Mais de metade dos trabalhadores temporários sentem-se pouco realizados e motivados

Trabalhadores com baixos níveis de engagement e pouco realizados a nível pessoal. Este é o retrato da maioria dos trabalhadores temporários. O tipo de contrato pode influenciar a realização pessoal.

Apenas um em cada quatro trabalhadores temporários (25,7%) apresenta níveis de engagement elevados, a maioria destes profissionais (65,2%) revela mesmo uma baixa realização pessoal e 10% dizem sentir esgotamento emocional, revela o estudo “Saúde mental dos trabalhadores temporários durante a Covid-19”, dos investigadores Pedro Ferreira e Sofia Gomes, do REMITResearch on Economics, Management and Information Technologies da Universidade Portucalense. Portugal é o sexto país da União Europeia (UE) com maior utilização de contratos de trabalho temporários em 2020, com a precaridade a afetar, sobretudo, os jovens.

“A baixa realização pessoal é uma evidência demonstrada pelos mais de 2.000 trabalhadores temporários que participaram neste estudo. Significa que as pessoas não sentem que estejam a ser bem-sucedidas e isso pode encontrar explicação em vários fatores”, começa por dizer Sofia Gomes à Pessoas, com base nas conclusões da investigação do REMIT, que inquiriu 2.050 trabalhadores temporários portugueses, em março de 2021, período de novo confinamento no país.

“Curiosamente, estudos anteriores com profissionais não temporários revelam que, no âmbito do burnout, a realização pessoal é menos afetada que a exaustão emocional e a despersonalização, ou seja, os profissionais não temporários são mais afetados pela exaustão emocional e despersonalização do que pela falta de realização pessoal. Deste modo, é plausível assumir que a condição de trabalhador temporário poderá afetar negativamente o sentimento de sucesso profissional“, continua a investigadora da Universidade Portucalense.

Os níveis de engagement também são, na maioria dos trabalhadores temporários, bastante baixos. Seja qual for a dimensão — vigor, dedicação e absorção –, há sempre, pelo menos, 25% dos profissionais a expressarem baixos níveis. Quase 35% dos inquiridos apresentam baixos níveis de vigor (níveis de energia e resiliência mental durante o trabalho), 32,6% mostram baixos níveis de dedicação (entusiasmo, inspiração e orgulho no trabalho) e 25,6% revelam baixos níveis de absorção (nível de foco e imersão positiva no trabalho).

Embora seja difícil afirmar objetivamente que a pandemia da Covid-19 acabou por influenciar negativamente estes indicadores, Pedro Ferreira afirma que, tendo em conta o forte impacto na vida de todos os trabalhadores, “não será de descartar a possibilidade também de ter efeitos nefastos na vida de trabalhadores temporários”.

É plausível assumir que a condição de trabalhador temporário poderá afetar negativamente o sentimento de sucesso profissional.

Sofia Gomes

Investigadora do REMIT da Universidade Portucalense

“Na realidade, os trabalhadores temporários são, em contexto de crise e de redução de mão-de-obra, um dos primeiros grupos a ser afetado, como, aliás, demonstram os dados disponíveis. A redução em 16% do número de trabalhadores temporários em Portugal, de 2019 para 2020, é essencialmente o resultado da pandemia. Além disso, os trabalhadores temporários que mantiveram os seus empregos passaram também a trabalhar em regime de teletrabalho (nos casos em que tal foi possível) e num contexto de incerteza acrescido. Não podemos excluir a hipótese de a pandemia ter agravado negativamente os indicadores de burnout e engagement“, explica.

Níveis baixos de engagement conduzem, habitualmente, a baixa satisfação profissional e produtividade, bem como a elevado absentismo e rotatividade, alertam os investigadores no estudo. Aliás, há especialistas que defendem mesmo que apoiar o bem-estar mental dos funcionários é fundamental para a cultura da empresa e para a produtividade. Segundo uma investigação da World Health Organization, por cada dólar que as companhias investem no apoio à saúde mental no local de trabalho, há um retorno de quatro dólares.

