Empresários querem fim do teletrabalho, mas admitem exceção nos concelhos em risco

Das tecnológicas à indústria, empresários desejam o fim do teletrabalho e consideram que cabe às empresas fazer a gestão com base na sua conjuntura. Defendem regras diferentes para concelhos de risco.

O teletrabalho é obrigatório até ao final do mês de maio em todo o país, sempre que as funções sejam compatíveis. Das tecnológicas à indústria, a grande maioria do tecido industrial considera que devem ser as empresas a fazer a gestão do teletrabalho, com base na sua conjuntura, e que este regime deve ter regras diferentes mediante os concelhos de risco.

Se, no setor tecnológico, trabalhar remotamente não é um problema e já era uma prática aplicada em várias empresas mesmo antes da pandemia, na indústria, por exemplo, a realidade é outra.

O managing director da Continental Advanced Antenna Portugal, Miguel Pinto, defende que “devem ser as empresas a definir o futuro regime do teletrabalho” e a definir o modelo “de acordo com a especificidade do setor”. Na opinião do gestor, o teletrabalho “deve deixar de ser obrigatório a partir do momento em que as condições sanitárias o permitam”.

Para a Continental Advanced Antenna Portugal, que emprega 570 pessoas e tem cerca de 10% da força de trabalho em regime de trabalho remoto, este modelo não pode ser linear. Miguel Pinto destaca que o teletrabalho “pode fazer sentido em algumas empresas”, como é o caso dos serviços e das tecnológicas, enquanto “para outras pode não fazer sentido nenhum. “Tudo depende do tipo de empresa que estamos a falar e da sua realidade”, destaca Miguel Pinto. Exemplifica ainda que uma “empresa iminentemente industrial não pode optar pelo regime de teletrabalho“.

“O impacto da imprevisibilidade nos acontecimentos, devido ao contexto pandémico, tem demonstrado que fixar datas ou metas de forma rígida poderá não ser sensato”, começa por afirmar Ricardo Carvalho, CEO do grupo Lisbon Project. Para o empresário, o mais apropriado é, antes, “definir cenários e respostas adequadas, mediante a progressão ou regressão do vírus”. “A Covid-19 não reconhece festividades ou períodos de férias pelo que, até assegurarmos a imunidade de grupo, a precaução deve imperar”, salienta.

Com o fim da obrigatoriedade do teletrabalho a aproximar-se, Ricardo Carvalho diz que não existem soluções universais e que o importante é que as empresas comuniquem e entendam o enquadramento de cada trabalhador, chegando a um entendimento que garanta qualidade de vida e produtividade.

E retira algumas conclusões para o futuro: “Em março de 2020, o teletrabalho apresentou-se como uma solução conjuntural que acelerou processos que estavam a ser analisados, mas longe de serem implementados a 100% (sobretudo no setor público). A mudança de paradigma apresentou vantagens e desafios, mas já foi possível concluir que o avanço das tecnologias de informação permite a realização de processos colaborativos eficientes”, diz o CEO da agência de design, comunicação e desenvolvimento digital.

Com 35 colaboradores espalhados por Lisboa, Caldas da Rainha e Guimarães, o grupo Lisbon Project abarca realidades distintas: em Lisboa todos os colaboradores preferem ficar em casa, deslocando-se à empresa apenas para reuniões de brainstorming, para as quais todos são previamente testados, e, pelo contrário, em Guimarães a maior parte da equipa prefere trabalho no escritório.

Já no setor imobiliário, a JLL acredita que, com o processo de vacinação em curso, não se justifica que o teletrabalho seja obrigatório quando existem todas as condições de segurança asseguradas. “Também acreditamos que a ida ao escritório é fundamental para o bem-estar dos colaboradores, principalmente para as tarefas mais colaborativas, criativas e de net working”, refere Pedro Lancastre, CEO da JLL Portugal.

No entanto, o empresário admite que, sempre que as condições de saúde se agravem, a empresa está preparada para continuar com o regime de teletrabalho que, aliás, deverá fazer parte do modelo de trabalho da empresa mesmo num futuro pós-pandemia.

Do lado das tecnológicas, as empresas querem que a obrigatoriedade do teletrabalho seja levantada, apesar de estarem focadas no modelo híbrido. Este é o caso da New Work e da Revolut Portugal. O ano de 2020 abriu portas a um futuro mais flexível, em que o teletrabalho passou a ser algo comum (e necessário) para a maioria das empresas. Se, para algumas, foi uma autêntica novidade, para outras foi apenas uma forma de acelerar processos que já estavam em andamento. Na New Work Portugal, que faz parte da rede social alemã XING, o regime de teletrabalho não era totalmente desconhecido. Aliás, antes mesmo da pandemia da Covid-19, a empresa implementou uma iniciativa chamada Mobile 50 que oferece aos colaboradores a possibilidade de trabalharem fora do escritório até 50% do tempo.

