Empresas que ainda não pagaram subsídio de Natal arriscam coima

O Código do Trabalho dita que o subsídio de Natal deve ser pago até 15 de dezembro. O incumprimento constitui uma contraordenação muito grave e dá lugar a uma coima que pode chegar aos 61 mil euros.

Instituído em Portugal há quase cinco décadas, o subsídio de Natal é hoje um direito dos trabalhadores dependentes quer exerçam funções no privado ou no setor público, determinando o Código do Trabalho que esse “salário extra” deve ser pago até 15 de dezembro. As empresas que falhem esse prazo arriscam uma coima que pode chegar aos 61 mil euros.

De acordo com a legislação em vigor, o subsídio de Natal deve corresponder a um mês de retribuição, exceto no ano de admissão do trabalhador, no ano de cessação do contrato de trabalho e no caso de suspensão do contrato por facto respeitante ao trabalhador. Nessas situações, deve ser pago o proporcional ao tempo de serviço prestado no ano civil em questão, indica o Código do Trabalho.

Cabe às empresas assegurarem a transferência desse “salário extra” até 15 de dezembro de cada ano (mesmo no caso dos trabalhadores que estejam em lay-off) e, se falharem, incorrem numa contraordenação muito grave.

Ora, segundo explicou ao ECO André Pestana Nascimento, sócio na Úria, tal significa que pode ser aplicada uma coima, se o incumprimento for detetado, por exemplo, no âmbito de uma inspeção da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) ou na sequência de uma denúncia de um trabalhador à mesma entidade.

Ou seja, se o empregador não pagar o subsídio de Natal e a ACT tomar conhecimento dessa situação, envia à empresa um auto de notícia e, depois, toma uma decisão sobre a aplicação da penalização. De acordo com o Código do Trabalho, as coimas relativas às contraordenações muito graves variam entre 2.040 euros e 61.200 euros, em função da dimensão e da natureza do incumprimento (por dolo ou negligência).

Convém salientar que “escapam” a este prazo (e consequentemente às referidas coimas) as empresas que paguem os subsídios de Natal em duodécimos, uma vez que, nesse caso, o “valor extra” vai sendo progressivamente transferido ao longo do ano.

Mas, afinal, de onde vem essa ideia de pagar um “salário extra” aos trabalhadores por ocasião do Natal e como chegou a Portugal? Em conversa com o ECO, António Monteiro Fernandes, professor catedrático jubilado e autor de vários artigos e livros sobre Direito do Trabalho, explica que o subsídio de Natal foi, inicialmente, introduzido “por influência das multinacionais que se instalaram em Portugal“. Já na lei foi consagrado, pela primeira vez, em 1972 — portanto, ainda durante o Estado Novo — e abrangia em exclusivo a Função Pública.

“Na altura, era um décimo terceiro mês, ainda não havia subsídio de férias”, conta o professor, explicando que, nessa ocasião, este “salário extra” veio “substituir” o aumento salarial “mais substancial” que era, então, reivindicado pelos trabalhadores da Administração Pública. No decreto-lei assinado por Marcelo Caetano, lê-se: “Não é possível definir, neste momento, os termos da desejável atualização das remunerações dos servidores do Estado. Resolveu-se, assim, ponderadas as disponibilidades, atribuir aos servidores do Estado o suplemento de um mês de remuneração pagável em dezembro, conjuntamente com a remuneração ordinária”.

Por isso, o subsídio de Natal começou mesmo por ser fixado, observa António Monteiro Fernandes, como uma “mensalidade a título transitório“, mas viria a “ganhar raízes” e até alargar o seu âmbito de aplicação. O pagamento deste “ordenado adicional” por ocasião da quadra natalícia também aos trabalhadores do privado viria a ser consagrado “já bem depois do 25 de Abril”, adianta o professor: em 1996, o Governo então liderado por António Guterres publicou em Diário da República um decreto-lei que instituía o subsídio de Natal para a generalidade dos trabalhadores por conta de outrem.

