Governo pode demitir administração da Anacom, como exigiu Paulo Rangel? Pode, mas…

Depois de António Costa ter atacado a Anacom no Parlamento, Paulo Rangel exigiu que o Governo tire consequências dessas declarações. E os ministros até podem demitir o regulador. Só que não é fácil.

Paulo Rangel, candidato à liderança do PSD, exigiu que António Costa seja consequente e demita o Conselho de Administração da Anacom, depois de o primeiro-ministro ter dado um puxão de orelhas ao regulador no Parlamento, acusando-o de ser responsável pelo atraso “enorme” no lançamento do 5G em Portugal. Mas pode um Governo demitir a administração da Anacom? Poder, até pode. Só que não é fácil.

“Penso que agora não há outra hipótese, julgo eu, especialmente depois do que [o primeiro-ministro] disse. Se ontem [quarta-feira] praticamente atacou e responsabilizou exclusivamente o Conselho de Administração da Anacom por tudo o que se passou (…) e mudou 180 graus de posição, então que tire consequências disso”, sugeriu Paulo Rangel.

É comum afirmar-se que os administradores de uma entidade reguladora são figuras inamovíveis, de forma a promover a independência dos reguladores face às vontades dos governos. Nos termos da lei, “a Anacom é orgânica, funcional e tecnicamente independente no exercício das suas funções e não se encontra sujeita a superintendência ou tutela governamental no âmbito desse exercício”.

Mas estão previstas exceções. Aliás, nos estatutos da Anacom, publicados no decreto-lei n.º 39/2017 de 16 de março, existe todo um artigo que versa sobre a possibilidade de o Governo demitir o conselho de administração da Anacom.

Como demitir a administração da Anacom?

Para esse efeito, se António Costa entender que a administração liderada por João Cadete de Matos deve mesmo ser demitida, o procedimento deve começar numa reunião do Conselho de Ministros.

“O conselho de administração só pode ser dissolvido e a destituição de qualquer dos seus membros só pode ocorrer por resolução do Conselho de Ministros fundamentada em motivo justificado”, dita a lei.

E que motivo pode ser esse? “Existe motivo justificado sempre que se verifique falta grave, responsabilidade individual ou coletiva, apurada em inquérito por entidade independente do Governo, e procedendo audição da comissão parlamentar competente”, a Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação, lê-se no diploma.

Os três casos previstos na lei que poderiam levar à demissão do presidente da Anacom ou de todo o conselho são os seguintes:

  1. “Desrespeito grave ou reiterado das normas legais e dos presentes estatutos, designadamente o não cumprimento das obrigações de transparência e informação no que respeita à atividade da entidade reguladora, bem como dos regulamentos e orientações da Anacom”;
  2. “Incumprimento do dever de exercício de funções” — por exemplo, se existirem incompatibilidades como deter ações de uma empresa regulada pela Anacom — “ou violação grave e reiterada” do dever de reserva;
  3. “Incumprimento substancial e injustificado do plano de atividades ou do orçamento da Anacom.”

Desta forma, se o Governo quiser demitir a liderança da Anacom, depois das críticas que o primeiro-ministro fez na quarta-feira, António Costa e os restantes ministros teriam de provar, por exemplo, que Portugal está a incorrer numa grave perda por ainda não ter a quinta geração. Essa conclusão teria de ser subscrita por uma entidade independente, após uma investigação aprofundada. Ou seja, não bastaria dizer que sim: é preciso fundamentar.

E o que disse o primeiro-ministro em concreto? “Estamos todos de acordo: o modelo de leilão que a Anacom inventou é, obviamente, o pior modelo de leilão possível, nunca mais termina e está a provocar um atraso imenso no desenvolvimento do 5G em Portugal”, acusou António Costa. O primeiro-ministro teria, por isso, de detalhar as consequências concretas desse atraso para o país.

Na intervenção, o chefe do Governo foi ainda mais longe, criticando o atual modelo de regulação do setor das comunicações: “Quem construiu essa doutrina absolutamente extraordinária de que é preciso limitar os poderes dos governos para dar poder às entidades reguladoras, deve bem refletir sobre este exemplo do leilão do 5G, para ver se é este o bom modelo de governação económica do futuro.”

Face à posição assumida por Costa no Parlamento, também a operadora Nos aproveitou a deixa e veio pedir a demissão “imediata” do presidente da Anacom, João Cadete de Matos. Já o que pensa a Anacom de tudo isto? Não se sabe. Na quarta-feira, o ECO instou fonte oficial da Anacom a comentar, mas ainda não obteve resposta.

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