No entanto, passados 14 meses de teletrabalho e com todos os colaboradores (120) neste regime, a empresa prefere que esta obrigatoriedade seja levantada. Miguel Garcia, general manager da New Work Portugal, explica ao ECO/Pessoas que levantar esta obrigatoriedade vai permitir dar apoio aos colaboradores que têm mais dificuldade em trabalhar de casa. Miguel Garcia adianta que “algumas dos colaboradores vivem em habitações que não foram concebidas para trabalhar de lá, e alguns vivem com agregados familiares alargados, que não são fáceis de compatibilizar com o trabalho focado e exigente que têm que desempenhar”.

O teletrabalho deve ser acordado entre a empresa e o colaborador, sem que seja uma imposição do Governo. Cada empresa deve ajustar o seu modelo, tendo em conta a atividade, a natureza das funções de cada colaborador e as condições que cada colaborador tem para aceitar esta realidade.

Carlos Gouveia

CEO da Scoring

Mesmo com a opção de trabalhar a partir de casa em cima da mesa, o general manager da New Work Portugal destaca ainda que têm “bastantes colaboradores a pedirem para trabalharem no escritório como forma de quebrar a rotina com idas ao escritório pontuais”, considerando que é “uma ajuda para a saúde mental dos colaboradores”.

Como a New Work já tem em prática um modelo de flexibilidade chamado Mobile 50 – que pretende que sejam os colaboradores a decidir quando (e se) querem ir trabalhar para o escritório – não faz muito sentido para a empresa a introdução do modelo de espelho. O objetivo do grupo que engloba a rede social profissional alemã Xing é dar “liberdade e conforto” para que os trabalhadores decidam onde querem trabalhar.

A adoção de um modelo híbrido é uma medida adotada pela maioria das tecnológicas. Para além de ser a realidade da New Work Portugal é também uma vontade da Revolut, que têm toda a força de trabalho em Portugal – mais de 100 pessoas – em regime de teletrabalho. A fintech conta que quando o regime obrigatório de teletrabalho for levantado no país, “a Revolut implementará o piloto que já tem em execução noutras geografias. É um modelo de trabalho flexível mediante o qual o colaborador poderá acordar com o seu line manager ou líder de equipa, o número de dias em que deseja trabalhar a partir de casa ou visitar o escritório”, explica fonte oficial da Revolut em Portugal. Quem optar por trabalho presencial, poderá agendar, previamente, a visita, utilizando um sistema interno de marcação de lugar.

A Quidgest, multinacional tecnológica de origem portuguesa, especializada em Engenharia de Software, fundada em 1988, considera que são as empresas que devem fazer a gestão do teletrabalho com base na sua conjuntura e sobretudo “atender às várias necessidades dos colaboradores”. Cristina Marinhas, CEO e cofundadora da Quidgest, adianta que são várias as circunstâncias que devem ter em atenção: “Há quem prefira ir para o escritório porque não tem um local de trabalho adequado em casa ou porque simplesmente é mais produtivo a trabalhar presencialmente”, explica.

No entanto, a CEO e cofundadora da Quidgest, empresa que tem cerca de 100 colaboradores e a grande maioria está em teletrabalho, afirma que um eventual regresso à obrigatoriedade do teletrabalho “só deveria acontecer caso houvesse um pico de casos positivos”.

Levantar a obrigatoriedade vai permitir dar apoio aos colaboradores que têm mais dificuldade em trabalhar de casa.

Miguel Garcia

General manager da New Work Portugal

Para Carlos Gouveia, CEO da Scoring, empresa de consultoria, “o teletrabalho deve ser acordado entre a empresa e o colaborador”, sem que seja uma imposição do Governo. Além disso, “cada empresa deve ajustar o seu modelo, tendo em conta a atividade, a natureza das funções de cada colaborador e as condições que cada colaborador tem para aceitar esta realidade”, não podendo ser exigido um modelo de espelho, por exemplo, a todas as empresas. Para o CEO da consultora, cada caso é um caso e cada empresa deve desenhar o modelo de trabalho que lhe seja mais conveniente.

No entanto, Carlos Gouveia salienta que o teletrabalho é uma “excelente evolução na organização do trabalho”, trazendo benefícios para colaboradores, empresas e ambiente. “Só considero que não deve ser imposto, deve ser negociado e aperfeiçoado todos os dias”, afirma. A Scoring está, neste momento, a cumprir as regras da DGS, adotando o teletrabalho sempre que possível. E avança que, no futuro, prevê que este seja o regime preferencial, algo que ainda tem de ser proposto aos colaboradores.

