrupção”, a maior investigação de corrupção da história argentina, o equivalente argentino à Operação Lava Jato.
No período que vai de 20 de fevereiro até 11 de março, terão passado pelo tribunal 101 empresários, todos suspeitos de integrarem uma associação ilícita, liderada pela ex-presidente Cristina Kirchner, para desviar, semanalmente, dinheiro das obras públicas em Transporte e Energia, além das portagens.
Esta fase tem levado seis a oito empresários por dia aos tribunais, deixando alguns presos preventivamente. O desfile inclui vários dos maiores empresários do país, vários considerados antes “intocáveis”.
Alguns destes empresários são implicados pela segunda vez, mesmo já sendo “delatores premiados”, como o caso do primo do presidente Mauricio Macri, o empresário Ángelo Calcaterra.
Esta nova fase é consequência da delação de Ernesto Clarens, responsável pela engenharia financeira da corrupção dos governos de Néstor Kirchner (2003-2007) e Cristina Kirchner (2007-2015).
Em setembro passado, Clarens entregou ao juiz uma lista com os nomes das construtoras, das obras e dos montantes pagos em subornos, o que permitiu uma série de investigações.
Em 17 de janeiro, o juiz determinou mais de 80 operações simultâneas de busca e apreensão de documentação nas construtoras em 14 províncias diferentes (metade do país).
Na lista com 86 empresas, a JCR aparece como a quinta construtora que mais obras obteve, a Rovella Carranza aparece em oitavo lugar.
Segundo Clarens, as percentagens de suborno variavam entre 4% e 50%.
Uma segunda lista de Clarens relacionava-se com dinheiro para financiamento ilegal de campanhas e a Rovella Carranza e JCR também constavam.
Como uma primeira estratégia de defesa, os empresários tendem a admitir apenas o financiamento ilegal de campanha, um delito com penas menores.
A implicação de sócios da Mota-Engil no processo afeta diretamente os negócios da construtora na Argentina já que os bancos não podem financiar empresas envolvidas em casos de corrupção por motivos de ‘compliance’.
Assim, as obras estão paradas, tendo sido feitas apenas tarefas menores de limpeza e de cobertura de buracos com asfalto.
No caso específico do consórcio da Mota-Engil, o banco Goldman Sachs travou todo o financiamento de 80% dos 976 milhões de dólares (cerca de 857 milhões de euros) previstos para a obra, a que se juntariam os restantes 20% vindos da cobrança nas portagens.
“A informação no mercado é que o Goldman Sachs bloqueou tudo. Há impedimentos legais para financiar empresas envolvidas com corrupção. Esse assunto não se resolverá enquanto as investigações continuarem”, confirmou à Lusa o assessor financeiro, Andrés Moguilner.
As investigações do “Cadernos da Corrupção”, explica Moguilner, é apenas uma dos três fatores que travam o financiamento de obras públicas.
A corrida cambial do ano passado – em que o peso argentino perdeu metade do seu valor – fez a taxa de risco do país disparar, inviabilizando o endividamento das empresas em dólares.
Perante esta situação, o governo decidiu cancelar novos leilões previstos para este ano.
O terceiro fator é a disputa eleitoral de outubro já que não há garantias de quem ganhará as eleições e, dependendo do vencedor, o país pode dar uma volta de 180 graus na sua política económica.
“Está tudo travado. Além do risco político, uma eventual nova desvalorização do peso num país com alta taxa de inflação (48% em 2018) leva os bancos a não arriscarem a emprestar em dólares a quem arrecada em pesos”, indicou Andrés Moguilner.
Contactada pela Lusa, a Rovella Carranza preferiu não fazer qualquer comentário antes da declaração de Mario Rovella, que “há tempos não controla a empresa nem tem participação acionária”, destacou a construtora.
O representante da Mota-Engil na Argentina, Antonio Tovar Sabio, não respondeu ao pedido de comentário da Lusa. Desde o início do caso, há seis meses, a casa-mãe diz que “o grupo é completamente alheio ao tema”.
JCR são as iniciais do empresário Juan Carlos Relats, que morreu em 2013 e que também administrou um dos hotéis dos Kirchner e que, por isso, aparece em outro processo como um instrumento de lavagem do dinheiro desviado das obras públicas.
No próximo dia 1 de março, o caso Cadernos da Corrupção completará seis meses. Já são 50 processados, 20 presos e 27 colaboradores premiados (delatores) envolvidos no circuito da corrupção nas obras públicas.
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