“Temos sido demasiado impulsivos” nas decisões sobre a pandemia, diz Adalberto Campos Fernandes. É preciso mais “planeamento”

O antigo ministro da Saúde defende que se deve cultivar o "planeamento e organização" no combate à pandemia. Adalberto Campos Fernandes aponta problemas na comunicação durante crise sanitária.

Um ano depois de a pandemia de Covid-19 ter chegado a Portugal, o ex-ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes defende que é necessário “aprender e revisitar alguns aspetos de planeamento e organização” na Saúde. O antecessor de Marta Temido, que foi substituído a meio do mandato do anterior Governo, reconhece que, por vezes, as autoridades foram “demasiado” impulsivas nas decisões. Olhando para o futuro, o antigo responsável sugere que é necessário um consenso político para o investimento na saúde.

Campos Fernandes considera, em declarações ao ECO, que alguns aspetos do combate à pandemia correram bem, como a “capacidade de resposta do sistema de saúde, particularmente do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que mesmo em situações de grande dificuldade foi estando à altura”. No entanto, aponta o dedo: “Temos, claramente, de aprender e revisitar alguns aspetos de planeamento e organização”.

“Houve aspetos que correram menos bem e tiveram consequências que podiam ter sido evitadas”, sublinha. Se, por um lado, a situação “especial e inédita pode justificar em grande medida” algumas das coisas que correram mal, é necessário “cultivar mais aspetos da organização, planeamento e antecipação” para a gestão de uma crise sanitária como esta, conclui.

A própria ministra da Saúde já reconheceu que as decisões tomadas no Natal podem ter sido incorretas e assumiu responsabilidade pelas mesmas. “Assumindo obviamente as responsabilidades por tudo o que possa ter sido decidido incorretamente, ou imprevidentemente (…), não tenho ainda uma perceção exata de alguns factos”, disse Marta Temido, em entrevista à Lusa, esta segunda-feira.

É, por exemplo, necessário “robustecer vigilância, isolamento, corte de cadeias de transmissão”, nomeadamente com o rastreamento, e a testagem, sugeriu o ex-ministro socialista, que já classificou o cargo que ocupou como “uma espécie de válvula de descompressão dos governos, de bombo da festa político”.

Marta Temido revelou que já foram realizados 8,1 milhões de testes, o que coloca Portugal entre “os países que mais testa na União Europeia”. Isto porque a estratégia de testagem mudou e todos os contactos fazem agora um teste, independentemente do nível de risco, permitindo alargar o universo de testados. No entanto, a ministra da Saúde, na mesma entrevista à Lusa, sublinhou: “Não vamos andar a fazer testes em dez milhões de portugueses de 15 em 15 dias. Não haveria testes, nem meios humanos, nem meios financeiros e seria um desperdício”, mas haverá uma aferição baseada em “critérios técnicos, critérios de razoabilidade” baseados na evidência que já existe sobre outras estratégias de testagem noutros países.

Para Adalberto Campos Fernandes existiram também alguns problemas na comunicação que, “em alguns momentos, gerou alguma perturbação e, portanto, gerou dificuldade na perceção” dos portugueses.

Temos sido demasiado impulsivos na decisão, acabámos por criar efeitos que agora se vão sentir com muita intensidade.

Adalberto Campos Fernandes

“Temos sido demasiado impulsivos na decisão”, diz, o que “nos penalizou muito”, acabando por criar “efeitos que agora se vão sentir com muita intensidade”, como o atraso na resposta a doentes não Covid. O atual professor na Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa aponta ainda o Hospital de S. João como um exemplo de planeamento bem feito.

Agora, para a frente, o país deve “reforçar meios de saúde pública”, olhar de outra maneira para esta área “como elemento imprescindível” e também “continuar caminho”. “Vimos bem que investimento na saúde afigura-se hoje como prioridade e necessidade”, reitera o autor da frase no Governo “somos todos Centeno”, para negar a existência de qualquer cisma com o titular da pasta das Finanças, sobre o investimento no setor e a necessidade de consolidação das contas públicas.

O investimento na área está inscrito também no Plano de Recuperação e Resiliência nacional, para aceder às verbas europeias, mas é “modesto”. “Gostaria que fosse mais porque considerando o período em que se vai aplicar, podíamos pensar em ter uma ambição maior”, argumenta Campos Fernandes. O SNS “está muito envelhecido, tem muitos equipamentos que precisam de urgente modernização”, bem como infraestruturas, nota o antigo presidente do Centro Hospitalar Lisboa Norte e do Hospital de Cascais.

Não só hospitais novos e modernização dos atuais, existe também necessidade de “olhar agora com mais tempo e atenção para o modelo estratégico de recursos humanos na saúde”, acrescenta. Com esta “lista de necessidades ficamos com sensação de que sabe a pouco”, reitera, apelando a um reforço do pilar da saúde.

Estaria no tempo de, em sede parlamentar, existir um pacto para o financiamento e sustentabilidade do SNS.

Adalberto Campos Fernandes

Mas o investimento na saúde não chega apenas das verbas europeias, sendo também um “eixo estratégico do Estado”. O antigo ministro defende que “não é uma matéria de trincheiras, ultrapassa governos em funções e abrange toda sociedade portuguesa”, pelo que “deve ter amplo consenso que perdure no tempo”.

“Estaria no tempo de, em sede parlamentar, existir um pacto” para o financiamento e sustentabilidade do SNS, nomeadamente com “horizonte para além do médio prazo”, argumenta o ex-governante. Isto já que o “ciclo político introduz mudanças, atrasos e realinhamento estratégico”, explica. Para Campos Fernandes, o investimento na saúde “não divide, une”, mas é preciso capacidade política para o reforçar e melhorar, nomeadamente com consenso.

Depois desta pandemia, que infetou 804.956 portugueses e matou 16.351, o SNS vai sair mais valorizado pelas pessoas, sendo que o respeito e admiração pode contribuir para criar uma opinião pública “que influencie atores políticos a passar das palavras aos atos”, reitera. Não só para investir em cuidados de saúde, “mas em inovação e ciência relacionada com saúde”, aponta.

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