APA apurou que o valor das barragens da EDP aumentou até 33 vezes desde 2007

Para a diretora de Recursos Hídricos da APA, que assinou o parecer, trata-se de uma avaliação inflacionada, suficiente para travar a venda à francesa Engie. A EDP contestou estes valores.

De acordo com o parecer intermédio da Agência Portuguesa do Ambiente, o valor definido para o equilíbrio económico e financeiro das três barragens da EDP situadas no Douro Internacional — Miranda, Picote e Bemposta — deu um salto de 78,1 milhões em 2007 para um valor atual de 1,7 mil milhões.

Contas feitas, as três barragens do Douro Internacional valem hoje muito mais: 13 vezes mais no caso de Miranda do Douro (de 29,5 milhões para 390 milhões de euros), 33 vezes mais no que diz respeito à barragem de Picote (de 21 milhões para 689 milhões) e 23 vezes mais na Bemposta (de 27,3 milhões para 643 milhões), de acordo com a análise da APA de julho.

Uma avaliação inflacionada que, na visão da diretora de recursos Hídricos da APA, que assina o parecer em questão, seria suficiente para travar a venda à francesa Engie, o que não aconteceu. O negócio acabou por avançar no final de 2020 precisamente com luz verde da APA e da REN.

“Esta é uma questão que não pode deixar de ser muito preocupante e que obriga a uma avaliação jurídica e económica aprofundada, avaliando também a necessidade de se dar conhecimento ao Ministério Público“, escrevia a diretora de Recursos Hídricos da APA no seu parecer de julho de 2020.

EDP rejeita sobrevalorização e diz que perdeu dinheiro com o negócio

Na sequência deste parecer, a APA pediu esclarecimentos à EDP e obteve-os em setembro de 2020, numa reunião entre as duas partes.

Contrariamente ao parecer da APA, na visão da elétrica o valor da venda das barragens no Douro à francesa Engie em 2020 por 2,2 mil milhões de euros alegadamente não compensa totalmente o valor incorrido pela empresa com a regularização das concessões do Douro Internacional em 2007, no âmbito do processo de extensão do Domínio Público Hídrico.

Foi precisamente o envolvimento nesta extensão do domínio hídrico que tornou o ex-ministro da Economia Manuel Pinho e o ex-CEO da EDP, António Mexia, arguidos num processo judicial a decorrer no Ministério Público, acusados crimes de corrupção ativa e participação económica em negócio.

De acordo com a EDP, o valor pago em 2007 abrangia apenas as centrais originais do Douro Internacional — Miranda, Picote e Bemposta — com uma capacidade instalada de 781 MW, enquanto o valor a pagar agora pela Engie em 2020 abrange também os reforços de potência (1235 MW), que resultaram dos investimentos realizados entre 2008 e 2012 em duas das barragens.

Documentos a que o ECO teve acesso mostram que em 2007 as três barragens foram avaliadas por bancos independentes, no total, em 891 milhões de euros, sendo que apenas 661 milhões foram de facto pagos pela EDP para ver as concessões que lhe tinham sido atribuídas estendidas até perto de 2030. Caso a empresa realizasse investimentos nas mesmas, tal como aconteceu, essa extensão aumentaria por mais alguns anos: até 2042 no caso de Miranda Douro; até 2063 no Picote; e até 2056 na Bemposta.

No entanto, frisa a elétrica, apesar dos 661 milhões pagos, para os registos contabilísticos ficaram apenas os 78 milhões referidos no parecer da APA. “Em termos reais, é possível demonstrar que o preço a receber não permite à EDP compensar na totalidade o custo suportado com as concessões do Douro Internacional, e que este é claramente superior ao valor a receber por parte do comprador”, refere a elétrica num documento a que o ECO teve acesso.

Preços de energia, tarifa social e CESE provocaram perdas no valor das concessões, diz EDP

A empresa diz que o motivo que justifica a “perda de dinheiro” está relacionado com os preços de venda de energia elétrica previstos em 2007: 64 euros/MWh entre 2014 e 2025, quando na realidade não foram além de uma média de 46 euros/MWh.

Além disso, a EDP frisou ainda que a nível regulatório a situação se complicou com a introdução da Tarifa Social, CESE, mecanismo clawback, que não estava incluídos na avaliação feita pelos bancos independentes em 2007.

Estes três aproveitamentos hídricos do Douro Internacional estão neste momento ainda associados a processos judiciais em curso, tanto a nível nacional e comunitário, precisamente face ao valor definido para o equilíbrio económico e financeiro, na sequência da prorrogação dos prazos.

Este foi um dos principais entraves identificados pelo parecer da Agência Portuguesa do Ambiente de 30 julho de 2020 para que não avançasse a venda das seis barragens do Douro pela EDP à Engie. Por esta razão, a diretora de recursos Hídricos da APA concluiu na altura que “não estavam reunidas as condições para autorizar as transmissões dos aproveitamentos hídricos” e pedia “um parecer jurídico” que avaliasse se ficava “garantido o interesse público com a transmissão de cada uma” dessas concessões.

No mesmo parecer, a responsável frisava ainda os problemas na implementação das medidas ambientais nos aproveitamentos hídricos de Foz Tua e Baixo Sabor. Quanto a este último, sublinhou também “a atribuição sem qualquer seleção por concurso, sem qualquer contrapartida para o Estado por utilização privativo de bens do domínio público e que agora foram avaliados em 222 milhões de euros, estando a ser alvo de processos judiciais”.

Duas conclusões que, na opinião da líder bloquista, Mariana Mortágua, provam que o Governo devia ter travado a venda das seis barragens do Douro à francesa Engie, que acabou por se concretizar em dezembro de 2020 com luz verde da APA e da REN.

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