Inspeção do Fisco à venda das barragens da EDP só avançará a partir de julho
Qualquer inspeção ao negócio de venda das barragens da EDP à Engie só avançará no segundo semestre. Mendonça Mendes garantiu, no Parlamento, que se houve abuso, serão feitas as "correções devidas”.
A venda de seis barragens da EDP no Douro à francesa Engie vai passar pelo crivo da Autoridade Tributária. Vai ser feita uma inspeção à operação avaliada em 2,2 mil milhões de euros com vista a “defender o erário público e fazer as correções devidas”. Esta garantia foi dada há menos de um mês pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, no Parlamento, ao lado do ministro do Ambiente e Ação Climática, Matos Fernandes.
Antes de poder avançar para essa fase de inspeção, o Fisco tem, contudo, de receber primeiro a declaração de rendimentos de 2020 da EDP (declaração modelo 22 para contribuintes com período de tributação coincidente com o ano civil), o que terá de acontecer até 31 de maio. Ou seja, qualquer inspeção ao negócio de venda das barragens só avançará já no segundo semestre do ano, sabe o ECO.
Só nessa altura a Autoridade Tributária poderá, então, avaliar dentro das suas competências se houve ou não abuso. “Se nesta operação [de venda das barragens da EDP] existiu algum planeamento fiscal abusivo ou agressivo, o primeiro interessado em corrigir a situação é a Administração Fiscal”, disse, à data, Mendonça Mendes.
“Não tenho a menor dúvida que, perante factos que lhe permitam aplicar a cláusula antiabuso, a Administração Fiscal fá-lo-á. Se for preciso, será feito”, rematou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Essa avaliação ainda será feita, mas o Bloco de Esquerda não tem dúvidas de que houve. O partido acusa a EDP de “fugir ao imposto do selo” no valor de 110 milhões na venda das barragens, mas também o Governo por permitir que isso acontecesse.
O BE quer, por isso, a presença do ministro das Finanças, João Leão, no Parlamento. O requerimento está já em cima da mesa de Mendonça Mendes, para ser autorizado, e muito em breve o secretário de Estado dos Assuntos fiscais poderá voltar ao hemiciclo para mais explicações, sabe o ECO. Para já, fonte do Ministério das Finanças diz não ter mais nada a acrescentar, depois das explicações já dadas pelo governante a 27 de janeiro.
Além das Finanças, o partido pretende também voltar ouvir Matos Fernandes no Parlamento. Fonte do MAAC diz ao ECO nada mais haver a acrescentar sobre o assunto, salientando que “a transmissão das barragens foi autorizada, depois de parecer da APA“.
Fusão livrou EDP do pagamento de imposto de selo e IRC
Olhando em pormenor para a tributação do trespasse de concessões do Estado, diz a Autoridade Tributária que o Código do Imposto do Selo prevê o pagamento de uma taxa de 5% sobre o seu valor. Contudo, Mariana Mortágua diz que a EDP e a Engie montaram uma “estrutura” para que a venda das barragens fosse fiscalmente tratada como uma cisão/fusão, em vez de uma venda, evitando assim pagar 110 milhões de euros em imposto do selo.
De acordo com o contrato de fusão por incorporação da Camirengia Hidroelétricos na Movhera I – Hidroelétricas do Norte, a que o ECO teve acesso, de um ponto de vista fiscal esta operação foi também realizada ao abrigo do “regime da neutralidade fiscal” do Código do IRC, o que significa que não foi apurado qualquer lucro tributável na transferência de património (barragens) entre as duas empresas e o IRC também ficou assim por pagar.
“Ao mascarar esta operação de venda sob a forma de fusão, a EDP pretendeu usar abusivamente de um benefício fiscal que se aplica às cisões e fusões. Quando é feita uma fusão ou cisão, não são pagos ou devidos impostos”, disse a deputada bloquista em conferência de imprensa realizada este fim de semana.
O mecanismo que permite esta situação é o artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, de acordo com o qual se podem verificar “situações de reestruturação empresarial que operem a alteração da titularidade de concessões do Estado e que não estejam sujeitas a Imposto do Selo”.
A Autoridade Tributária diz que o que está em causa não é um benefício fiscal. O Ministério das Finanças “não atribui quaisquer isenções ou não sujeições de Imposto do Selo, nos termos do Código do Imposto do Selo”. Trata-se sim, de “um imposto que, por regra, cabe às empresas autoliquidar no prazo legal definido, consoante o enquadramento das operações, ou seja, não cabe à AT notificar previamente os contribuintes da sua liquidação”.
“Não tem havido alterações legislativas neste domínio, mantendo-se aquele quadro legal em vigor há vários anos. Acresce ainda que a Autoridade Tributária e Aduaneira não tem registo da concessão de qualquer isenção nos últimos anos neste domínio”, explicou a AT em resposta ao ECO.
A que impostos está sujeita a venda das barragens da EDP?
No Parlamento, Mendonça Mendes garantiu que todos os impostos devidos pela venda das barragens da EDP vão ser canalizados para um fundo gerido pelos municípios e alocado ao desenvolvimento das regiões afetadas. O mesmo defendeu o ministro do Ambiente e Ação Climática: “Se houver imposto pago ou a pagar, o montante será, com certeza, entregue aos municípios”.
Sobre o imposto de selo, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais disse que cabe às empresas autoliquidar o imposto, e não à AT notificar previamente os contribuintes.
Já sobre o IMT e IMI, o governante disse que as barragens vendidas pela EDP não se qualificam como prédios para efeitos tributários porque têm estatuto de utilidade pública e património do Estado.
Quanto à derrama municipal do IRC, Mendonça Mendes confirmou que a mesma é devida, e essas verbas serão canalizadas para o mesmo fundo que será gerido pelo conjunto dos vários municípios.
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