Apesar de os níveis de realização pessoal e engagement serem pouco animadores, no que toca a exaustão emocional e despersonalização, os valores apurados não são tão pessimistas: 10% dos inquiridos dizem sentir esgotamento emocional — o que se traduz em cansaço, sensação de vazio e dificuldade em lidar com as emoções dos outros — e 5% apresenta baixos níveis de despersonalização — uma atitude distanciada –, apesar da precariedade contratual vivenciada por estes trabalhadores.

Estes resultados em especial foram “algo surpreendentes”, confessa Pedro Ferreira. “Grande parte dos mais de 2.000 trabalhadores temporários que participaram no estudo estão ou estiveram recentemente ligados ao setor industrial. Está documentado que o burnout afeta essencialmente profissionais cujas funções têm um elevado grau de relacionamento humano (como, por exemplo, os profissionais de saúde, professores, cuidadores, etc.), que exige aos profissionais lidar com problemas dos destinatários do seu trabalho.”

Por outro lado, as funções de trabalhadores temporários no setor industrial são, muitas vezes, “realizadas em contexto de ‘chão de fábrica’, não existindo, por isso, o desgaste emocional inerente ao contacto com utentes/clientes e os seus problemas”, explica o investigador.

Criar uma cultura que inspire todos os colaboradores

Ainda assim, é preciso estar atento a estes números. A iniciativa “Go Forward to Work”, um projeto de investigação lançado em 2020 em parceria com a Dell Technologies em conjunto com a Harvard Business School, criou um quadro com quatro temas centrais no que diz respeito às melhores práticas para promover a saúde mental e bem-estar das pessoas.

A plataforma agrega um conjunto de ideias inovadoras e boas práticas, ao mesmo tempo que convida os líderes a partilharem as suas histórias através do site “Go Forward to Work”. “Estas dicas podem não só ajudar os colaboradores que estão a sofrer, mas também podem ajudar a criar uma cultura duradoura que inspire todos os empregados”, diz Keith Ferrazzi, fundador da iniciativa, citado pela Fast Company (acesso livre, conteúdo em inglês).

Redefinir as políticas e práticas da equipa, incentivar novas rotinas, desenvolver novas competências de liderança e disponibilizar novos recursos são algumas das principais ideias deste projeto, bem como as medidas que algumas empresas já implementaram. No caso dos trabalhadores temporários, investir no seu bem-estar pode, contudo, ser um desafio ainda maior, sobretudo tendo em conta que a probabilidade de passagem de vínculos temporários a permanentes é baixa.

Mais de 60% dos jovens nascidos nos anos 90 têm vínculos temporários

Portugal ocupa a sexta posição na lista dos países da União Europeia (UE) com maior utilização de contratos de trabalho temporários em 2020, segundo os dados do Eurostat divulgados em maio deste ano. No ano passado existiam 699,6 mil portugueses com contratos temporários de trabalho, menos 16% que em 2019, de acordo com os dados do Pordata. A diminuição pode, contudo, ser explicada pelo elevado desemprego destes trabalhadores, motivado pela pandemia.

Na realidade, os trabalhadores temporários são, em contexto de crise e de redução de mão-de-obra, um dos primeiros grupos a ser afetado.

Pedro Ferreira

Investigador do REMIT da Universidade Portucalense

Recentemente, o estudo “A equidade intergeracional no trabalho em Portugal”, realizado por Pedro Martins, ex-secretário de Estado do Emprego e professor do Queen Mary College (Universidade de Londres) e da Nova, para a Fundação Calouste Gulbenkian, revelou que a precariedade contratual afeta, sobretudo, os mais jovens. Mais de 60% dos nascidos nos anos 90 em Portugal não têm um vínculo permanente, uma situação que afeta apenas 40% dos nascidos na década anterior. E a probabilidade de conversão desses contratos em permanentes é baixa. Atualmente, menos de 15% dos contratos a prazo são convertidos em contratos permanentes.

“Os resultados apontam para uma mudança estrutural em termos de uma utilização muito alargada dos contratos de trabalho a termos e temporários junto das gerações mais jovens”, dizia Pedro Martins, durante a apresentação do estudo, acrescentando que será importante ter em conta o potencial impacto positivo destes contratos em termos de oferta de oportunidades de emprego aos trabalhadores.

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