Investimento captado com vistos gold em mínimos de quase dois anos. “Daqui a uns meses, Governo vai pensar duas vezes”
Há quase dois anos que os vistos gold não captavam tão pouco investimento internacional. E, para além do coronavírus, o travão do Governo é a principal explicação.
As Autorizações de Residência (ARI) foram criadas há cerca de oito anos com o objetivo de captar investimento estrangeiro para o país mas, no início do ano, o Governo decidiu pôr um travão no número de vistos concedidos. Em março, foram captados quase 28 milhões de euros, o valor mais baixo desde julho de 2018.
De acordo com os dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em março foram atribuídos 55 vistos gold, um número que está em queda desde janeiro, altura em que foi aprovada a suspensão destes vistos em cidades como Lisboa e Porto. O número de ARI atribuídas em março é o mais baixo desde julho de 2018, mês em que foram concedidas 47 ARI.
No que toca ao investimento, foram captados 27.994.579,45 euros, um valor que também está em mínimos de quase dois anos, quando foram captados pouco mais de 26 milhões de euros. Em termos de nacionalidades, foram os chineses que mais vistos receberam (11), à frente dos iranianos (oito), dos turcos (sete), dos russos (quatro) e do Brasil (três).
Para Hugo Santos Ferreira, esta quebra era “expectável” e “não é de estranhar”. Ao ECO, o vice-presidente da Associação Portuguesa dos Promotores e Investidores Imobiliários (APPII) aponta o dedo ao travão aprovado pelo Parlamento. “Os investidores têm estado muito assustados. Na semana do anúncio dessa medida, a mensagem que passou é que Portugal já não recebia bem os estrangeiros. E é natural que desde aí tenha havido uma quebra abrupta”, explica, referindo que, com estes números, “olhando para a realidade, é fácil perceber que a medida não tem qualquer lógica ou sentido”.
Se o Governo não for sensível aos 700 milhões de euros que os golden visa trazem anualmente para o país e aos 85 milhões anuais em impostos diretos para o Estado, criando postos de trabalho e riqueza, como é que espera, nesta altura, arranjar alternativa?
Luís Lima, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), nota que “a queda foi muito grande desde aquela polémica”, referindo-se à aprovação do travão aos vistos pelo Parlamento. “Os investidores ficaram incomodados e são poucos os que estão a recorrer aos vistos”, continua, em declarações ao ECO.
Hugo Santos Ferreira ressalva que, no atual período de crise que o mundo está a atravessar, é um erro impor limites ao programa que concede os vistos gold. Principalmente devido aos vários milhões que já entraram no país à custa disso. Até ao momento, em cerca de oito anos, foram captados mais de cinco mil milhões de euros. “Se o Governo não for sensível aos 700 milhões de euros que os golden visa trazem anualmente para o país e aos 85 milhões anuais em impostos diretos para o Estado, criando postos de trabalho e riqueza, como é que espera, nesta altura, arranjar alternativa?”, questiona.
O vice-presidente da APPII destaca como o programa em “estado de baixo de fogo” desde que foi criado, e “muito maltratado pelos políticos” apesar de todo o investimento que tem captado para Portugal. “Já estamos a pensar no futuro da economia. Numa altura em que todos os investidores vão fazer a maior das faltas, perder 700 milhões anuais e 85 milhões em impostos não faz rigorosamente sentido nenhum”, afirma.
Portugal “precisa de de ter algumas armas para captar investimento”
Dos 55 vistos concedidos em março, 51 foram conseguidos através da compra de imóveis, num investimento total de 25.644.579,45 euros. Desde que esta ferramenta foi criada, em outubro de 2012, que o investimento no imobiliário tem sido o principal canal de concessão de ARI. Para tal, o estrangeiro tem de investir, no mínimo, 500 mil euros num imóvel, ou 350 mil euros no caso de uma reabilitação.
Quando anunciou as primeiras intenções de controlar a atribuição de golden visa, o Governo justificou esta decisão com o facto de estes estarem a contribuir para o aumento dos preços nas cidades do litoral, como Lisboa e Porto. Contudo, os profissionais do setor alegam que o peso dos vistos gold no mercado imobiliário é de cerca de 2%, defendendo, assim, que a razão para os preços estarem neste patamar não se deve a estes vistos.
Luís Lima, da APEMIP, defende que “o Governo vai precisar do imobiliário para ajudar na recuperação económico” e que Portugal “precisa de de ter algumas armas para captar investimento”. E os vistos gold, disse, são uma “arma imprescindível”.
“Março não foi muito mau, houve algumas transações que ainda se fizeram. No fundo a paralisação começou na segunda quinzena. Mas penso que os números mais negativos virão agora em abril. Será impensável pensar que não vai haver uma quebra. Naturalmente vai haver“, diz Hugo Santos Ferreira ao ECO, referindo que a “esperança é que o interesse se mantenha”.
Quanto à quebra, o mercado está apreensivo, a curto prazo, mas confiante a médio e longo prazo, diz o vice-presidente da APPII. “O mercado vai abrandar nestes meses, mas prevemos uma recuperação rápida, de seis a 12 meses. E depois o imobiliário vai ser novamente o motor principal da economia”, diz, sublinhando que “é importante que o Governo não deixe à sorte” o setor imobiliário, “como é hábito”.
Foi o imobiliário que trouxe investidores estrangeiros para o país, o que ajudou muito o boom do turismo. E no futuro vai ser igual. Daqui a dois ou três meses, o próprio Governo vai pensar duas vezes [antes de impor um travão aos vistos gold].
Já Luís Lima refere que, na altura da troika, “foi o imobiliário que trouxe investidores estrangeiros para o país, o que ajudou muito o boom do turismo”. “E agora no futuro vai ser igual, até porque temos a concorrência de outros países que têm programas muito mais acessíveis do que o nosso”. Assim, o responsável acredita que “daqui a dois ou três meses, o próprio Governo vai pensar duas vezes” antes de impor estes travões aos vistos gold.
Mas o travão dado pelo Governo e pelo Parlamento não é a única justificação para estas quebras nos números. O atual cenário que se vive devido à crise provocada pelo coronavírus também está a contribuir para este cenário. Há poucos negócios a serem fechados, e os que acontecem têm por trás um comprador com perfil de investidor. Além disso, o presidente da APEMIP nota que estes números poderão refletir a acumulação de processos.
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