Serviços digitais como Netflix não passam fatura com NIF. Fisco diz que Portugal ganha no IVA

Algumas empresas que prestam serviços digitais, das quais é exemplo a Netflix, não passam fatura com NIF. Como é isso possível? A Autoridade Tributária (AT) explicou o enquadramento a pedido do ECO.

A economia é cada vez mais digital e os serviços prestados através da internet podem gerar dúvidas fiscais aos contribuintes. Apesar de estarem disponíveis num conjunto alargado de países, são muitas vezes prestados a partir de outras regiões, sujeitas a diferentes regras e impostos.

Um exemplo é o caso da Netflix. Se é cliente da plataforma de streaming, pode consultar as suas faturas na área de cliente do portal da empresa. Acedendo ao perfil principal e entrando no menu “Conta”, poderá consultar as faturas das suas mensalidades clicando em “Detalhes da fatura” e, depois, na data da fatura pretendida.

O documento inclui vários dos elementos a que estamos habituados numa qualquer outra fatura: número de recibo, data da prestação, descrição do serviço (“Serviço de streaming” no caso da Netflix), custo do serviço e até IVA. Mas boa sorte a conseguir uma fatura com número de contribuinte.

O ECO constatou esta realidade através do apoio ao cliente do serviço. O operador informou que não passa fatura com número de contribuinte e que, no caso de tratar-se de uma empresa, estas estão excluídas de contratar o serviço, uma vez que o mesmo é destinado a consumidores finais. Contactada, fonte oficial da Netflix não quis comentar.

Surge então a dúvida: qual é o enquadramento que permite que algumas destas empresas emitam faturas em Portugal sem número de identificação fiscal, mesmo após pedido explícito do utilizador? O ECO colocou a questão à Autoridade Tributária (AT), através do gabinete de comunicação do Ministério das Finanças.

Exemplar de uma fatura da Netflix:

As faturas da Netflix incluem todos os detalhes a que os contribuintes estão habituados. Exceto o NIF.

Serviços digitais, serviços globais

Apesar de operar em Portugal, as faturas da Netflix são explícitas a indicar que o serviço não é prestado por uma empresa portuguesa, mas sim pela Netflix International B.V., com sede em Amesterdão (Holanda). O dado é mais do que um simples pormenor: é a chave para entender a resposta dada pelo Fisco.

Fonte oficial da AT começa por explicar que “à prestação de serviços por via eletrónica, nomeadamente a receção de programas de radiodifusão ou de televisão através da internet ou o acesso ou descarregamento de filmes, a não-sujeitos passivos (consumidores finais) é aplicável o regime especial de mini balcão único”.

“No âmbito deste regime opcional, o prestador de serviços por via eletrónica cumpre as obrigações inerentes ao IVA a partir de um único ponto, o Estado-membro de identificação, em relação a todos os serviços abrangidos localizados no território de qualquer outro Estado-membro (exceto onde detenha um estabelecimento estável). Designadamente, a obrigação de faturação está sujeita às regras vigentes no Estado-membro de identificação e não às vigentes no Estado-membro em cujo território ocorre o consumo”, indica o Fisco.

Assim, uma empresa como a Netflix, por não estar registada em Portugal ou estar identificada ao abrigo do regime especial, “não tem de cumprir as regras nacionais relativamente às prestações de serviços que se considerem localizadas no território nacional”, diz a AT.

A autoridade fiscal portuguesa recorda que, “em todo o caso”, nos termos do Código do IVA, “a inclusão do NIF do consumidor final na fatura apenas é obrigatória caso este o solicite”. E se o contribuinte pedir, para efeitos de dedução nos impostos? “Para efeitos de dedutibilidade dos respetivos gastos, o Código do IRC não prevê a obrigatoriedade de indicação do NIF do prestador estrangeiro, face ao disposto na alínea b) do n.º 4 do art.º 23.º, embora o documento que comprove o gasto deva conter todos os restantes elementos previstos nesse número”, ressalva a AT.

Outro exemplo disto é o Spotify. A empresa presta o serviço através da Suécia e os recibos mostram a cobrança do IVA, mas não há espaço para o número de contribuinte.

IVA é cobrado fora, mas distribuído pelos países

Não quer isto dizer que Portugal não beneficie fiscalmente com a prestação do serviço. A AT aponta que estas empresas estão obrigadas a “identificar o Estado-membro de cada consumidor, garantindo dessa forma a possibilidade de atuação de um mecanismo centralizado, no âmbito da UE, que permite assegurar e distribuir a receita de IVA cobrada pelos Estados-membros de residência dos consumidores”.

“Em sede de IRC, não tendo estabelecimento estável em território português, dado que a obrigação de faturação está sujeita às regras vigentes no Estado-membro de residência e não às vigentes no Estado-membro em cujo território ocorre o consumo (no caso Portugal) não será obrigatório emitir fatura de acordo com as regras do Código do IVA Português”, acrescenta também.

No caso dos contribuintes com empresas pessoais, que eventualmente pretendessem deduzir a Netflix nos impostos, a AT explica, todavia, que, “em princípio”, dada a “natureza do gasto (subscrição de filmes e música)”, a mesma nunca deveria ser aceite “na esfera do adquirinte pessoa coletiva (incluindo as sociedades unipessoais) quanto à generalidade das atividades desenvolvidas”.

E para dedução nas despesas gerais familiares? A questão, aqui, ganha alguma complexidade. A AT esclarece que, “na parte respeitante ao IRS, a dedução de despesas gerais familiares, prevista no artigo 78.º-B do Código do IRS exige que a entidade prestadora dos Serviços ou Transmitente dos bens comunique as faturas à AT e para que possam ser consideradas automaticamente na esfera do agregado familiar onde o consumidor se integra é, obviamente, necessário a identificação fiscal do adquirente dos serviços ou bens, o consumidor final”.

Dado esse contexto, e uma vez que estes serviços não emitem fatura com NIF, a AT remata: “Do cálculo das deduções à coleta por NIF relativamente às despesas gerais familiares que é efetuado e disponibilizado pela AT até 15 de março do ano seguinte ao das despesas, pode o contribuinte reclamar desse cálculo, devendo ser admissíveis todos os meios de prova, embora, em regra, há uma limitação dos meios probatórios à forma documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham, sem prejuízo do direito de o órgão instrutor ordenar outras diligências complementares manifestamente indispensáveis à descoberta da verdade material”.

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