Grandes acionistas vão ter mais controlo sobre salários dos gestores da bolsa

Governo entregou no Parlamento a proposta de lei que transpõe a segunda diretiva europeia dos acionistas. Grandes investidores terão mais poderes, mas também deveres de transparência.

Grandes acionistas nas empresas da bolsa de Lisboa vão passar a ter mais direitos sobre os salários dos gestores, mas também mais deveres de transparência. As mudanças poderão acontecer com a transposição da segunda diretiva europeia dos acionistas, cuja proposta de lei foi entregue pelo Governo ao Parlamento e está agora à espera do ok dos deputados.

“A crise financeira revelou a existência de estratégias de curto prazo que se traduziram na assunção excessiva de riscos por parte das sociedades cotadas, apoiadas pelos seus acionistas”. Neste seguimento, a revisão da diretiva europeia “relativa ao exercício de certos direitos dos acionistas de sociedades cotadas no que se refere aos incentivos ao envolvimento dos acionistas a longo prazo visa incentivar o envolvimento transparente e ativo dos acionistas de sociedades cotadas“, explica a proposta de lei.

Para fazer face ao que considera serem “insuficiências” no governo das sociedades e promover tanto a sustentabilidade das empresas como o crescimento e criação de emprego, são definidos quatro objetivos. Um dos principais é reforçar o controlo acionista sobre a política remuneratória dos administradores das sociedades cotadas.

O decreto-lei prevê a obrigação de as cotadas adotarem uma política de remuneração relativa aos membros do conselho de administração e fiscalização, a aprovar pela assembleia geral. “A política de remuneração deverá contribuir para a estratégia empresarial, para os interesses a longo prazo e para a sustentabilidade da sociedade, não devendo estar associada a objetivos a curto prazo“, defende.

A política de remuneração deverá contribuir para a estratégia empresarial, para os interesses a longo prazo e para a sustentabilidade da sociedade, não devendo estar associada a objetivos a curto prazo.

Proposta de Lei 12/XIV

Atualmente, as cotadas já têm de apresentar uma proposta aos acionistas pelo que a ATM – Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais considera que a alteração imposta “não é disruptiva com o que já está atualmente em vigor no ordenamento jurídico interno” no comentário feito à consulta pública.

A mudança implica, na prática, que a proposta de remuneração seja justificada. Essa justificação irá incluir fatores como o contributo dos salários propostos para a estratégia, interesses de longo prazo e sustentabilidade ou como é que estes têm em conta as condições de emprego e salários dos trabalhadores. Passa também a estar prevista “a possibilidade de a sociedade solicitar a restituição de remuneração variável já entregue”.

Em simultâneo, há também maior escrutínio sobre as componentes fixa e variável, bónus e benefícios, contratos (incluindo duração, cláusulas e pagamentos) ou mesmo regimes de pensão e reforma. Após a assembleia-geral, o relatório sobre as remunerações tem de ficar disponível no site do emitente durante, pelo menos, dez anos.

Identidade e estratégia passam a ser conhecidas pela cotada

A remuneração é apenas uma das vertentes da nova lei, que pretende também facilitar a identificação dos acionistas (para facilitar o exercício dos direitos dos acionistas e o seu envolvimento com a empresa) e aumentar as regras de transparência relativas a investidores institucionais, gestores de ativos e consultores em matéria de votação.

“Os investidores institucionais e os gestores de ativos são frequentemente acionistas relevantes de sociedade cotadas, podendo desempenhar um papel importante no governo das sociedades no que diz respeito à sua estratégia e desempenho a longo prazo, devendo atuar de forma transparente“, sublinha o Governo.

Para que a empresa possa comunicar diretamente com os acionistas, a proposta de lei determina que, a pedido da cotada, tenham de ser comunicadas as informações relativas à identidade dos seus acionistas. Além disso, investidores institucionais e gestores de ativos passam a ser obrigados a elaborar e divulgar publicamente a sua política de envolvimento (nomeadamente valores que o levam a votar de determinada maneira na assembleia geral) e como a aplicam anualmente.

“Por fim, no que se refere às transações relevantes com partes relacionadas, prevê-se que as transações com partes relacionadas que não sejam realizadas no âmbito da atividade corrente e em condições de mercado fiquem sujeitas a um regime especial de aprovação e de divulgação pela sociedade”, acrescenta a proposta de lei sobre o último objetivo do diploma: introduzir um regime de controlo acionista sobre transações com partes relacionadas que combata os conflitos de interesses.

Antecipamos, desde já, que nos parece que, com base num exercício de ponderação entre benefícios atribuídos a uns (emitentes e acionistas) e custos imputados a outros (intermediários financeiros), se justificará que as opções do legislador nacional, espelhadas no projeto, sofram ainda algum ajustamento.

Associação Portuguesa de Bancos

Mais peso para os intermediários financeiros?

Sendo a proposta de lei uma transposição de uma diretiva europeia, as questões levantadas pelos membros do mercado são pontuais e relativas, principalmente, à formulação do texto. Mas um ponto que é alvo de forte crítica tanto pela Associação Portuguesa de Bancos (APB) como pela Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios (APFIPP) prende-se com o peso para os intermediários financeiros.

Os intermediários financeiros e a entidade gestora do sistema centralizado não podem cobrar comissões por determinados serviços previstos na proposta. “Antecipamos, desde já, que nos parece que, com base num exercício de ponderação entre benefícios atribuídos a uns (emitentes e acionistas) e custos imputados a outros (intermediários financeiros), se justificará que as opções do legislador nacional, espelhadas no projeto, sofram ainda algum ajustamento”, defende o representante da banca.

Especificamente, a APB é contra a proibição de cobrança de comissões ao abrigo do cumprimento dos deveres impostos pela lei em questão por considerar que a “extensão, requisitos e complexidade” dos novos deveres são “muito significativos”. Se não podem cobrar, os intermediários poderão ter um “desincentivo” para cumprir. E ainda porque teme que a proposta de lei seja alargada a investidores de retalho, como já acontece noutros países.

A Euronext abre exatamente a porta a uma harmonização entre regimes ao questionar porque é que os investidores institucionais podem corrigir informações incompletas ou incorretas sobre a sua identidade, mas os investidores de retalho não o podem fazer. A empresa que gere a bolsa de Lisboa considera ainda limitativo que o projeto fale apenas de “acionistas” e “ações”, o que exclui outros valores mobiliários.

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