Do teletrabalho aos contratos temporários, Governo e parceiros sociais voltam a negociar lei laboral

O Governo apresentou mais de seis dezenas de propostas laborais a sindicatos e patrões, que responderam com os seus pareceres. Negociação é retomada esta sexta-feira.

Mês e meio depois de ter apresentado 64 propostas laborais aos parceiros sociais, o Governo reúne, esta sexta-feira, com sindicatos e patrões para discutir essas medidas, que passam pelo trabalho temporário, mas também pelos contratos a prazo, pelo reforço da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e pela conciliação da vida profissional, pessoal e familiar.

Tanto os representantes dos trabalhadores como as confederações empresariais enviaram ao Executivo, em meados de agosto, os seus pareceres ao pacote de medidas que recebeu o nome de Agenda do Trabalho Digno e da Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho, ouvindo-se críticas de ambos os lados.

Da parte dos sindicatos, a principal exigência é que o Governo vá mais longe e inclua outras matérias importantes, como os salários e a eliminação das normas introduzidas durante o período da troika. A CGTP, por exemplo, considera que as medidas, como estão desenhadas, são “meros paliativos, na melhor das hipóteses”, na medida em que não atacam “a raiz do problema”. Já a UGT faz uma avaliação globalmente positiva, mas deixa um alerta: os acordos são para cumprir e o de 2018 — que serviu de base à revisão laboral de 2019 — ainda tem medidas por concretizar, como a taxa de rotatividade para penalizar os empregadores que recorram, em excesso, a contratos precários. O ECO questionou o Governo especificamente sobre esta matéria, mas ainda não obteve resposta. A central de Carlos Silva garante, contudo, que vai insistir neste ponto.

Da parte dos patrões, as exigências vão no sentido contrário. As confederações empresariais querem mais flexibilidade e criticam as propostas que oneram os empregadores com mais custos e obrigações burocráticas. A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), por exemplo, ataca a intenção do Governo de ter a ACT a travar despedimentos para lá da crise pandémica. A Confederação Empresarial de Portugal (CIP) quer ver revogada a “moratória” da caducidade da contração coletiva. E a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) defende que as empresas não podem ser fiscais uma das outras, daí ser contra a responsabilização de toda a cadeia de contratação nos casos de recrutamento de trabalho temporário feito à margem da lei.

Mas, afinal, o que propõe o Governo? A Agenda do Trabalho digno surge na sequência da discussão do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho e organiza-se em torno de dez grandes temas: trabalho temporário, “falsos” empresários, contratação a prazo, período experimental, trabalho não declarado, plataformas digitais, negociação coletiva, trabalhadores-estudantes e estagiários, ACT, conciliação da vida profissional, pessoal e familiar.

No trabalho temporário, o Governo defende nomeadamente o reforço das regras sobre a sucessão de contratos de utilização e que é preciso tornar mais rigorosas as regras destes contratos, “aproximando-as dos contratos a termos”. Diz também estar a ponderar a introdução de quotas de vínculos estáveis nas empresas de trabalho temporário, reforçar a ação da ACT e a responsabilização das cadeias de contratação, bem como densificar as contraordenações associadas a incumprimentos para com trabalhadores temporários e estabelecer que a integração do trabalhador, no caso da empresa de trabalho temporário não ser licenciada, dever ser feita sem termo na empresa utilizadora.

Relativamente aos “falsos” empresários, há uma medida particularmente polémica. O Executivo quer alargar a taxa contributiva sobre as empresas beneficiárias relativamente aos empresários em nome individual economicamente dependentes.

Já sobre o trabalho não permanente, há três grandes propostas: reforçar as regras da sucessão de contratos a termo de modo a evitar abusos, reforçar os mecanismos de intervenção da ACT para a conversão dos contratos a termo em permanentes, e definir “critérios de estabilidade de vínculos e trabalho digno nos cadernos de encargos” dos contratos de prestação de serviços pelo Estado e demais entidades públicas.

No período experimental, o Governo avança com propostas, que acabaram por gerar muitas críticas por parte dos empregadores. Neste ponto, o Executivo propõe clarificar na lei o que ficou disposto na decisão do Tribunal, estabelecer um prazo de 30 dias de aviso prévio para denúncia do contrato durante este período, depois de decorridos os primeiros 120 dias (dos 180) e introduzir o dever de comunicar à ACT, no prazo de 15 dias, a denúncia após 90 dias, nos contratos sem termo de pessoas à procura do primeiro emprego. Quer também avaliar a definição de trabalhador à procura do primeiro emprego, avaliar a criação de uma compensação específica para situações de denúncia do contrato durante o período experimental de trabalhadores à procura do primeiro emprego após os primeiros 120 dias, e estabelecer que o empregador tem de justificar ao trabalhador as razões da denúncia.

A Agenda do Trabalho tem também um pacote de propostas relativas à conciliação da vida pessoal e profissional, que tem gerado muita discussão. Neste âmbito, o Governo propõe, por exemplo, “alargar aos trabalhadores e trabalhadoras com filhos menores de oito anos de idade ou filhos com deficiência ou doença crónica o direito a exercer a atividade em teletrabalho, condicionado a partilha entre homens e mulheres e quando compatível com as funções”. Não está, contudo, claro se o empregador poderá ou não opor-se a esta adoção do teletrabalho.

A regulação do trabalho em plataformas digitais é outro dos temas mais quentes do momento. Neste ponto, o Governo propõe criar um mecanismo de presunção de existência de contrato de trabalho com a plataforma ou com a empresa que nela opere, afastável apenas mediante demonstração com base em indícios objetivos por parte do beneficiário de que o prestador da atividade não é trabalhador subordinado.

No que diz respeito ao trabalho não declarado, há várias propostas na Agenda do Trabalho Digno, nomeadamente o reforçar as sanções, atribuir à ACT o poder de presunção da existência da prestação de trabalho no caso de trabalho por conta de outrem não declarado e aumentar para dois anos antes o período relevante para a verificação da presunção de laboralidade, bem como fixar uma sanção para as empresas associadas a trabalho não declarado.

Na negociação coletiva, destaque para estas duas propostas: alargar a cobertura da negociação coletiva aos trabalhadores em outsourcing e aos trabalhadores independentes economicamente dependentes, bem como introduzir incentivos através do acesso a apoios públicos, financiamento comunitário e contratação pública.

No que diz respeito à ACT, a medida mais polémica passa por tornar permanente o poder de suspender despedimentos com indícios de ilicitude, introduzido de forma transitória em 2020. Esta medida gerou críticas logo no seu nascimento, mas tendo em conta o seu caráter transitório acabou por ser aceite. Agora o Governo quer torná-la definitiva, o que tem merecido ataques do lado dos patrões.

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