A semelhança de todas as empresas ouvidas pelo ECO/Pessoas, a Associação Empresarial de Portugal (AEP) considera que a obrigatoriedade do teletrabalho justificou-se na fase muito severa da pandemia, mas tendo em conta o ritmo da vacinação e a redução dos casos de Covid-19 no país, o “Governo deverá acabar com o caráter de obrigatoriedade”.

O presidente da associação, Luís Miguel Ribeiro, apesar de considerar que a obrigatoriedade deve acabar, salvaguarda que “é muito importante um acompanhamento vigilante da vertente sanitária de forma a minimizar o risco de um retrocesso, que penalizaria de forma muito séria a recuperação da atividade económica”.

Empresários defendem que teletrabalho deve ter regras diferente mediante concelhos de risco

Das tecnológicas à indústria, apesar de a grande maioria do tecido industrial português defender o fim da obrigatoriedade do teletrabalho, defendem também que o teletrabalho deve ter regras específicas mediante os concelhos de risco. O Governo já admitiu que teletrabalho pode variar por regiões a partir de junho, tendo em conta a evolução da pandemia em cada local e o nível de vacinação.

Do teletrabalho às futuras regras que vão reger o país no futuro, na quinta-feira, o Governo vai comunicar em Conselho de Ministros as novas regras que que vão definir os próximos passos do plano de desconfinamento com base nas opiniões da equipa da professora Raquel Duarte e Óscar Felgueiras. Neste concelho de ministros vai ser decidido ainda o futuro do teletrabalho que é considerado obrigatório até ao final do mês.

Para a Associação Empresarial de Portugal (AEP) o prolongamento do teletrabalho ou um eventual regresso a esta modalidade deverá estar dependente de uma avaliação objetiva da situação epidemiológica. Para o líder da associação, Luís Miguel Ribeiro, nesta matéria, o “Governo deve continuar a ouvir os especialistas” e volta a sublinhar a “necessidade de um controlo sustentado da pandemia, sem o qual não será possível uma recuperação sustentada da economia”.

Existe um decreto de lei que permite ao Executivo de António Costa definir quais os concelhos que devem permanecer em regime de teletrabalho obrigatório com base nos níveis de incidências. Uma “lei” vista com bons olhos por todos os empresários ouvidos pelo ECO.

A New Work Portugal defende que o teletrabalho deve ter regras diferente mediante os concelhos em risco. “Aplicar a Matriz de Risco à obrigatoriedade do teletrabalho parece-nos bastante lógico”, afirma Miguel Garcia.

À semelhança da New Work Portugal, também a tecnológica Quidgest defende esta medida. Para Cristina Marinhas, CEO e cofundadora da Quidgest, no caso dos concelhos mais afetados, “as empresas, que têm a possibilidade de ter os seus colaboradores em teletrabalho, deveriam apelar ao trabalho a partir de casa”.

O CEO da Scoring defende a adoção de regras diferentes para concelhos em risco. “É uma forma de mitigar a evolução da pandemia, bem como de responsabilizar mais as pessoas para o cumprimento das regras sanitárias aplicáveis”, considera.

A mesma opinião é partilhada por Pedro Pedro Lancastre, da JLL Portugal, que tem, neste momento, cerca de 60% dos seus 300 colaboradores em regime de teletrabalho e está a preparar um regresso gradual aos escritórios. Para o CEO da empresa do setor imobiliário, as regras para o teletrabalho devem, no entanto, “acompanhar o cenário epidemiológico em cada concelho, de forma a que as empresas possam planear o seu regresso à normalidade o mais rápido possível”.

Do lado da indústria, a Continental Advanced Antenna Portugal também concorda que o teletrabalho deve ter regras diferentes mediante os concelhos com mais incidência de casos de Covid-19. Miguel Pinto, managing director da Continental Advanced Antenna Portugal, adianta que esta medida poderá fazer sentido em concelhos de elevado risco e que, nestes casos, “as empresas devem ajudar a contribuir para a solução do problema. Acaba por ser responsabilidade social das empresas”.

As medidas restritivas adotadas de modo a conter a pandemia de coronavírus têm levado milhões de trabalhadores europeus a exercerem as suas funções profissionais a partir de casa. Em ano de pandemia, quase 14% dos trabalhadores portugueses exerceram a sua profissão regularmente a partir de casa, em 2020, por força da pandemia de coronavírus, um número superior à média europeia (12,3%), de acordo com dados do Eurostat.

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