Ainda ninguém sabe como aplicar três normas da nova Lei Laboral

Desde o início de setembro que a nova lei laboral está publicada em Diário da República, está em vigor desde 1 de outubro, mas há normas que continuam a despertar dúvidas, avisam os juristas.

As novas leis laborais estão em vigor desde o início do mês, mas nem todas as normas estão esclarecidas. De acordo com os juristas ouvidos pelo ECO, as mudanças trazidas pela recente revisão do Código do Trabalho estão a deixar múltiplas dúvidas relativamente a, pelo menos, três áreas: a formação contínua, o novo banco de horas grupal e a famosa taxa de rotatividade a ser paga pelas empresas que recorram “em excesso” aos contratos a prazo.

Estas mudanças na lei laboral tiveram por base um acordo que envolveu quase todos os parceiros reunidos na Concertação Social (só a CGTP recusou subscrever), o que acabou por ser apontado por Marcelo Rebelo de Sousa como uma das razões para a promulgação deste diploma, que tantas críticas gerou por parte dos partidos mais à esquerda.

Daí que, uma semana antes da entrada em vigor do Código do Trabalho revisto, o PCP, o Bloco de Esquerda e o PEV tenham apresentado no Tribunal Constitucional um pedido de fiscalização sucessiva de três das normas incluídas neste pacote: o alargamento de 90 dias para 180 dias do período experimental para os trabalhadores à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração; o duplo alargamento dos contratos de muito curta duração (cuja duração sobe 15 dias para 35 dias, passando também a estar disponíveis a todos os setores) e a caducidade da contratação coletiva.

Enquanto estas medidas deixam dúvidas às bancadas mais à esquerda relativamente à sua constitucionalidade (nomeadamente no que diz respeito aos princípios da igualdade e da segurança no emprego), outras normas deixam dúvidas aos juristas ouvidos pelo ECO do ponto de vista da sua aplicação.

É o caso do alargamento da formação contínua. Desde 1 de outubro que a lei prevê que o trabalhador tem “direito, em cada ano, a um número mínimo de quarenta horas de formação contínua ou, sendo contratado a termo por um período igual ou superior a três meses, a um número mínimo de horas proporcional à duração do contrato nesse ano”. Na versão anterior do Código do Trabalho — em vigor até 31 de setembro deste ano –, estavam apenas previstas 35 horas de formação contínua.

Ora, a dúvida está exatamente em como aplicar esse novo período, a três meses do fim de um ano civil durante grande parte do qual vigoraram apenas as 35 horas referidas.

Num seminário promovido, esta terça-feira, pela Garrigues sobre a reforma da lei laboral, a jurista Magda Nunes frisou essa dificuldade, referindo que ainda não é certo se se aplica um período de formação proporcional (considerando que as 35 horas vigoraram em nove meses do ano e as 40 horas em apenas três), se se passam a aplicar as 40 horas consoante os anos de antiguidade dos trabalhadores (isto é, assumindo como referência a sua data de admissão) ou se as 40 horas se aplicam a partir apenas de janeiro.

A mesma questão já tinha sido destacada ao ECO pelo jurista André Nascimento, da Uría Menéndez, que tinha ainda chamado a atenção para a falta de uma norma transitória que esclareça essa questão.

Perante esta dúvida, o ECO questionou o Ministério do Trabalho e da Segurança Social, que explicou que foi pedida à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) uma “interpretação técnica dessa norma, uma vez que é esta a entidade a quem cabe fiscalizar”.

O ECO aproveitou para averiguar junto da inspetora da ACT Cláudia Caramelo (também presente no seminário da Garrigues) o estado deste pedido, tendo conseguido apurar que os serviços centrais ainda estão a trabalhar na interpretação em causa. De notar que este alargamento do período de formação contínua foi incluído na revisão do Código do Trabalho por proposta do PCP, que face a estas dúvidas disse ao ECO que o que a lei define são os mínimos, cabendo às empresas fazer os cálculos.

Novo banco de horas deixa dúvidas

Outra das normas que está a gerar interpretações diversas é o novo banco de horas grupal, que é decidido por um referendo, no âmbito do qual, 65% dos trabalhadores têm de concordar com a aplicação deste regime.

O jurista Ricardo Grilo sublinhou que esta nova figura deixa dúvidas face à entrada e saída de outros trabalhadores numa mesma empresa que recorra a este tipo de banco de horas.

“Havendo alteração na composição da equipa, secção ou unidade económica, o disposto no número anterior aplica-se enquanto os trabalhadores que permanecerem forem, pelo menos, 65% do número total dos trabalhadores abrangidos pela proposta de referendo“, é explicado na Lei nº93/2019. Ricardo Grilo deixa, contudo, a pergunta: E se, por exemplo, a equipa aumentar desses originais 100 trabalhadores para 200? Na prática, mantêm-se 65% do número total de trabalhadores referendados.

O jurista da Garrigues sublinha, ainda, que fica por esclarecer de que forma se define essa “equipa, secção ou unidade económica” referida na lei e por fixar o número máximo e mínimo de referendos a realizar por ano.

A terceira grande matéria laboral a despertar dúvidas é a nova contribuição adicional para a Segurança Social a ser paga pelas empresas que recorram “em excesso” aos contratos a prazo, que ficou conhecida como taxa de rotatividade.

De acordo com o Código do Trabalho revisto, as empresas que “apresentem um peso anual de contratação a termo resolutivo superior” à média do setor em que se inserem vão pagar, a partir de 2021, uma contribuição extra que tem como base de incidência “o valor total das remunerações bases” relativas a contratos a termo e segue uma aplicação progressiva até 2%.

Em conversa com o ECO, o jurista André Nascimento já tinha alertado para a indefinição da expressão “peso anual de contratação a termo”, referindo que tanto podem estar em causa os novos contratos a prazo celebrados em determinado ano (por exemplo, em 2020, já que a taxa só deverá começar a ser aplicada a partir de 2021) como o conjunto acumulado de contratos a prazo em vigor no seio de uma determinada empresa.

O ECO enviou também esta questão para o Ministério do Trabalho e da Segurança Social, que respondeu que esta contribuição adicional ainda terá de ser regulamentada. “Será nessa sede que todos os conceitos da lei e fórmulas serão concretizados”, disse fonte oficial.

De resto, esse decreto regulamentar terá ainda, pelo menos, mais três dúvidas a esclarecer. Por um lado, está ainda por explicar como são definidos os setores em relação aos quais as empresas comparam o seu peso anual de contratação a termo, salientou a jurista Inês Fialho, no mesmo evento da Garrigues. Por outro, não é claro se o trabalho temporário “em excesso” também dará azo ao pagamento da taxa de rotatividade. E ainda por outro, está por conhecer a “escala de progressividade” desta nova contribuição, tendo o Governo referido, em ocasiões anteriores, a possibilidade de se fixarem quatro escalões.

A especialista em Direito Laboral rematou com uma nota sobre a operacionalização prática desta nova taxa: É que a contribuição em questão vai ter como base de incidência não a totalidade dos rendimentos pagos aos contratados a prazo, mas apenas as remunerações base. “Creio que para a Segurança Social não vai ser fácil”, enfatizou Inês Fialho.

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