Auditoria à parte? Em Portugal, pesa pouco no negócio das “big four”

Separação entre a atividade core das auditoras e outras atividades está em foco após escândalos financeiros. Reino Unido tornou obrigatório, enquanto a Zona Euro tem apenas regras de transparência.

As grandes auditoras vão ter regras mais apertadas, no Reino Unido. As quatro maiores firmas de contabilidade — PwC, Deloitte, EY e KPMG — têm até junho de 2024 para separar as unidades de auditoria do restante negócio. Em Portugal — que reflete a legislação da Zona Euro –, não há regras específicas sobre separação de atividade, apesar de o negócio core ter um peso reduzido para as receitas do setor.

Do total de 542,3 milhões de euros que PwC, Deloitte, EY e KPMG registaram em receitas em Portugal, no ano passado, apenas 23% diz respeito a auditoria. O caso mais expressivo é o da Deloitte, que o peso da auditoria é de apenas 9% nos resultados, contra mais de 30% para as três outras firmas.

Os dados — que mostram que a auditoria não é, de longe, o negócio principal destas empresas — são conhecidos porque os princípios de normalização contabilística obrigam a que a informação seja reportada separadamente. Mas na lei da União Europeia ou de Portugal não há referência específica à separação das atividades como passará a ser feito no Reino Unido.

Serviços de consultoria têm mais peso que auditoria

Fonte: relatórios de transparências referentes a 2019 das auditores

Melhorias na qualidade da auditoria bem recebidas

O Financial Reporting Council (FRC), regulador britânico para as empresas de auditoria e contabilidade divulgou um conjunto de 22 princípios sobre a separação operacional das unidades de auditoria. As big four têm até 23 de outubro para apresentar os planos de implementação, que têm de estar executados até junho de 2024.

“As medidas não se aplicam aos países da União Europeia. Apenas a Diretiva e Regulação da Auditoria são aplicáveis”, confirmou ao ECO a Autoridade Europeia de Mercados de Valores Mobiliários (ESMA, na sigla em inglês). “Sobre este assunto, a reforma da auditoria de 2014 não introduziu uma separação formal das firmas de auditoria, mas introduziu a proibição ou limitação da provisão de serviços de não-auditoria para evitar conflitos de interesse“.

As próprias empresas não estão preocupadas com a alteração já que não antecipam que seja replicada na UE. “O enquadramento regulatório e operacional difere, naturalmente, de região para região”, diz ao ECO a Deloitte. “A Deloitte em Portugal continuará empenhada, enquanto parte da rede global Deloitte, em analisar todas as medidas suscetíveis de enriquecer a qualidade da sua prática de auditoria“, sublinhou.

"Não está neste momento em cima da mesa que a União Europeia ou Portugal adotem medidas similares ao Reino Unido.”

EY

A PwC garante igualmente partilhar os objetivos de “reforço da qualidade e consequente confiança depositada na auditoria, resiliência do mercado e atratividade contínua da profissão como carreira profissional”. E explica que o trabalho que tem desenvolvido nos últimos anos para reforçar a qualidade da auditoria, incorpora já parte dos princípios inerentes às recomendações.

Continuaremos a trabalhar construtivamente com os diversos reguladores dos mercados em que desenvolvemos a nossa atividade, para gerir adequadamente a complexidade e detalhes inerentes a esses princípios“, diz. Já a EY diz que ainda está a analisar o tema pelo que não considera “adequado” ainda comentar o tema, dizendo apenas que “não está neste momento em cima da mesa que a União Europeia ou Portugal adotem medidas similares”.

Há “tradição” de separação em Portugal

A KPMG não espera também alterações legislativas e sublinha que “em Portugal, sempre houve uma matriz de governance que promove a separação entre auditoria e consultoria“, nomeadamente as normas da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) sobre serviços especializados a clientes de interesse público.

O que está presente na lei portuguesa são apenas questões sobre independência e restrição de atividades. Neste grupo incluem-se potenciais conflitos de interesse entre revisores oficiais de contas e entidades auditadas, requisitos legais de independência, procedimentos de organização interna ou mecanismos de controlo de qualidade internos.

"Em Portugal, sempre houve uma matriz de governance que promove a separação entre auditoria e consultoria.”

KPMG

A maior limitação diz respeito à prestação de serviços especializados a clientes de interesse público que não pode ultrapassar 70% dos honorários de auditoria por forma a não criar conflitos de interesses. Adicionalmente os serviços que não sejam de auditoria e que sejam prestados a clientes de auditoria de interesse público têm que ser previamente aprovados pelo órgão de fiscalização do cliente.

“A eventual aplicação de regras semelhantes às agora anunciadas no Reino Unido praticamente não implicariam qualquer alteração à atividade atual da KPMG Portugal, porque na prática já operamos de acordo com o essencial da nova legislação britânica”, diz.

“Na KPMG Portugal aplicamos ainda, desde há muito, um rigoroso controlo interno de qualidade e independência por forma a evitar eventuais conflitos de interesses, abrangendo transversalmente qualquer serviço prestado pela rede. Porque a transparência assenta igualmente na clara identificação das entidades da rede que possam prestar serviços a clientes”, acrescenta.

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