Explicava o Executivo nesse diploma que a “generalidade das convenções coletivas de trabalho” já previa o pagamento do subsídio em questão, mas não estava consagrado “em alguns setores de atividade e para certos grupos profissionais”. “Por esse motivo, o acordo de concertação social, celebrado entre o Governo e os parceiros sociais em 24 de janeiro de 1996, prevê a generalização por via legislativa do subsídio de Natal nas relações de trabalho por conta de outrem“, explica-se no decreto-lei em causa.

À luz desse diploma, passaram a ter direito ao tal “ordenado extra” todos os trabalhadores “vinculados por contrato de trabalho” a uma entidade empregador, incluindo trabalhadores rurais, a bordo e de serviço doméstico.

Hoje, cerca de cinco décadas depois de ter aparecido pela primeira vez na legislação portuguesa, o subsídio de Natal está, de resto, “generalizado na maioria dos países”, diz António Monteiro Fernandes. “Penso que na maioria dos países há uma mensalidade no Natal”, sublinha. Mas, mesmo dentro do Velho Continente, há exceções a essa regra, aplicando os diferentes países variadas orientações sobre esta matéria.

Segundo as informações compiladas pela Comissão Europeia sobre as condições de vida e de trabalho dos vários Estados-membros do bloco comunitário, na Áustria, por exemplo, tanto o direito, como o valor e o próprio prazo de pagamento do subsídio de Natal são regulados pelos contratos coletivos de trabalho ou fixados no contrato individual de trabalho. Ou seja, se o direito em questão não estiver fixado em nenhum desses âmbitos, o trabalho não recebe qualquer valor extra no Natal.

Já em Espanha, o subsídio de Natal é um direito dos trabalhadores previsto na lei laboral, mas o valor pode ser pago em duodécimos, mediante negociação coletiva. Já na Grécia e na Itália as regras estão em linha com as que vigoram em Portugal, garantindo-se aos trabalhadores um “mês extra de salário” na quadra natalícia. Em comparação, nos países nórdicos tal pagamento não está previsto.

Preferiria que os salários [em Portugal] a 12 meses fossem melhores do que são em vez de se pagar mais algum dinheiro às pessoas”, confessa António Monteiro Fernandes, sublinhando, ainda assim, que o pagamento deste subsídio é hoje importante porque o Natal para ser vivido “plenamente” tende a implicar “gastos acrescidos”. “É ir ao encontro das necessidades acrescidas das pessoas“, enfatiza. A propósito, o professor catedrático salienta que “não é difícil imaginar que a razão [para a criação inicial deste subsídio] tenha sido o facto de dezembro ser um período de consumo acentuado“.

Já João Cerejeira, economista e professor na Universidade do Minho, considera, por sua vez, que o subsídio de Natal faz hoje “parte da nossa tradição“, sendo mais favorável para as empresas, em termos de tesouraria, já que estas têm, assim, de pagar esse “valor extra” uma única vez, em vez de terem de o despender ao longo do ano.

Por outro lado, para as famílias, é uma espécie de “poupança forçada“, afirma, e para os Governos pode ser um instrumento que permite ajustar em baixa os salários com um impacto menor no “consumo corrente” dos trabalhadores. Por exemplo, lembra o economista, durante o período da troika, os subsídios de Natal de alguns funcionários públicos foram cortados.

Por outro lado, e com os olhos no futuro, António Monteiro Fernandes frisa que o pagamento deste “ordenado extra” não deverá desaparecer. “Está muito radicado”, diz. E pormenoriza: “Há muitas pessoas que utilizam como uma espécie de reserva destinada a finalidades concretas, que nem são as férias, nem as festas de natal, como pagar impostos e fazer uma compra especial“. E isso, acredita o professor, continuará “a justificar que duas vezes por ano caia na conta do trabalho um ‘valor a mais'”. “Não há interesse por parte dos trabalhadores e das empresas” no desaparecimento da figura do subsídio de Natal, concorda João Cerejeira.

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